No Douro, em encostas que até aí só davam mato bravio, começou, no século XVII, a levantar-se a escadaria de geios ou socalcos destinados a suster a terra, em parte criada com a rocha moída e cabazadas de estrume – a mais vasta e imponente obra humana do território português.
Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico; Orlando Ribeiro

Museu do Vinho de S. João da Pesqueira
créditos: andarilho.pt

No caso do Museu, vemos uma paisagem panorâmica da vinha e dos traços culturais de toda a região e em janelas de tempo que percorrem os últimos séculos. De certa forma, corresponde ao tema da classificação dos 26 mil hectares do Alto Douro Vinhateiro pela UNESCO como Património da Humanidade, na categoria de paisagem cultural, evolutiva e viva.

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Este tema é um dos principais fios condutores do Museu. Por isso é, sem dúvida, uma excelente porta de entrada na Região Demarcada do Douro. O testemunho é partilhado por outros visitantes. Conta João Oliveira, responsável do Museu, que “muita gente que nos visita diz: primeiro fomos visitar as quintas e o Douro e depois viemos visitar o Museu. Devíamos ter começado por aqui.” O Museu do Vinho de S. João da Pesqueira pretende ser, antes de mais, a introdução à região do Douro Vinhateiro. Com o conhecimento que se obtém aqui parte-se, depois, para a descoberta do Douro de um modo mais frutífero e, seguramente, com um olhar mais profundo.

João Oliveira é um profundo conhecedor da história e das práticas da produção dos vinhos do Douro. Foi ele o nosso guia nos três pisos da exposição permanente. Partimos da Região Demarcada para o caso específico de São João da Pesqueira. Percebemos a evolução da paisagem da vinha, não apenas a que foi classificada como Património Mundial pela UNESCO, e as qualidades dos diversos vinhos produzidos no vale quente, junto ao rio, ou nas abrasivas encostas de xisto que mudam de cor em cada estação do ano.

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Na exposição descobrimos ainda o engenho humano na construção dos socalcos e uma multiplicidade de instrumentos. Desde o carro de bois para transportar os toneis, que tinha de ter matrícula, às várias qualidades de pipas.

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“Para além de terem a função de armazenar o vinho e de o envelhecer, as pipas são também uma unidade de medida. As pessoas regulam a quantidade de produção de vinho pelo número de pipas. Há também o pormenor de as pipas, por exemplo, no Dão e no Alentejo, terem a capacidade de 500 litros.

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No Douro a capacidade é de 550 litros. Ao estagiar durante vários anos nas pipas, cerca de 10% transforma-se na chamada borra.” Também vemos os cestos de verga que os homens transportavam aos ombros com 60 a 70 quilos de uvas, a subir longos e íngremes socalcos, no ambiente ofegante e seco do Douro.

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“No Portugal telúrico não conheço outro drama assim, feito de carne e sangue. (...)Não há maior ofensa à dignidade humana do que ir de Cadillac a uma vindima do rio Torto, fotografá-la e descrevê-la depois num chá das cinco ou num jornal da tarde. O Doiro dos barcos rabelos de calendário e dos socalcos fotogénicos, o Doiro dos cartazes comerciais e dos lordes em climatério, é uma mentira. O verdadeiro Doiro, rio e região, é a ferida do lado de Portugal”.
Texto de Miguel Torga redigido em 1950, referencia de Portugal, o Sabor da Terra; José Mattoso, Suzanne Daveau, Duarte Belo

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À noite ainda iam pisar as uvas. Hoje, de facto, é apenas folclore. Esta é uma das mais valias do Museu. Não fica apenas pela exposição de objetos. Como salienta João Oliveira, “há sempre uma perspetiva de se mostrar como se fazia e como se faz. A evolução do que foram os trabalhos ao longo do tempo no Douro. De qualquer maneira, o Museu está mais direcionado para a compreensão do que é o Douro”.

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Em Peso da Régua há o grande Museu do Douro , tem uma perspetiva mais abrangente em termos de território. Por outro lado, o de São João da Pesqueira concentra-se mais no vinho. “É mais especifico, concentra-se no vinho e também na história do concelho de São João da Pesqueira. É o concelho que produz mais vinho na Região Demarcada do Douro, é o que tem maior área classificada como Património da Humanidade. Tem 20% da área total. A própria localização na Região Demarcada é quase como que o coração nosso corpo.

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É central e isto possibilita-lhe ter vinhos de grande qualidade. Mais um detalhe, o concelho de São João da Pesqueira é o que tem maior área de margem ribeirinha o que é importante para a produção do vinho do porto. Entre os vários critérios há duas condições essenciais para que sejam vinhos de qualidade:  antes de mais, a idade das vinhas e depois a altitude a que ela está.”

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Em tempos de pandemia, somos incentivados para ultrapassar crises, renovar e até criar novos paradigmas como sucedeu no Douro com a devastação provocada pela filoxera. “Um inseto atacou as raízes das videiras, quase que as matou na sua totalidade. A partir daí o Douro renasceu. A armação do terreno, a paisagem, sofreram alterações porque as plantações passaram a ser feitas de outra forma.”

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Foi esta renovação e o trabalho permanente dos homens que, após a classificação da Região Demarcada do Douro, em 1756, uma das primeiras em todo o Mundo, até aos dias de hoje se preservam dois produtos de excelência. “O vinho e a vinha. Constituem a atividade principal da região e depois há ainda atividades secundárias e complementares. É o caso do turismo que está em franca expansão no Douro e que é um complemento extraordinário para a economia local”. Com a exceção deste ano, o número de visitantes é crescente e o enoturismo tem sido uma importante fonte de rendimento.

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Por último, um dos aspetos que mais me impressiona. A arquitetura do edifício. A surpreendente beleza e imaginação, a forma como o visitante é encaminhado no interior com a utilização de materiais locais associados à vinha. Um exemplo é a estrutura metálica com curvaturas semelhantes às dos aros que rodeiam as pipas de carvalho.
“Os arquitectos tiveram esse cuidado. Há uma caraterística que gostava de referir. O desafio foi lançado a dois jovens arquitetos que estavam na fase final do curso de arquitetura na universidade.

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Foi o trabalho final. A ideia de um Museu do Vinho aqui nasce com o Museu do Douro que, na altura, e bem na minha opinião, teve a ambição de criar dentro da Região Demarcada, museus temáticos. Dois acabaram por ser feitos. O Museu do Pão em Alijó e o Museu do Vinho em São João da Pesqueira. Era um projeto megalómano, envolvia muitas verbas e a determinada altura o Museu do Douro quase que se vê obrigado a deixar cair esse projeto. Só que, em todo este caminho, o Museu do Douro vai lançando o desafio a universidades com cursos em arquitetura para serem elaboradas ideias acerca dos edifícios desses museus temáticos.

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Nós tivemos a sorte de ter um projeto que criou um sitio magnifico, cheio de significado em termos de materiais e da própria arquitetura. Quem ficou com o estudo destas ideias foi a Anabela Coelho e João Abreu. Mais tarde, depois de cair esta ideia do Museu do Douro, o Município avançou com uma proposta a fundos comunitários e o projeto foi aprovado.” No exterior não se tem uma noção muito aprofundada da arquitetura. Só pela descoberta da organização do espaço vale a pena a visita. Claro, há ainda a prova de vinhos.

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Museu do Vinho de S. João da Pesqueira é o miradouro do Douro Vinhateiro faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.

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