O Tempo físico é a passagem dos dias. E a contagem dos dias é a forma de o mundo se organizar. Os gregos antigos lembraram-se de homenagear Reia, a mãe de alguns Deuses do Olimpo, com um dia específico, o Dia da Mãe.

"Dia da Mãe é todos os dias". Talvez porque existem os outros dias, sem nome, com tanto ou mais significado do que um dia com nome de progenitora. E não sabemos bem como chamar aos dias sem apelido. Chamemos-lhe, neste caso, "o dia em que agarrei na minha mãe, fizemos cinco horas de viagem, e fomos a um concerto da fadista Carminho". A voz da Carminho sabe a pão com azeitonas, a lasanha de vegetais e a um nobre ofício, o de encantar. Tudo coisas que a minha mãe gosta. Já passaram alguns anos desde esse dia e ainda não o esqueci.

Não está nos planos do Tempo marcar-me em dias específicos. Mas está nos meus planos que a passagem do Tempo não fissure memórias e experiências com a minha mãe. Sei que o Tempo passa porque hoje existem mais rugas em mim do que quando a minha mãe olhou para mim nesse concerto. Os dias mutam a nossa pele. E isso vê-se nos espelhos, no dia da mãe e em todos os outros dias. "Dia da Mãe é todos os dias". Talvez porque não se note o passar do Tempo nas coisas imutáveis - no amor de mãe, por exemplo. Mas ele existe, na invisibilidade de todos os dias. O amor de mãe não enruga. Opera diariamente a pele do coração no sentido de a manter igual ao antes de ser pele. O único amor direto que existe antes do nosso primeiro dia é o amor de mãe. Até ao Para Sempre. E se o Para Sempre se serve do Tempo, então eu uso-o todo para gostar da minha mãe. Usei, até, o antes do Tempo de existir, ainda dentro.

Crónica: Para a minha mãe, com Tempo e sem adjetivo
créditos: Mal Parado

Parece que ainda me lembro do volume da música "Estrela", que escutámos naquele dia. A letra desta canção está cheia de adjetivos. Há adjetivos que parecem exagerados para algumas situações. E há momentos em que não existe um só adjetivo que classifique mãe. Então, fico ali numa espécie de sala de espera do adjetivo certo. E é para isso que servem os concertos onde levo a minha mãe: para os adjetivos caírem perto de mim e dela. E para o Tempo fazer sentido.