"Esperemos que tenhamos causado uma boa impressão", afirmava Anders Lassenius, o comandante do Götheborg, pouco depois do navio sueco saudar a Torre de Belém com uma salva de tiros de canhão.
Ainda que sem as multidões da sua recente passagem por Londres, o veleiro não deixou de passar despercebido a quem passava ou trabalhava no Tejo esta segunda-feira de manhã. O estrondo dos canhões (sem balas reais, claro) e a sua tripulação trajada à moda do século XVIII desviaram olhares e ouvidos.
Trata-se do maior veleiro de madeira do mundo e a sua construção destaca-o mesmo no horizonte. Sem cola, pregos ou guinchos elétricos (exceto um, para emergências), o navio exige uma vasta extensão de cordas para o manter inteiro e tornar manobrável o seu conjunto habitual de 18 velas. O emaranhado à volta dos três mastros é tal que, à distância e com as velas recolhidas (o navio entrou em Lisboa com propulsão própria), parece criar uma espécie de teia de aranha em alto-mar.
O SAPO Viagens acompanhou a sua chegada a Lisboa, pela primeira vez desde que entrou ao serviço em 2005, a bordo de uma pequena embarcação alugada pela empresa proprietária do veleiro. Depois de passar debaixo da ponte 25 de Abril, o Götheborg atracou, com muita cautela para não danificar o casco de madeira, no Cais Rocha Conde de Óbidos, em Alcântara, pouco passava das 11h. É lá que poderá ser visitado nos próximos dias pelo público até voltar a zarpar, esta sexta-feira. Os bilhetes custam entre 7,5€ (crianças) e 15€ (adultos) e podem ser comprados na internet.
Para o comandante Anders Lassenius, o principal interesse de uma visita está na oportunidade de ver um navio do século XVIII realmente em uso. "Somos uma réplica, por isso temos coisas modernas, mas o leme, por exemplo, usa cordas feitas de pele de alce, da maneira como faziam há 300 anos", diz empolgado. "Podem ver um navio histórico que não é só uma peça de exposição, está em uso no dia-a-dia, e podem conhecer pessoas que sabem como manobrá-lo e querem partilhar essa aprendizagem", acrescenta.
Lassenius só tinha estado previamente em Lisboa como convidado de outro conhecido veleiro, o Santa Maria Manuela, e é comandante do Götheborg há pouco mais de duas semanas, apesar de uma longa carreira passada no mar, sobretudo no transporte de mercadorias. "É absolutamente mais divertido navegar um navio como este", garante, apesar das cautelas a que obriga. "Temos de ser um pouco mais cautelosos em relação às condições, porque o aço é muito mais forte, e nunca queremos ser surpreendidos pela meteorologia", explica.
Um português a bordo e a mesa de voto mais original da Suécia
O vestuário tradicional (envergado à chegada a um novo porto) já dava uma pista sobre a curiosa personalidade histórica deste navio, mas não foi a última. Reunida no convés, a tripulação entoou um antigo cântico marítimo, usado ao longo de séculos por marinheiros durante a realização de tarefas repetitivas, para saudar os visitantes reunidos no cais.
Quando subimos a bordo, a azáfama ainda era grande. A par dos 20 elementos da tripulação, seguem viagem à volta de 50 pessoas de todas as idades e contextos profissionais que pagam pela oportunidade de aprender a manejar um veleiro em alto-mar. Entre estes, encontrámos o Diogo Onofre, de 18 anos, que se juntou à expedição na sua escala anterior, em Bremerhaven, na Alemanha. Passou as duas últimas semanas a dormir numa rede e a fazer turnos diários de 4 horas de trabalho. "É algo muito diferente do nosso dia-a-dia", começa por dizer, para acrescentar, com visível entusiasmo, que "era mesmo isto que eu queria, uma aventura diferente".
Sobre a vida a bordo, o jovem de Telheiras destaca o espírito de camaradagem, reforçado pelo hábito sueco de fazer frequentes pausas para lanchar (conhecido como fika), e a cultura marítima dos seus companheiros de viagem. "Os suecos têm uma educação diferente", afirma. "Das pessoas com quem falei mais, muitos frequentaram navios-escola ou passaram meses num barco no meio do oceano, muitos deles já tinham passado o Atlântico", conta.
Em relação à sua cidade-natal, diz que foi maravilhoso ver Lisboa de uma perspetiva nova. "Já tinha andado no rio, mas é realmente diferente num barco assim, dá para ver tudo. Até consigo perceber que afinal não sei assim tanto de Lisboa, apesar de ser de Telheiras." A sua experiência no Götheborg, todavia, só termina no final da semana, quando o navio partir rumo a Málaga. "Não fazia mal ficar aqui mais um bocadinho, não ficava nada triste", garante.
Na segunda-feira à tarde, só faltava à tripulação do Götheborg cumprir mais um dever: votar. As eleições legislativas da Suécia realizam-se no domingo, pelo que Lisboa é a última oportunidade para quem segue a bordo poder votar antecipadamente.
Um embaixador da Suécia no mundo
O veleiro é uma homenagem técnica e histórica ao navio com o mesmo nome que veio a simbolizar o sentido empreendedor e pragmático dos suecos. O primeiro Götheborg afundou ao largo da cidade que lhe deu o nome, Gotemburgo, em 1745. A sua descoberta debaixo de água, nos anos 80, inspirou um movimento para apoiar a construção de uma réplica, que pudesse representar a cidade, e a Suécia, pelo mundo.
E é isso que o navio se encontra a fazer de momento, ao repetir a rota comercial usada no século XVIII para chegar ao continente asiático, agora ao serviço da Greencarrier, uma empresa sueca de logísticas. Para o seu proprietário, Stefan Björk, que assistiu em Belém à sua chegada, o Götheborg é um símbolo sueco do espírito de cooperação que merece ser visitado por onde passa.
Até ao final do ano, o Götheborg passa o inverno no Mediterrâneo. Só depois segue rumo ao objetivo final da longa expedição de dois anos: Xangai.
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