A Pegada Zero, com as suas jornadas de Turismo de Natureza, põe-nos cara-a-cara com um Melgaço que quer perder a timidez e assumir todas as suas potencialidades. E a oferta não precisa de subterfúgios, vive da genuinidade do que Melgaço tem: linhas desordenadas de vidoeiros, com os seus troncos esbranquiçados; o chão do mato que se veste de cores fortes: tojais amarelos e urzais rosa que pintam o planalto de Castro Laboreiro, o mesmo que guarda vestígios do paleolítico e dezenas de sepulturas megalíticas. Se descermos ao rio Minho temos as pesqueiras, que lembram que aqui ainda se faz pesca artesanal, nas mesmas águas que acolhem a adrenalina dos muitos que flutuam em botes de rafting. Tem ainda uma bela porta de acesso ao Parque Nacional da Peneda-Gerês, aldeias históricas e uma gastronomia de encher – num regalo – olhos e barriga.
Aqui mora ainda a promessa de avistar o corço Capreolus capreolus, de nos cruzarmos com as cachenas e de passarmos a mão pelo pêlo de um cão castro laboreiro. Talvez a cabra-montês dê um ar da sua graça e vale tentar ‘ler a terra’, numa emboscada à pegada do lobo hibérico, enquanto os olhos acompanham o galope de um garrano: selvagem.
Turismo de Natureza e Aventura
É pelo canyoning que nos estreamos no radical. Equipámo-nos no Parque de Campismo de Lamas de Mouro onde facilmente somos confrontados com um dilema de difícil resolução, quando os belos bungalows de madeira, em plena harmonia com a natureza que os envolve, se exibem diante dos olhos: desportos radicais ou tranquilidade no meio da floresta? Os esquilos e a Faísca – a égua do Parque de Campismo de Lamas de Mouro – dificultam ainda mais a decisão.
Mas o radical impôs-se no programa e a história começa assim:
Uma ponte sobre o rio Laboreiro, e 10 metros de rappel suspenso, para chegarmos lá abaixo. Portanto, juntamos duas estreias neste mundo do radical – rappel e canyoning. E lá estavamos nós, a explorar o rio Laboreiro num “water canyoning”- percurso de dificuldade média.
O Nelson avança como primeiro voluntário e espera-me já em baixo: a mão estratégica na corda (seguindo as instruções), os joelhos na ponte e depois é o suspenso (e suspense) até ao chão. A Mia, que continuava no cimo da ponte, reforça:
– Boa, papázitos!
Daqui caminhamos entre pedras, que o caudal está baixo, e depois lá entramos no canyon – garganta. Pés e mãos que escorregam entre as rochas, penedos que estreitam a passagem e formam curvas apertadas, onde apenas passa um corpo de cada vez, dos sete que somos. Uma gruta que é lugar de queda-de-água, aqui os ouvidos receavam as palavras, mas não impediram que fossem ditas:
– Novo rappel: metade suspenso, metade sobre rochas. – dizem os radicais.
Fomos. E chegámos lá abaixo, mais fortes, ficamos sempre mais fortes quando atravessamos os medos. Mais um salto, este de seis metros e antecedido por uma corrida sobre rochas, para dar lanço e apenas os mais corajosos se lançam.
Rafting, aqui, às águas do Laboreiro vêm substituir-se as águas do rio Minho. Dois botes, duas equipas – Melgaço Radical e Melgaço WhiteWater – e aí vamos nós, prontos para a batalha: mãe de um lado, pai do outro e a Mia, ainda demasiado pequena para entrar num bote insuflável e aí transpor rápidos e remoinhos, ficou a apreciar o desafio, do alto da ponte, a aplaudir, com um prometido baptismo de rafting para o próximo verão.
Descer o rio imprimindo toda a força na pagaia, sob comando dos timoneiros João (Melgaço Whitewater) e Almeida (Melgaço Radical), sentir a adrenalina nos rápidos e depois respirar fundo, abrandar o ritmo cardíaco e contemplar a natureza envolvente – em olhos e ouvidos. Pelo meio ainda houve tempo para: lançamentos de água à equipa rival, mergulhos e braçadas para apanhar o barco e até saltos de um penhasco – para os mais ousados.
Mas nem só de brincadeiras se faz esta descida, pelo caminho podemos apreciar, bem de perto, as pesqueiras – construções em pedra a partir das margens. Basta olhá-las para perceber o engenho e arte que esta pesca tradicional exige aos seus pescadores fluviais: obrigavam o peixe a desviar-se do seu curso e a cair nas inúmeras armadilhas. Ainda hoje assim se pesca aqui, de forma artesanal enchem-se as redes de lampreia e sável e até algum salmão, nas mais de 200 pesqueiras que se mantém activas, os números desordenados que podemos ver nas pedras correspondem ao número da licença das pesqueiras, já pelo céu passeiam gaivotas, enquanto os olhos se deixam enganar pela vontade de pousarem sobre uma garça-real.
Mais tarde, voltaríamos a vê-las, agora mais distantes, já com os pés em terra firme e sobre um novo ângulo, num dos muitos trilhos pedestres que aqui se podem percorrer: o Trilho das Pesqueiras, entre a Barragem da Frieira e a Ponte Internacional do Peso. Começamos por um pequeno caminho que nos rouba os pés ao asfalto para os oferecer à terra, rapidamente estamos face a um antigo moinho, entre um riacho e as rochas. As árvores servem de auxílio na subida dos caminhos incertos que nos levariam ao passadiço, aqui temos uns quilómetros pela frente: de um lado a floresta, do outro o rio Minho e lá estão as pesqueiras, a lembrar que aqui, no rio Minho, o artesanal não caiu no desuso. A Mia ‘caminhou’ de pés suspensos, nas minhas costas e chegou ao final vencida pelo cansaço, mantendo a rotina do seu sono da tarde, no embalo de uma caminhada ao ar livre.
Museus e Cultura
Melgaço não se faz apenas de actividades radicais, por isso, será hora de desacelerar e parar por momentos, mais do que isso, podemos até voltar atrás no tempo. Pela zona histórica de Melgaço visitamos o Museu Espaço Memória e Fronteira – onde, em objectos, documentos e documentários, a história do contrabando e da emigração é retratada. Será impossível conhecer e compreender o concelho à revelia destes fenómenos. Sendo terra de fronteira, é fácil imaginar-se que muitas das lendas e vivências passadas ocupem os dias frios de inverno e encham as horas em mesas (cheias) de Natal.
E daqui fomos até ao cinema, não para uma qualquer matiné, mas ao Museu do Cinema Jean Loup Passek. O espólio é um regalo para qualquer curioso pelo lado técnico-histórico do cinema e do pré-cinema: são lanternas mágicas, lampaescópios, os fenakistiscópios e os praxinscópios; são máquinas do tempo do cinema mudo; cartazes e fotografias que denunciam a época em que viveram.
Enquanto todas estas coisas aconteciam, o grupo de desconhecidos que éramos foi-se aproximando, não tivesse a Mia ordenado a todos que fizessem uma roda de mãos dadas. Rapidamente fez amigos para sempre, nomeadamente o Pedro e o Sr. Castanho. Sim, leram bem, Sr. Castanho, deixem que vos conte a história. Eram 8h30 da manhã, estávamos dentro da camioneta – lá fora o nevoeiro ainda não se tinha dissipado e, mais tarde, no curso da viagem, a nuvem branca que formava teimava em limitar-nos o ângulo do deslumbramento.
Atrasados no abalo, a Mia pergunta quem iria conduzir a camioneta, uma vez que ainda ninguém tinha assumido o posto de motorista.
– Talvez seja aquele senhor de castanho – avançamos nós, sem certezas.
Ela terá percebido Sr. Castanho e passou dois dias inteiros a dizê-lo, carinhosamente, pela cor:
– Castanho, anda brincar comigo.
E, aqui entre nós, ainda hoje é assim que lembrámos o jornalista e amigo Carlos Rodrigues, da Gazeta Rural.
E se o corpo pedir para parar – depois de aventura e cultura, o relaxamento – do corpo e da mente – parece ser o programa ideal. Melgaço tem o espaço perfeito – as suas famosas termas e o spa medicinal, de lazer e estética. Nós percorremos os caminhos de folhas caídas, pela acção do Outono – com a Mia a tentar resgatá-las do chão – no final do mesmo encontrávamo-nos face ao majestoso e elegante Pavilhão da Fonte Principal, já lá dentro a voz era do Presidente da Câmara, enquanto os olhos recaíam sobre a elegância da luz que penetrava através da cúpula envidraçada. No final e em jeito de brinde, experimentámos a água carbogasosa – a avaliar pelas expressão da Mia não lhe terá caído no goto mas, nós confessamo-nos tentados a uma passagem prolongada pelo spa e piscina dinâmica.
À mesa – entre alvarinhos e porco bísaro
Uma visita a Melgaço que não alimente o palato ficará pela metade (ou menos de metade). Comecemos por lembrar o alvarinho e aqui poderia falar-vos das castas, das rotas: dos Vinhos Verdes e do Vinho Alvarinho; do Solar do Vinho Alvarinho e da obrigatória passagem pela Quinta de Soalheiro, onde foi plantada a primeira vinha contínua e a primeira marca de Alvarinho de Melgaço.
Se em 2016 foi António Luís Cerdeira, enólogo e co-proprietário da Quinta de Soalheiro, quem nos falou nos processos de fermentação e estágio pelos quais passam os seus alvarinhos, em 2017 foi Lúcia Barbosa quem fez as honras da casa. E pelas provas se compreende que quando se fala de alvarinho é sempre no plural que o devemos fazer e acreditem, entre os Soalheiros: Clássico, Primeiras Vinhas, Reserva, Espumante bruto, Terramatter, Nature e Dócil, as vivências gustativas são bem diferenciadas.
Da varanda do Soalheiro os montes dividem-se entre lusos e galegos e avistam-se os socalcos das suas vinhas, que se prolongam até ao lugar do repasto dessa noite – Quinta de Folga – o outro lado do negócio de família, aqui é lugar do porco bísaro e de todos os enchidos e petiscos que dele podem derivar. Acrescentemos os agriões e espinafres selvagens, os tomates, pimentos e pimentos padrão, tudo biológico e apanhado na horta horas antes. Não esqueçamos os queijos artesanais vindos da Queijaria Prados de Melgaço, onde as cabras murciana-granadina e alpina ouvem música e são massajadas por um dispositivo que as relaxará e, a avaliar pelo sabor do queijo, contribuirá para a produção do leite e para o nosso deleite à mesa.
– Mil perdões! Neste momento deixei de ser eu a falar e passou a ser a voz da gula e imagino que desse lado já more a água na boca. Sinto quase como uma subtil crueldade descrever todos os lugares que o nosso palato visitou – em alvarinhos e porco bísaro criado ao ar livre, como dita a tradição, por isso, prometo terminar rápido: venham a Melgaço e sentem-se à mesa em almoços e jantares onde não se deixem apoucar pela pressa das horas, afinal, há coisas que merecem ser saboreadas e agradecidas. Foi com esta última intenção que a Mia que entrou pela cozinha da Quinta de Folga e ofereceu flores à cozinheira Alzira e à Céu, que fez jus ao seu nome em cada prato que nos serviu.
Montanhas, Serras e Parque Nacional da Peneda-Gerês
A zona montanhosa de Melgaço adentra o sistema montanhoso da Peneda-Gerês, são quase 1000 metros de altitude e é num todo o terreno que chegamos lá acima – estamos no Planalto de Castro Laboreiro, entrar aqui é estar já dentro do Parque Nacional da Peneda Gerês, através da Porta de Lamas de Mouro, uma das cinco portas que se abrem – e nos abrem – aquele que é o único parque nacional do país. E enquanto os olhos se vão agigantando, para acolher tudo o que a natureza oferece, enchemo-nos de perguntas: por que razão nunca tínhamos passado esta porta? Por que nunca tínhamos ouvido falar desta porta em detrimento do turismo de massas que noutras portas já se edificou?
É também aqui, nos aglomerados que do planalto se avistam, que se mantém um dos mais sui generis modos de povoamento: os lugares fixos, as brandas e as inverneiras. E se nos lugares fixos, como o nome indica, as casas são habitadas todo o ano pelos seus. Nas brandas e nas inverneiras há uma ocupação alternada e é o tempo – que faz do lado de fora da janela – com as suas mudanças estacionais, quem manda. Há um deslocamento das famílias, quando o inverno rigoroso se faz sentir nas terras mais altas é para as aldeias inverneiras – situadas nos vales – que as famílias se deslocam e quando o tempo fica mais brando é para as aldeias brandas, onde costumam permanecer de março a dezembro.
Nas Alminhas da Nossa Senhora da Guia parámos para beber água da fonte, e sentámo-nos em bancos de pedra que parecem ter o tamanho perfeito para a Mia, estamos ali, lado a lado com as cachenas e se descermos a calçada de pedra, contornando pela esquerda o Brandeiro (restaurante) vamos dar à aldeia turística da Branda da Aveleira, onde as cardenhas – casas rústicas típicas – nos dão vontade de recuar no tempo e viver – qual castreja – numa das casas desta aldeia de verão, agora transformadas em alojamento rural, é só escolher a direção que a placa de madeira indica: Piorno e Castanheiro, à direita; Bica e Carvalhinho à esquerda, e ao percorre-las é um novo trilho que se faz: desta o Trilho do Brandeiro.
Despedimo-nos com a vista oferecida pelo Miradouro de Tibo e aqui os olhos enchem-se de novo: um horizonte copioso em carvalhais, pinhais e vidoeiros, linhas de água onde o Laboreiro e o Peneda se encontram e juntos serpenteiam montes e vales, renovam-se os amarelos-rosas em tojais-urzais, ali, debaixo, aos nossos pés.
Debruçamos olhar e peito sobre Melgaço. Ainda trazemos nos cabelos os ventos mistrais das suas colinas e as mãos enrugadas pelas águas dos rios que o atravessam, mas nada disto nos tolda a certeza de que não é de sarroncos que se faz a gente melgacense, como contam aos mais pequenos na hora do caldo, mas de gente que sabe receber e acolher: no melhor de si.
Melgaço tem: Tudo.
Este artigo foi originalmente publicado em Menina Mundo.
Onde comer:
Quinta de Folga
Lugar de Folga – Alvaredo, Melgaço
www.quintadefolga.com
Tel.: 967 076 079
Para grupos superiores a 8 pessoas, mediante reserva.
Restaurante Miracastro – Castro Laboreiro
www.hotelmiracastro.com
Restaurante Miradouro do Castelo
www.miradourodocastelo.com
Tel: 251 465 469
Restaurante Vidoeiro – Lamas de Mouro
Tel: 251465566
Restaurante Chafarix (Vila- Melgaço)
chafarix.com
Tel: 251 403 400
Restaurante Brandeiro
Tel: 934 420 526
Empresas de animação turística
Melgaço WhiteWater
www.melgacoww.pt
Tel.: 933 459 751
Melgaço Radical
mr.melgacoradical.com
Tel: 251 402 155
Montes de Laboreiro
www.montesdelaboreiro.pt
Tel.: 251 466 041
Vertigem – Trilhos
Tel.: 251 466 037
O que visitar
Quinta de Soalheiro
www.soalheiro.com
Museu do Cinema Jean Loup Passek
Queijaria Prados de Melgaço
www.pradosdemelgaco.pt
Onde Dormir
Hotel Monte Prado – Melgaço
www.hotelmonteprado.pt
Hotel Castrum Villae – Castro Laboreiro
www.hotelcastrumvillae.pt
Parque de Campismo de Lamas de Mouro
www.monteslaboreiro.pt/camping.html
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