Os passadiços de madeira que vemos espalhados pela nossa costa são uma solução eficaz para preservar o cordão dunar que é composto por habitats ricos que necessitam de ser preservados. Estas estruturas são o piso usado para percorrer parte da rota do Atlântico, sendo que o troço entre Valadares e o Senhor da Pedra foi alvo do meu olhar fotográfico. A missão era simples: fotografar a icónica Capela do Senhor da Pedra.
O sol já estava a baixar quando nos fizemos ao caminho. Os pescadores são uma presença notória ao longo da costa, estes usam a última luz do dia para conseguir levar algum rendimento ou simplesmente o jantar fresco para a mesa. No entanto, a pesca e a ação inconsciente dos pescadores está refletida nos areais, como registei no caixote do lixo (provavelmente após alguém ter andado a limpar).
O passadiço ondula ao sabor do frágil cordão dunar, que tenta proteger as populações dos dias agitados que a costa atlântica tem. É comum termos ondulações, designadas por marés vivas, que chegam até à estrada ou que levam os frágeis bares. Este bar parece ter encontrado nas dunas um aliado para a sua preservação. Não nos podemos esquecer que as dunas são a última linha de defesa que temos e que a má gestão da orla costeira só nos está a levar à desgraça!
Uma pequena ribeira a desaguar no oceano leva-nos a sentir que estamos perto do destino e aí percebemos o aproximar de uns patos que só querem aproveitar os últimos raios de sol. As praias ganham uma vida diferente nesta hora do dia.
Estamos quase! A Capela do Senhor da Pedra já se vê ao longe e a floração dos chorões da praia (uma espécie invasora que temos de erradicar) serve de primeiro plano para enquadrar a luz que toca nas ondas desfocadas. O odor da vegetação dunar, conjugada com o mar, cria uma experiência sensorial muito parecida com a que temos quando estamos a comer o nosso prato favorito… está um cheiro intenso a caril no ar!
Mais à frente, a vegetação enquadra a Capela do Senhor da Pedra e é neste momento que temos a primeira visão da estranha construção colocada no cimo das rochas e em pleno oceano. Felizmente, a maré está baixa e é possível ver a estrutura completa das rochas.
A construção da capela remonta ao século XVII e foi erguida em honra de um culto pagão dedicado, provavelmente, a divindades marítimas. O edifício apresenta uma arquitetura única, sendo que está construída em forma de octógono e possui uma porta principal ornamentada, janelas em arco e uma cúpula. Uma das tradições mais conhecidas associadas ao Senhor da Pedra é a Romaria do Senhor da Pedra, que este ano ocorre de 3 a 6 de junho de 2023.
É inegável que a Capela apresenta um misticismo e uma beleza arquitetónica que atrai os fotógrafos. É a representação de que a Natureza e o Homem podem conviver de forma harmoniosa, principalmente se tivermos em conta que uma das lendas da Capela diz respeito aos poderes especiais de proteção contra tempestades e naufrágios. Reza a lenda que a estátua do Senhor da Pedra ganha vida em noites de tempestade de forma a guiar os pescadores em segurança até terra. Na verdade, é uma das várias lendas associadas a este local.
Tudo se alinha quando os últimos raios de sol atingem as várias rochas espalhadas pelo areal. Sempre fui atraído por estas fotografias mais simples e abstratas que não nos dizem nada, mas ao mesmo tempo dizem tudo: são o primeiro ato da peça que é o pôr do sol! Não uso a palavra abstrata no contexto de não sabermos o que é, mas sim no contexto de não sabermos onde é. Podemos tirar esta fotografia em qualquer praia por este mundo fora e é nesse mistério que reside a minha atracão por este tipo de fotografias.
A hora chegou! O forte amarelo dá lugar ao rosa ténue de um pôr do sol sem praticamente nenhuma nuvem para “agarrar” a luz, no entanto a neblina apareceu e criou uma atmosfera mágica que ligou os vários elementos da fotografia que queria captar. Em primeiro plano, as rochas captam a última luz intensa e criam uma leading line até ao plano do meio, que é constituído pelo rebentar das ondas. As luzes captadas pela água transportam-nos para o plano de fundo, onde temos o ponto mais importante desta fotografia: a Capela do Senhor da Pedra. As transições entre as camadas de cor no céu ajudam a criar uma harmonia e uma sensação de calma que só pode ser transmitida durante o pôr do sol.
A Capela do Senhor da Pedra é muito usada para criar as mais diversas fotografias e, por isso, já constitui um cliché na fotografia de paisagem em Portugal. Ainda assim, os clichés também existem para ser fotografados. Acredito que há composições que ainda não foram exploradas e por isso tenciono voltar a este local para fotografar a Capela nos mais variados ambientes.
Podem seguir as caminhadas e experiências fotográficas do Guilherme no seu blog, Raw Traveller, e no instagram.
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