A partida marcou logo o  modo como tinha de ser encarada: man-man, que traduzido do cantonense quer dizer, devagar, calma. Paciência, muita paciência. Ou a visita não era à China…
 Nada estava marcado. Só a viagem de barco a partir de Macau até Cantão.
 Um livro a servir de guia e nada mais.

Old China
créditos: Andarilho.pt

Há uma década que a China estava a implementar o lema: um regime, dois sistemas e dava os primeiros passos no turismo. As viagens pela China eram uma aventura, com permanentes improvisos e aprendizagens.

A partida foi no Porto Interior de Macau. Devíamos ter chegado uma hora antes. Foi em cima da hora. Carro mal estacionado e corrida para o barco.
 Fomos os últimos a entrar e segundos depois a embarcação partia. Ao princípio da noite.

Por gestos ficámos a saber o nosso quarto. Estava ocupado. Alguns homens sentados na cama a conversar e outro em pé.
 O empregado do barco mandou-os para a rua e também ele foi embora.

O quarto era para esquecer. Tinha um cubículo (numa versão otimista seria o wc), a cama coberta de roupa encardida, uma mesa e candeeiros. A estrutura de metal já tinha conhecido a tinta há muitos anos.

Deitámo-nos vestidos e pouco dormimos. O barco fazia imenso barulho.

A viagem pelo delta do Rio das Pérolas demorou toda a noite. Com muitos abanões e ruído do motor.
 Na altura não havia estradas que permitissem uma viagem rápida.  Nem barcos turbo.
 O mais trivial era o barco que fazia a travessia durante a noite.

Cantão


A chegada a Cantão (Guangzhou) foi bem cedo. Por volta das 6 da manhã, mas a fronteira só abria às 7h.

Improvisámos o pequeno almoço.  Bolachas e chá, a bebida indicada devido à água fervida.

A hora de espera dentro do barco foi estranha. Parecia um centro logístico de distribuição. 
Alguns passageiros aguardavam encostados a um dos extremos da embarcação. A maior parte a preparar a bagagem para a saída. Eram dezenas de sacos de plástico enormes, frigoríficos, aparelhos de televisão, alta fidelidade... Era habitual irem às compras a Macau ou Hong Kong, onde encontravam este tipo de produtos e depois seguiam de barco para a China.
 Por momentos pensei que seria para utilizarem nas suas casas.
 Mais tarde, em outras visitas à China, fiquei mais convencido de que os aparelhos eram para o comércio paralelo.

Foi fácil atravessar a fronteira. Foi pouca a burocracia porque os vistos tinham sido obtidos em Macau.

Devido à proximidade com Macau e Hong Kong (está a 120 km), Cantão é uma das cidades mais desenvolvidas da China. Também das mais populosas.

 Há pouco mais de três décadas, em 1988, o ambiente era calmo.

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Parque Yuexiu créditos: Andarilho.pt

Os chineses (aqui são maioritariamente de etnia Han) comungavam de uma outra característica: são muito curiosos. 

Olhavam com atenção para nós durante bastante tempo. Depois, caso estivessem acompanhados, trocavam comentários e concluíam a nossa avaliação com uma riso efusivo.

Muitos dos habitantes de Cantão já teriam tido contactos com ocidentais. Por isso, o interesse ficava por aqui. Nesta altura, em outras regiões, a curiosidade não se limitava ao olhar. Tocavam, mexiam  na roupa, na nossa pele, nos cabelos. Desesperavam em particular as mulheres louras porque eram as mais assediadas pela curiosidade dos chineses que só era saciada com o toque das mãos. Muitos deles nunca tinham visto cabelo louro. 
Tivemos uma experiência relativamente semelhante em Zhengzhou.

A chuva ligeira foi o maior incómodo em Cantão.
 Percorremos várias ruas da cidade. Espaços públicos verdes e avenidas largas. 

O principal meio de transporte era a bicicleta. Havia também muitas motorizadas, carros e camiões mas o trânsito não provocava longas filas. Nem se sentia muito a poluição.  Uma das visitas foi ao parque Yuexiu. Um amplo espaço verde com a estátua dos cinco Goats. 
Como chegámos cedo ainda havia locais a fazerem Tai Chi no parque e em várias ruas com espaços verdes.

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Sun Yat-sen Memorial Hall créditos: Andarilho.pt

Um outro local de visita obrigatória é o Sun Yat-Sen Memorial Hall. 
O jardim era muito bem cuidado.
 Em frente impunha-se o edifício principal com várias dezenas de metros de altura e de arquitetura tipicamente chinesa. 
Foi construído em 1929 e restaurado uma década depois da nossa visita, em 1998.

Sun Yat-Sen é uma referência para os chineses. Uma das principais figuras do séc. XX e é considerado  o “pai” da China republicana. Em Macau também existe uma  casa memorial que evoca a passagem de Sun Yat-Sen pelo território.
 No interior do memorial, em Cantão, estavam expostos objectos e correspondência de Sun Yat-Sen.

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Templo Chen créditos: Andarilho.pt

Com o dia enevoado, um ambiente sereno e pessoas a queimarem pivetes de incenso no templo da família  Chen, entramos num outro mundo.

 A escrita chinesa, os rituais, as inscrições… não entendemos nada das mensagens que estão no pagode mas compreendemos o sentido. Ofertas, dedicação, lembrança, proteção.
 São estes alguns dos motivos que levam as pessoas, com ar humilde e muito concentrado, a ajoelharem-se em frente do altar.

O fumo e as cores – com os dourados fortes e o vermelho dominante – ajudam a criar um ambiente de recolhimento.

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Templo Six Banyan Trees créditos: Andarilho.pt

O templo dos Six Banyan Trees 
é diferente
. O ambiente não é só de recolhimento.
 Tem a espetacularidade da arquitetura do pagode budista.
 O edifício mais alto, o Hua (Flower) pagode, tem nove pisos e as cores predominantes são o vermelho e branco.

O templo é muito antigo.
 A última reconstrução data do início do séc. XX e é um dos locais preferidos para os chineses queimarem os pivetes no ano novo chinês e no festival das lanternas.
 Tal como em muitos outros lugares da China, os locais acreditam que este ritual lhes dá sorte.
 No interior estão algumas relíquias budistas e dois enormes budas feitos em cobre.

Como arranjar bilhete de avião

Viajar na China em 1988 implicava muitas surpresas e uma aprendizagem rápida. Praticamente não havia meios de transporte rápidos para viagens de longa distância. Só o avião. Não dava para improvisar, para viajar à deriva (e mesmo com os bilhetes comprados com antecedência...).

A primeira experiência foi logo em Cantão. 
O sistema era muito confuso.
 Fazer reservas por telefone era impossível. Além do problema da língua, a capacidade de resposta era quase nula.
 Das duas, uma. Ou na delegação da CAAC, China International Airlines Company,  (três meses depois, por decisão governamental, a companhia foi dividida em várias empresas) ou diretamente no aeroporto. Aqui, a coisa era divertida….
De manhã cedo perguntava-se pela disponibilidade. 
Sim, havia bilhete mas não vendiam Só duas horas antes da hora prevista de partida. Como o voo era às 16h, tínhamos de estar às 14h no guichet para se comprar o ingresso.
 Era o primeiro da fila, muito antes das 14h.
 No entanto, quando da reabertura, já não havia bilhetes. Porquê? Como não havia? Claro que eles não entendiam nada. Mas o tom de voz mais alto dava para perceber a minha irritação. O resultado era o mesmo. Viravam costas.
 Mais horas de espera, por vezes adiamento para o dia seguinte e sem termos a certeza de conseguir bilhete.

Esta situação repetiu-se. 
Mudei de estratégia.
 Logo no primeiro contacto insistia para verem o passaporte. 
Não é preciso, apontavam para o relógio, mais tarde… Não, vê se está ok. Empurrava o passaporte para a mão deles. No interior estavam notas de dólares.
 Comecei a ter bilhetes.

Guilin


Devido a estes contratempo só chegámos a Guilin ao princípio da noite do dia seguinte.

A chuva foi de novo a nossa anfitriã. Nevoeiro, temperatura baixa, casas de madeira em ruas escuras e com lama.
 Poucas pessoas falavam inglês.
 Meio perdidos, sem qualquer referência e de noite, o nosso salvador foi um jovem. 
Pertencia a uma organização local e ajudava os estrangeiros. Sugeriu-nos o Guilin Osmanthus Hotel  com a recomendação de pedirmos um quarto na parte mais moderna. O preço é o mesmo e as condições são melhores. Assim foi.
 Com a companhia do jovem resolvemos o problema da primeira noite.

Esta parte da história não termina sem um pormenor de que me envergonho.
 Não fazia a mais pequena ideia do valor das notas e moedas. O Renminbi (dinheiro do povo) era dividido em yuans. Tinha vários no bolso. Tirei uma ou duas moedas, ofereci ao jovem.
 Os empregados do hotel sorriram, o jovem foi embora, talvez desolado e com razão.
 Mais tarde percebi que a gorjeta foi uma insignificância, ofensiva.

Porque era tarde e com a experiência do percurso pelas ruas de Guilin à procura de um hotel já não saímos nessa noite.
 Jantar e preparar o rumo seguinte: a descida no rio Li até  Yahngshuo.

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Descida do rio Li créditos: Andarilho.pt

Muitos anos depois, e com alguma frequência, ainda me lembro desta viagem de barco.

Memórias que nos fazem balançar entre a agitação das grandes urbes, o cosmopolitismo e a vida simples e calma desta gente.

O barco estava quase cheio. A entrada foi num cais de madeira. A embarcação transportava cerca de 30 passageiros.
Na mesa onde almoçámos tivemos a companhia de um casal de Taiwan. Vivia-se uma época de tentativa de reconciliação, de diálogo entre a China “mãe” e a ilha desavinda.
 Neste ambiente de abertura, alguns habitantes de Taiwan  viajavam até à China, por Hong Kong. 
À descoberta de ramos familiares e das origens. No caso dos nossos vizinhos aproveitavam a oportunidade para conhecerem um dos destinos mais famosos do sul da China.

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Vendedores no cais do rio Li créditos: Andarilho.pt

A descida do rio Li é de facto fantástica. São pouco mais de 60 km entre Guilin e Yahngshuo e a viagem demorou cerca de cinco horas.

No cais de entrada surgiram vendedores de quinquilharias e fruta. Seguiam em em jangadas de bambu. 
No percurso verifica-se que este tipo de transporte é usual. Por vezes são pescadores.
 Noutros casos, alguém que transporta vegetais.

Um pouco mais à frente, na beira do rio, uma mulher lavava alguns produtos agrícolas.
 Espaçadamente, noutros espaços, vemos pessoas e animais trabalhar o campo. Um ambiente natural, pouco alterado pelo Homem. Num silêncio enorme, tal como a linha de vista.

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Descida do rio Li créditos: Andarilho.pt

Na parte inicial, o rio alonga-se por zonas mais planas. 
Uma casa, lá longe, com a estrela dourada. 
O edifício está degradado. Talvez abandonado. 

Uns quilómetros mais à frente o rio estreita entre montanhas íngremes. São torres de calcário. 
Umas isoladas, outras em forma de cordilheira. Não se percebe bem a definição das cordilheiras.

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Descida do rio Li créditos: Andarilho.pt

Umas atrás das outras e o nevoeiro torna indefinido o recorte.

 Ao final da manhã o céu ganhou novas cores. Em contraposição ao verde que sobe os montes salpicado do branco do calcário.

 O almoço foi peixe fresco, pescado durante a viagem. 
Uma refeição breve. 
Os sentidos estavam focados no rio Li e nas montanhas. Num caminho lateral, estreito, os turistas procuram as melhores perspetivas. 
Para registarem a paisagem.

Na verdade, não é preciso. É inesquecível.

Yangshuo

A chegada a Yangshuo foi a meio da tarde.
 Chuviscava e a prioridade era encontrar alojamento. 
Yangshuo era uma pequena povoação. Com casas antigas e algumas ruas estreitas.
 Na via principal, a west street, letreiros em mandarim e em inglês anunciavam pequenos hostels ou quartos.
 Não tinham grande aspeto. Dava para perceber que Yangshuo era preferida por mochileiros.
 Segundo as notícias, a culpa foi do Lonely Planet.

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West Street créditos: Andarilho.pt

No final da rua um homem indicou-nos um local, rodeado por um muro e com uma grande porta de madeira.
 Fomos atendidos por uma mulher, levou-nos para uma pequena casa e deixou um bilhete com o preço.
 Nunca mais a vimos.
 No dia seguinte, como não aparecia, deixámos o dinheiro e fizemos o “check out”.

No interior da casa estava uma cama grande, com roupa limpa e no teto um enorme mosqueteiro. Ao lado uma mesa com uma máquina de ferver água e duas chávenas. Fixe, dava para fazer chá.

Voltámos de novo ao centro da povoação. 
Fizemos mais uma vez o percurso pela west street frequentada por vários jovens ocidentais. A passear ou às compras nas tendas de rua.

De seguida fomos ao cais.
 Apenas o som da água a correr por uma pequena cascata. Nada mais.
 Lá em baixo, junto à berma do rio, um homem com alguma idade, depenava um frango. Estava com as pernas dobradas, uma posição tipicamente chinesa.
 Com o corpo ligeiramente curvo, colocava o frango dentro de água.
 A corrente ajudava a limpar as penas. Poucos segundos depois retirava o animal, voltava a depenar.
 Mais um pouco… com calma, com toda a paciência deste mundo, a paciência de chinês.

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Yangshuo créditos: Andarilho.pt

Regressados ao centro, o caminho foi feito por uma via com vista para um lago. 

Do outro lado, algumas casas de um ou dois pisos refletiam-se na água. 
Atrás, as formações de calcário que circundam a cidade. Como se fossem um anel protetor. 

Pelo caminho fizemos compras para o jantar e pequeno almoço.

A manhã começou com o novo hábito alimentar: chá e bolachas, mais fruta. O rumo era a paragem das camionetas. 
Foi este o meio escolhido para o regresso a Guilin.

 Junto à paragem, depois de comprar os bilhetes, tiro uma fotografia a uma criança. A mãe, toda sorridente, depois do click veio ter comigo de mão estendida a exigir uma contrapartida monetária.

Apesar da presença frequente de estrangeiros os locais não perderam a sua tradicional curiosidade.  
Ao longo da viagem até foi aumentando com os que iam entrando. Descaradamente olhavam para nós, falavam entre eles e davam sonoras gargalhadas. Porquê vai-se lá saber…

A viagem foi num autocarro de transporte local. Hoje há várias ligações por dia. Não era o caso na altura. Só a velha camioneta que fugia da estrada principal e percorria várias localidades do interior. 
Muitos camiões atrasavam a viagem.
 Era também frequente ver side-cars e bicicletas. Principalmente nas proximidades de Guilin.

As camionetas e os camiões têm correntes entre os rodados. Para evitar atropelamentos na eventualidade de um choque com bicicletas. A distância são 65 Km mas só chegámos a  Guilin cerca de três horas depois.

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Aeroporto de Guilin créditos: Andarilho.pt

No dia seguinte nova saga no aeroporto. Quase todo o dia.

 O destino era Xian.
 Só através da técnica do passaporte conseguimos bilhete. Já era de noite.

A nossa companhia no avião era uma norte-americana. Uma agente de viagens nos EUA e tinha sido convidada pelo governo da China para estimular o turismo e conceber programas de viagens.

 Ela estava desconcertada. Como pode esta gente angariar turismo com alguma qualidade com esta desorganização! Nem os contactos prometidos pelo governo aparecem! No aeroporto de Guilin ficou de ser recebida por um agente de turismo oficial. Esperou horas e nada. Teve de se desenrascar e só no hotel, muito tempo depois, foi abordada por um homem que lhe pediu imensas desculpas. Já numa outra cidade tinha sucedido o mesmo. Agora estava para ver o que se ia passar em Xian.

Xian


Foi a norte-americana que nos recomendou (pelo mesmo valor que lhe tinham vendido) o People’s Hotel. Hoje, totalmente reformulado, pertence a uma cadeia internacional e é o Sofitel Legend Peoples Grand Hotel Xian.
 Foi construído no tempo da amizade  entre chineses e russos.

O hotel tinha uma arquitetura sino-soviética, com traços franceses.
 A fachada, de seis andares, é em pedra, com largas colunas e uma entrada sumptuosa.
 A rececionista informou-nos que estavam praticamente lotados e só tinham livre uma suite. 
Sem volta a dar, tivemos de aceitar.
 Fomos para o terceiro ou quarto piso. 
O hotel estava sem ninguém e a nossa suite tinha o teto cheio de humidade e o reboco a cair!
 Depois de uma queixa e de nova insistência, mudaram-nos para outra suite.
 Quarto alcatifado, uma cama normal e uma sala mais pequena ao lado com mobiliário normal. Era esta a suite.

Talvez ainda não fossem dez da noite, decidimos jantar no hotel.
 A esta hora só no restaurante do piso “x”.
 Tivemos de dar uma enorme volta e o restaurante era junto de uma pista de dança.
 O menu restringia-se a um ou dois pratos. Demoraram uma eternidade. Não havia mais clientes. Na pista de dança duas chinesas, com vestidos brilhantes colados ao corpo, faziam-nos companhia.

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Olaria créditos: Andarilho.pt

No dia seguinte vimos a norte-americana passar no hall do hotel sorridente e acompanhada de outra pessoa. Afinal, as coisas já estavam a correr bem.

 Nós fomos com um guia fazer uma visita a Xian.
 O destino era o museu dos guerreiros de terracota, a 35 km de distância.

Pelo caminho fizeram uma paragem numa olaria. Para ver os artesãos a trabalhar a terracota. Uma massa argilosa que, no caso da zona de Xian, em vez do alaranjado natural tem uma cor cinzenta escura, semelhante à coloração que foi dada aos guerreiros.

 Pequenas olarias que trabalhavam de forma rudimentar. Abasteciam o pequeno comércio da cidade em particular para os turistas.

 Os artesãos produziam muitas réplicas de moedas antigas e de estátuas dos guerreiros de Qin Shi Huang, o primeiro imperador da China.

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Guerreiros de Terracota créditos: Andarilho.pt

O mausoléu do primeiro imperador Qin  e o pavilhão com os milhares de guerreiros é imponente.

 É o postal ilustrado de Xian e uma das principais atracções turísticas da China.
O sitio arqueológico está classificado como património mundial da humanidade pela UNESCO.

É fascinante  entrar no pavilhão e dar de frente com as cerca de seis mil estátuas. 
Todas alinhadas, nas valas, e rodeadas de terra.

 Olham de frente para quem entra. Como se estivessem vigilantes. A cumprir a função original, proteger o imperador, cujo mausoléu se encontra a pouco mais de um quilómetro.
 As estátuas são de guerreiros, cavalos e carruagens.

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Museu créditos: Andarilho.pt

Ao lado, há um museu onde alguns destes materiais podem ser vistos em detalhe e com uma breve descrição.

No exterior, no acesso ao pavilhão, havia uma rua larga, cheia de vendedores ambulantes.

A nossa visita começou a meio da manhã. Pouca gente. Eu levava uma câmara de filmar Panasonic NV-M5 (vejo agora que já faz parte dos museus) e que era enorme e "um chumbo". 
Coloquei a câmara no ombro e fui avisado pelo guia de que era proibido filmar ou fotografar. Minutos depois chegou uma excursão de japoneses. 
Não pararam de tirar fotografias. Ninguém disse nada.
 Se eles podiam, porque não eu?!  
Filmei e fotografei.

Após  o almoço visitámos a Small Wild Goose Pagoda onde está o pagode budista. É enorme e está rodeado de um belo jardim.

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Mercado de rua créditos: Andarilho.pt

Esta área estava muito bem cuidada. Permite uma boa caminhada. No alto está o Museu de Xian.

Tinha aberto ao público um ano antes e nada se compara com a estrutura moderna dos dias de hoje.

Várias peças em exibição e, quase no final, um esqueleto humano muito antigo. Mesmo muito antigo. 
Coloquei a câmara no ombro, premi o botão de “record” e ouço um grito. Parei de imediato. Um polícia, vigilante do museu, veio a correr. 

Tirou-me a câmara, foi para o exterior do edifício. Eu atrás dele. Entrou pela porta principal e foi para uma casota com uma porta de vidro. Estava lá outro guarda.
 Falou, falou, em voz alta. Eu não percebia nada.

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Jardim próximo do museu créditos: Andarilho.pt

Colocou a Panasonic em cima de uma mesa e queria ver a filmagem.

Cada vez que se aproximava do óculo eu baixava-o.
 Ele levantava. Eu baixava.
 Ele insistia, eu batia-lhe na mão e o óculo vinha de novo para baixo.
 Estivemos nisto uma série de tempo.
 Cada um mais exaltado que o outro.
 Ele desistiu.
 A fase seguinte foi a multa. Preencheu um papel picotado e mostrou.
 Eu gesticulei que não. Não tinha dinheiro. Tirei a carteira, mostrei, pouco havia. Dei-lhe para a mão.
 O colega bateu-lhe na perna para ele aceitar. Mas recusou.
 Queria o valor completo. 
Apontava para os números que tinha escrito. Mas eu não tinha mais dinheiro…
 A cena já levava alguns minutos.

Apareceu o guia e perguntou o que se passava. Expliquei que não tinha filmado, não sabia que era proibido e que o homem me queria multar.
 Ele falou depois com o guarda e aconselhou-me a pagar.


 Ok, eu pago, mas ele tem de preencher o mesmo valor da multa na outra parte do picotado. A que fica no livro. O guia insistiu: pague.
 Lá tive de tirar a bolsa pendurada ao pescoço e pagar.

Na porta de saída do Museu o guarda foi  ter com o guia e tiveram um breve dialogo. Só percebi o nome do hotel “Renmin”.
 Pouco depois, no exterior, perguntei ao guia porque tinha citado o nome do hotel.
 A resposta dele foi clara: ele perguntou e eu tive de responder. Ele acha que perdeu a face e eu aconselho-vos a saírem o mais rapidamente possível de Xian. Oops!

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Calças para crianças créditos: Andarilho.pt

Na viagem de regresso ao hotel refletimos sobre a ameaça e levámos o caso a sério. 
Ouvimos várias histórias sobre a reação dos chineses quando sentem que perderam a face.

OK, está decidido. Termina a estadia em Xian e vamos para Pequim.
 No hotel deram a direção do escritório da CAAC, onde ainda conseguimos ir ao final da tarde.
 Voos esgotados para Pequim. Comboio era impossível.
 A única alternativa era ir de avião até Zhengzhou e depois seguir viagem de comboio.  
Assim foi.

 Táxi de novo para o hotel. Não saímos da suite e trocamos a cassete VHS. 

Reservámos um táxi para o dia seguinte. A partida era bem cedo.

Na manhã seguinte outra novidade quando do check outTem a pagar 3 coca-colas e um pacote de snacks, diz a senhora do outro lado do balcão.
 Não, deve ser engano. Não consumimos nada do frigorífico.
 De novo ela: mas é o que tenho aqui registado, tem de pagar.
 Passei-me.
 O hotel do povo coloca-nos numa suite porque estava cheio … de ar.
 Serviços maus que nem jantar decente serviam e agora pagas o que não consumiste!
 O diálogo não passava disto. Não. Não pago. Mas tem de pagar. 
Novo argumento, com a voz já exaltada. Olhe. São seis e pouco da manhã. Eu não pago e vou pôr-me os berros e acordo toda a gente. No meio da discussão, que já estava a ficar agitada, apareceu um homem na recepção. Expliquei mais uma vez., que não tinha havido o consumo desses produtos. Ok, vamos então resolver o problema. Você escreve que não consumiu e assina. O problema fica resolvido. E ficou.

No aeroporto havia vacas a pastar na pista. 
Eram meia dúzia, tantos quantos os passageiros do nosso avião.
 Fomos a pé e percorremos ainda uma grande distância. Mandaram-nos parar próximo do aparelho. 
Uma porta pequena no exterior do avião, próximo da zona do WC, estava aberta e teimava em não fechar. Minutos depois apareceu um homem de bicicleta. Casaco de cabedal castanho. Também tentou fechar. Uma, duas vezes. Não conseguiu.
 Enfiou um pontapé e cumpriu o objetivo.
 Chamaram os passageiros.
 Os bancos eram de madeira. Por indicação das hospedeiras fomos para a penúltima fila. Os chineses ficaram à frente.
 Atrás de nós as duas hospedeiras adormeceram mal o avião levantou. Só acordaram quando as rodas bateram no chão, na aterragem.

Zhengzhou


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créditos: Andarilho.pt

O voo demorou cerca de duas horas.
 A gare de  Zhengzhou era um barracão de madeira. Nada comparado com o que é hoje.
 Tinha uma senhora muito simpática ao balcão. Dissemos que queríamos ir para Pequim. Respondeu o que já sabíamos. Não havia avião. Só comboio.
 Escreveu num papel, em Mandarim, “queremos ir para Pequim”.
 Chamou o único taxista que estava na praça. O homem não queria fazer o serviço.
 Ela (o nosso anjo salvador!) pediu e ele acedeu.
 O táxi era curtido. Sentado no banco de trás, via o chão, a estrada, debaixo dos meus pés.
Zhengzhou é uma cidade industrial.
 Tinha lido no guia que poucas pessoas falavam ou entendiam inglês. 
O turismo era inexistente, só os apaixonados de artes marciais.

Nova experiência inesquecível.
 Desta vez na gare dos caminhos de ferro.
 
A praça estava repleta de gente. O taxista largou-nos num dos extremos.
 Mal saímos, fomos rodeados por um grupo de pessoas que ia ganhando dimensão. No inicio, a curiosidade limitava-se a um olhar muito próximo. Depois um cerco claustrofóbico. Por último, a mexerem na nossa roupa, no cabelo, nos sacos.
 E. começa a ficar preocupada. Grita para os assustar. De nada valeu. Eles apertavam o cerco e os braços.
 De repente chega a polícia, com uns paus grossos e começa a afastar as pessoas.
 Abrem um corredor e um dos polícias leva-nos para longe da multidão.
 Para um espaço reservado da praça, mesmo em frente da entrada da estação.
 A porta estava fechada. Depois do policia bater à porta apareceu uma mulher. Tipo matrona. Ela não percebeu nada do que pretendíamos. Mostrámos o papel onde estava escrito “queremos ir para Pequim”. Finalmente uma resposta. O dedo apontou para o outro lado. O que queria dizer?
 Não deu oportunidade para clarificar porque fechou de imediato a porta.

Seguimos a direção que ela apontou.
 Meio perdidos não sabíamos muito bem o que fazer. Regressar para o meio da multidão? Era esse o sentido. 
Um outro polícia, daqueles que têm uma farda castanha, veio ter connosco. Outro anjo salvador! 
 Leu o papel e foi o nosso guia.
 Voltámos para o meio da multidão mas, agora eles não se aproximavam. O respeitinho sobrepõe-se à curiosidade.

A área da praça devia corresponder a um campo de futebol.
 Em cada extremo uma estrutura de bambu com um polícia no alto a vigiar.
 No meio da praça, centenas de pessoas. Um exército de esfomeados. Gente que comia e defecava no mesmo sitio. Um homem estava vestido com a pele de um animal. Gente sentada, sem nada, só lixo.
 Eram chineses que vinham do interior rural, muito pobre, para a cidade dos empregos, à procura de trabalho. Não encontravam. Não tinham para onde ir. Não tinham nada. Só lhes restava vegetar por ali.

Old China
créditos: Andarilho.pt

O nosso anjo salvador levou-nos para umas arcadas escuras e com erva seca junto a uma parede.
 Era onde algumas pessoas se deitavam.
 Do outro lado, as bilheteiras. Com filas enormes. Autoridade é autoridade e ele foi para a frente da fila.
 Alguns protestaram mas ele nem respondeu. Segundos depois veio ter connosco, disse qualquer coisa. Devia ser o preço. Tirámos algum dinheiro, colocamos na mão dele. Ele sorriu, contou e pediu mais. Do saco ao pescoço saíram mais umas notas. Confiámos. Também não importava. De qualquer forma ele inspirava confiança.
 Com os dois bilhetes levou-nos de novo para a estação. O mesmo ritual. Bater à porta… a matrona e desta feita convidou-nos a entrar. 
Mil agradecimentos ao polícia e entrámos num outro mundo.
 Uma estação enorme (as imagens de hoje revelam que sofreu uma grande transformação), construção de pedra, quase vazia. Silêncio. Apenas um leve bruá que vinha do exterior.

Numa sala com sofás decorados com uma renda branca, quatro homens conversavam.

Cumprimentaram com um sorriso. Numa mesa um fervedor elétrico com chá e vários copos de vidro.

A noite aproximava-se.
 Ouve-se um comboio. Pouco depois, do lado esquerdo da estação, no exterior, uma correria de passos.
 O som faz lembrar os efeitos sonoros de uma manada de animais num filme de westerns.
 A terra treme.
 São centenas de pessoas a correr para o comboio. A agitação do povo não perturbou a conversa dos quatro homens.
 Eram dirigentes do PC chinês. 
Seguiram viagem no nosso comboio e, dois deles, até foram nossos companheiros na carruagem cama.
 Eram delegados ao Congresso.

A viagem foi durante a noite.
 No corredor passava de vez em quando uma pessoa com um recipiente de esferovite com comida. 
Decidi ir procurar algo para o jantar. 
Havia um vagão com um fogão enorme onde faziam a comida. Todo preto e com a tinta solta. No meio, uma panela enorme que cozinhava lentamente o arroz . 
Os chineses ficaram admirados com a minha presença, depois sorriram. Apontei dois, com os dedos, para as embalagens de esferovite. Moedas na outra mão, eles tiraram algumas e fizeram o gesto de ok. Arroz seco. Melhor do que nada.
 Os delegados ao Congresso leram alguns documentos, tiveram pequenos diálogos e depois deitaram-se. Acordámos ao princípio da manhã a entrar na estação de Pequim.

Beijing

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Vista do hotel créditos: Andarilho.pt

O sol estava a nascer. A estação não tinha muita gente. Um ambiente mais calmo do que esperava.

Pela indicação do guia da CFW Guidebooks optámos pelo Beijing Dong Fang Hotel. Não tem nada a ver com o de hoje. Este é muito mais recente. 
O de 1988 era um edifício de vários andares, com alguns turistas indianos e de qualidade sofrível. 
Um atendimento lento e o pequeno almoço não era fácil. Mesas sujas, pouca comida e o serviço muito lento.

Pequim foi, de certa forma, uma surpresa. Esperava uma cidade mais concentrada, com zonas urbanas renovadas e mais uniforme.
 Nada disso.
Edificios de vários andares definiam as avenidas centrais, que foram concebidas para a possibilidade de aterrarem aviões em caso de guerra  mas, nas ruas traseiras, dominavam casas de dois andares, pobres e ruas em terra batida. Muitos dos edificios eram de comércio tradicional e pequenas oficinas de  carros e bicicletas. 

Nada tem a ver com a Pequim dos últimos anos.

Numa destas lojas compramos um tecido e o pagamento foi feito através de um complexo sistema de fios pendurados no teto onde corria uma mola com o papel da conta que tínhamos de pagar junto à saída. Na rua circulava muita gente com ar rural, poucos com aspeto executivo e um formigueiro de bicicletas por toda a cidade.
 Os poucos vestígios ocidentais eram turistas, o Kentucky Fried Chicken próximo da Praça  Tiananmen e pouco mais.

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Pequim créditos: Andarilho.pt

A Praça Celestial era um lugar calmo. 
Não muito longe, o edifício do Comité Central do Partido Comunista, também não tinha grande agitação e vigilância.

A revolta pro-democracia dos estudantes  em Tianamen foi um ano depois.

A praça, a terceira maior praça pública do mundo, tinha muitas pessoas a passear. 
Famílias com as crianças e outras que deviam estar de passagem. 
Via-se em segundo plano os telhados dos palácios, o longo muro vermelho, e na parte superior do arco da entrada a foto de Mao Zedong. A Cidade Proibida.

A fila para a compra de bilhete era grande. Tivemos de esperar alguns minutos. 
A quase totalidade eram chineses.  
O acesso exclusivo à família imperial e aos seus servidores tinha acabado em 1925.

Agora, todos podiam visitar a Cidade proibida e, nessa altura, também se podia aceder ao interior de muitos pavilhões, até o do trono do imperador, no Palácio da Suprema Harmonia.

Old China
Cidade Proibida créditos: Andarilho.pt

Como a “Cidade Proibida Púrpura” é muito grande, tem mais de 720 mil metros quadrados e quase um milhar de edifícios, a grande quantidade de visitantes não se refletia em grandes concentrações. 
Deu para visitar pavilhões com muito pouca gente, percorrer ruas e jardins sem a confusão habitual dos locais turísticos muito procurados.

Praticamente todos os palácios têm a mesma arquitetura tradicional e apesar dos saques e destruição, no interior destes edifícios era possível ver materiais preservados e de grande valor.
As estátuas nas escadarias, os mosaicos decorados, as paredes de madeira trabalhada e pintadas de vermelho, a decoração dos tetos, as pontes de mármore, os jardins… são elementos que se mantêm até aos dias de hoje e que revelam o modo de vida do Imperador e dos seus servidores e dos rituais que aqui tiveram lugar em quase seis séculos.

Old China
Palácio da Suprema Harmonia créditos: Andarilho.pt

O Palácio da Suprema Harmonia  é um dos lugares mais marcantes.

O edifício é todo em madeira, enorme, o mais alto da Cidade (35,5 metros), com acesso através de uma praça ampla.
 Antes de se chegar ao palácio tem de se subir uma escadaria. 
Ao lado das escadas destacam-se  corredores de mármore que, aparentemente, funcionam como pequenas muralhas protetoras do palácio. Têm estátuas douradas representando dragões.

O lugar onde está o trono imperial, dois metros acima do piso interior, é imponente mas, ao mesmo tempo, sombrio, frio e distante. As colunas com inscrições douradas, as cores de jade e as escadas de mármore quebram a frieza.

Old China
Trono imperial créditos: Andarilho.pt

A Cidade Proibida foi classificada  Património da Humanidade em 1987, um ano antes da nossa visita.

O regresso ao hotel não foi fácil. Dezenas de táxis parados mas nenhum queria fazer o serviço.
 Tivemos de nos colocar num cruzamento com semáforos. Entrar dentro do carro quando um parasse. Assim foi.
 O taxista refilou, refilou  mas acabou por nos conduzir ao hotel. 

Eles têm de atingir um valor para serem remunerados. Como facilmente atingiam esse valor, preferiam parar do que gastar dinheiro em combustível e não receberem mais. Mais tarde, noutras visitas a Pequim, foi-me dito que, entretanto, tinham subido o valor mas o resultado prático era o mesmo.

À noite conseguimos contornar o problema.
 A solução era telefonar para o hotel que eles conseguiam arranjar táxi.

Cansados e já sem paciência para aturar o mau serviço no hotel, a dificuldade das deslocações, os preços inflacionados para turistas…. decidimos adiar a visita à Muralha da China e a Xangai.

Ainda por cima não havia de imediato transporte para estes destinos. 
 Foi uma decisão disparatada mas tinha-se esgotado a famosa "paciência de chinês".

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