Os trabalhos arqueológicos são retomados a 13 de Julho e devem terminar no início de outubro. Aceitam voluntários e pode ter aqui mais informação.
Paula Pereira é arqueóloga, há vários anos que está a trabalhar a necrópole e antecipa o nosso primeiro dia como voluntários. “Inicialmente, as pessoas acham que no primeiro dia vão descobrir qualquer coisa emocionante”.
Como dificilmente é assim, “desmotiva um pouco. Mas, depois, quando explicamos que é preciso ver como um todo, um contributo para um panorama geral, as pessoas acabam por perceber e ficar entusiasmadas. Mais ainda, quando, por exemplo, encontramos o primeiro fragmento de cerâmica, ou um enterramento tem uma determinada doença. Algo que desperta entusiasmo.”
A experiência é motivante e “alguns regressam em novas oportunidades. Há pessoas que ficam com o “bichinho” e querem voltar a participar em campos de arqueologia.”
Quem pretender apenas acompanhar o projeto e inteirar-se dos procedimentos também o pode fazer. “Os campos-escola estão abertos a toda a população. Podem-se inscrever no nosso site ou no da Junta de Freguesia de Sarilhos Grandes. Há também workshops com temas sobre o que vamos fazer. Podem manusear materiais arqueológicos, e acompanhar as análises que estamos a realizar. Tomar conhecimento do projeto.”
A primeira fase dos trabalhos foi dentro de uma ermida, junto à igreja de S. Jorge, em Sarilhos Grandes, que funciona como panteão da família Cotrim onde estão três lápides sepulcrais. Diz Paula Pereira que “uma delas sabemos que é de Rui Cotrim Castanheda".
"As outras duas temos dúvidas porque elas não estão epigrafadas. A ideia é tentar comparar os indivíduos que estão na ermida com os indivíduos que estão no exterior. Temos a ideia de que quem é sepultado dentro de uma igreja é uma população muito diferente, com acesso a objetos de valor e a outros rituais. Vamos comparar essas amostras com as que vamos recolher no exterior da ermida”.
A necrópole deverá ter cerca de 600 anos. Poderá ter havido grandes mudanças neste longo período de tempo mas o antropólogo Bruno Magalhães acredita que deve ser maior a diferença entre os dois espaços. Entre o panteão de uma família abastada e o a necrópole do povo. “O primeiro estudo já tinha revelado isso, de pouco espólio arqueológico associado aos enterramentos no exterior. Penso que vamos ter uma realidade muito diferente no interior da ermida. São realidades muito diferentes tendo como pressuposto o estatuto económico e social das pessoas.”
Através de uma análise bio-arqueológica é possível concluir, por exemplo, hábitos alimentares e uma investigação realizada em 2008 já apontou algumas pistas. Agora, com o estudo dos diferentes espaços vamos perceber que mesmo após a hora da morte, a estratificação social continua a existir. Na opinião de Bruno Magalhães, “os enterramentos mais do que refletirem quem eram as pessoas enterradas refletem quem os enterra. Mais os vivos do que os mortos.”
Os trabalhos arqueológicos realizados no exterior em 2008 já tinham revelado que o processo é distinto do da ermida onde existe uma preparação, por exemplo, no acondicionamento. As novas sondagens no exterior pretendem aprofundar esta comparação. Paula Pereira está a desenvolver o projeto arqueológico desde o seu início e acrescenta que “nos trabalhos realizados em 2008 percebemos que tinham sido sepultados em cova rasa. Abriam um buraco e eram sepultados com mortalha. Sabemos na ermida que é diferente. Há estruturas base debaixo das pedras tumulares. Houve um cuidado na preparação da morte".
"É perceber essa diferenciação e se há objetos associados. Se encontramos a típica moeda na mão para pagar a viagem para o Além. Não tinha grande valor monetário, era o poder simbólico. Também encontramos terços, crucifixos e mais tarde, no século XVII – XVIII as medalhinhas. Como não se pode levar moeda, opta-se pela medalha da confraria a que se pertence para acompanhar para a outra vida. Isso diz muito até das confrarias a que pertenciam e dos santos que veneravam. Os terços também não é comum serem encontrados. Isso é tudo analisado do ponto de vista social e religioso.”
Nos trabalhos realizados em 2008 foram exumados 21 esqueletos e apenas num caso se encontrou o ritual da moeda na mão. “A moeda é uma tradição greco-romana que, no caso dessa tradição, era colocada nos olhos ou na boca e que era para dar ao barqueiro para ele levar a alma para o outro lado. Essa tradição dilui-se, mas mantém-se até ao século XVII e alguns cristãos levam a moeda na mão direita junto ao coração para pagarem a viagem para o outro lado. Nos trabalhos anteriores encontramos apenas o caso de uma criança.”
Um outro dado interessante revelado em 2008, sobre a alimentação, indiciam que a comunidade de Sarilhos Grandes teria uma relação próxima com os produtos transportados nos Descobrimentos. “Quando escavamos em 2008 fizemos a recolha de amostras que deram resultados alimentares e verificamos vestígios de amido de batata, arroz, feijão e grão e que nos despertou sobre o acesso a bens e alguns deles foram provenientes das rotas marítimas dos portugueses. A ideia é prolongar este estudo com uma amostra muito maior de enterramentos para validar estes dados.”
Estes dados conjugam-se com a informação de que haveria aqui um porto. “Era uma zona de apoio na época dos Descobrimentos. Era onde se fazia o biscoito, havia também um porto que, entretanto, desaparece nos dados históricos do século XVII. Fornecia igualmente madeiras para a construção de barcos nos Descobrimentos e os Cotrim têm uma grande ligação ao Oriente".
"Sabemos que Rui Cotrim, tio do Rui Cotrim de Castanheda, foi uma das pessoas que acompanhou Vasco da Gama na segunda armada da viagem à Índia, em 1502. Temos depois uma população de nobres, com ligação à casa real, que viviam aqui e que teve um grande poder económico em Sarilhos Grandes.”
A igreja e a ermida estão classificadas como Imóvel de Interesse Público.
A igreja é de estilo barroco e a sua origem deve ser da Idade Média. Sofreu ao longo do tempo profundas alterações em particular nos dois últimos séculos. Destaca-se uma tela do século XVIII de S. Jorge a matar um dragão e o revestimento das paredes em azulejos, azuis e brancos, que datam de 1740.
Um outro projeto arqueológico que aceita voluntários para trabalhos a decorre no verão é o Outeiro do Circo.
Ver e participar em trabalhos de arqueologia: desenterrar mortos da nobreza e do povo em Sarilhos Grandes faz parte do programa da Antena1, Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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