Por: João Damião Almeida
Aproveitar o tempo em África para descobrir esta paisagem e a sua fauna é uma das principais atrações de quem visita o continente, e justificadamente. Também nós fizemos questão em conhecer este património, único da região, e não pudemos sair do Quénia sem experimentar os conhecidos safaris. Mesmo com elevadas expetativas, não imaginávamos que pudéssemos explorar a savana e os lagos quenianos de quatro formas tão diferentes.
Safari em jipe 4x4 - Parque nacional do lago Nakuru
O lago Nakuru é um dos lagos do famoso Rift Valley africano, uma zona tectónica de rifte que se estende por todo o Este africano e que inclui as maiores montanhas de África, lagos icónicos e biosfera muito assinalável. Inserido num parque natural e encostado à cidade de Nakuru, este lago ficou celebrizado pelos milhares (por vezes milhões) de flamingos que pintavam as suas margens de cor-de-rosa. Com o aumento do nível da água do lago nos últimos dez anos, a espécie acabou por migrar para outras zonas e a sua presença em Nakuru é hoje residual. Contudo, este parque natural continua a atrair muita gente por ser o lar de girafas, zebras, leões e leopardos, mas também por ser santuário de rinocerontes brancos e pretos (em perigo crítico de extinção).
Acordámos antes do nascer do sol nesse dia, já que nos garantiram que o amanhecer era das alturas do dia em que os animais estavam mais ativos, por fugir à escuridão da noite e ao calor do meio do dia. Ao chegarmos ao parque, pagámos a taxa de entrada, o nosso motorista recuou o teto do jipe e tentámos interiorizar o que nos esperava à medida que passávamos a cancela onde se lia “Está a entrar neste parque por sua conta e risco”.
Acedemos ao parque por sul e conduzimos em direção ao lago, sem pressas, ziguezagueando as estradas de terra à procura de caça. Não demorámos muito a encontrar, junto do nosso caminho, búfalos, impalas, depois javalis e mais à frente zebras, parando sempre demoradamente junto dos animais para os contemplarmos e fotografarmos - ambos demasiado - até eles virarem costas e se afastarem.
De vez em quando, o nosso motorista parava o jipe e pegava nos binóculos antes de decidir que estrada de terra batida tomar. Outras vezes falava pelo walkie-talkie com outros condutores do parque para trocar informações sobre o paradeiro dos mamíferos. De facto, esta rede mostrou-se essencial para nos ir levando pelos melhores troços e permitiu-nos ainda ver várias girafas ao longe e, por três ou quatro vezes, majestosos rinocerontes, caminhando junto ao lago. São mamíferos verdadeiramente imponentes, os maiores apenas atrás dos elefantes e atraíam para junto das suas pegadas muitos pássaros que se deleitavam com os insetos que saíam à superfície, desalojados pela sua passagem.
Já junto do lago, mais próximo da hora de almoço, vimos bandos de flamingos junto à costa e enormes manadas de zebras e búfalos a pastar ou a descansar à sombra. No regresso, conseguimos reparar numa cauda de felino por entre a vegetação. Detivemo-nos imediatamente e permanecemos imóveis durante quase meia hora, de pé no carro espreitando sobre o tejadilho e trocando entre nós os binóculos, à espera de ver melhor a leoa e as duas crias que ali descansavam, a cinquenta metros de nós.
Safari de bicicleta - Parque Nacional de Hell’s Gate
Apesar do nome (“Portão do Inferno”) sugerido pela atividade geotérmica deste parque, Hell’s Gate está mais bem próximo do paraíso. Um parque natural que se estende por setenta quilómetros quadrados e que inclui desfiladeiros de dezenas de quilómetros, vulcões extintos, pradarias a perder de vista, cascatas de água aquecida e grutas obsidianas, terá sido a fonte de inspiração da Walt Disney na criação das paisagens de "O Rei Leão".
Mas um dos aspetos mais atrativos de quem visita este parque à procura de uma experiência de safari diferente emana das características da fauna local. Incluindo muitos dos mamíferos a que a savana africana nos habituou - como búfalos, girafas e zebras - mas raros predadores, o parque é passível de ser visitado de bicicleta, proporcionando uma imersão e proximidade à natureza especiais.
Alugámos as nossas bicicletas à entrada do parque por 600 KSH (menos de 5 euros) cada, não antes de as escolhermos meticulosamente e confirmarmos o seu estado. Fizemo-nos à estrada era meio-dia e começámos assim quase sete horas de safari.
O primeiro encontro com a fauna local foi o mais inusitado. À entrada do parque, com a fome a apertar e uma longa viagem pela frente, retirámos da mochila um saco de pão para o nosso almoço e logo um babuíno começou a correr na nossa direção com o olhar fixado no objeto seu conhecido. Ainda conseguimos desviar-nos dos sucessivos ataques do símio antes de assumirmos a futilidade da batalha e entregarmos o prémio, derrotados. Teríamos de pedalar duas horas e meia ao sol antes de conseguirmos comida num acampamento de guardas florestais que gentilmente dispensaram três pratos de "Ugali fish", sensibilizados pelo nosso desespero e não sem nos avisarem da possibilidade de nos estarem a oferecer, com a comida, uma intoxicação alimentar.
Mas não foram apenas macacos e peixe que vimos nesse dia. Antes do almoço, passaríamos por paisagens deslumbrantes onde pastavam manadas de búfalos e zebras ou pararíamos na estrada para dar passagem a impalas ou javalis. A certa altura, avistámos uma girafa ao nosso lado, por trás de alguma vegetação, a refastelar-se com a folhagem de um ramo alto. Travámos as bicicletas com estrondo e ficámos a admirá-la, a vinte metros de nós. Começámos a pedalar lentamente pela estrada enquanto ela deixava o seu repasto e começava a andar despreocupada. De repente a girafa passou de passo para trote e virou para a estrada, avançando na direção da nossa passagem a grande velocidade. Travámos de novo e a fundo para a ver galopar, gigante e esbelta, mesmo à nossa frente. Foi surreal.
Da parte da tarde esperavam-nos paisagens muito diferentes e emoções igualmente fortes. Antes de sairmos do parque ainda pudemos passear, desta vez a pé, pelo desfiladeiro de Ol Njorowa (que serviu de cenário ao Tomb Raider de 2001), tomámos banho em cascatas naturais remotas e tivemos um encontro tenso com búfalos, ao anoitecer, que demoraram a desviar-se à nossa passagem enquanto nos observavam intensamente.
Safari de barco - Lago Naivasha
Para visitar Hell's Gate, é obrigatória a passagem pela cidade de Naivasha, a vinte quilómetros. Uma cidade principalmente agrícola, com a população do Porto e à altura do Pico Ruivo, é privilegiada por ser banhada pelo lago Naivasha, o maior lago que o país não partilha.
Não sendo a atração turística mais óbvia do Quénia, o lago Naivasha proporciona uma atmosfera mais selvagem que os outros dois parques naturais até então. É particularmente atrativo para observação de pássaros e hipopótamos e foi também isso que nos levou a decidir incluir a cidade no nosso roteiro.
Apanhámos um Bolt depois de almoço que nos levou até ao Sanctuary Farm Main Gate onde um guarda tentou pedir ao motorista, sem sucesso, uma qualquer taxa de entrada na zona do lago. A paisagem junto ao lago era muito verde, com poucas árvores e algumas zebras a pastar que nem por esta altura nos tínhamos cansado de ver.
Junto ao lago, alugámos um barco para um passeio curto. Vestimos coletes, entrámos para o barco com o condutor e tirámos as máquinas e os binóculos - a partir daqui teríamos o nosso olhar atento na água para "caçar" os hipopótamos.
Tínhamos lido que o lago Naivahsa era pouco profundo e que nos últimos anos o nível da água tinha oscilado bastante, passando por períodos de muita seca e mais recentemente de cheias. De facto, isto era notório pelas margens alagadas, por onde o barco navegava tranquilamente por entre vegetação densa, árvores mortas pelas cheias e barracas abandonadas.
Apesar de (ou talvez porque) a ornitologia não era o nosso forte, o nosso guia ia parando a embarcação para nos apontar os pássaros locais, como águias-pescadoras-africanas ou pelicanos, à procura de pescar tilápias e outros peixes de água doce. Paralelamente, mais próximos da margem, pescadores trabalhavam as suas redes, seminus e ao sol, acompanhando a nossa passagem com um olhar distante.
Devemos ter visto uma dezena de espécies de pássaros novas mas o ex-libris do safari também não tardou. Começou tímido, na forma de bolhas de ar a surgir na água e de ilhéus acastanhados que se mexiam levemente ao ritmo da respiração, mas rapidamente escalou para manadas de uma dezena de hipopótamos, dançando na água ou descansando na margem. Admiro atentamente os comportamentos deles, trago a blackmagic para a luz do dia para os filmar, mas sempre com a preocupação de não chamar a atenção do único macho do grupo. Estar num ambiente e território estranhos, na imponência da presença da espécie de mamíferos mais mortal de todas, só nos pode deixar com o maior respeito por estes “cavalos de água doce”.
Safari de comboio - Tsavo National Park
A linha de comboio que une Nairobi a Mombasa estende-se por quinhentos e setenta e oito quilómetros para unir a capital ao Índico. Construído e operado por uma gigante estatal chinesa, foi o projeto de infraestrutura mais caro da história do país desde a independência. Mas aquilo que torna esta linha, ou a viagem nela, tão especial, é o facto de quem embarca neste comboio, embarcar num verdadeiro safari.
Nestas cinco horas de viagem, o comboio passa junto de quatro parques naturais - áreas enormes de savana africana que constituem um património riquíssimo da biosfera do Quénia - e atravessa nomeadamente o Tsavo Nsational Park, um dos maiores parques naturais do mundo. A paisagem nesta região é em tons de verde e de barro, com a vegetação rasteira a dar lugar a ilhéus de argila, com acáceas ocasionais a povoar a planície e com montes imponentes ao fundo, a furar o teto de nuvens.
Saímos de Nairobi às 15h do dia de Natal, depois de passar uma segurança apertada e contornar vários pedidos de suborno. O comboio estava praticamente lotado - filas de passageiros virados uns para os outros e, por cima deles, o acumular de malas e algumas decorações de Natal. A hora da partida foi essencial para o sucesso da expedição já que, como vimos, é nas alturas de menos calor - leia-se amanhecer e entardecer - que a visibilidade para os safaris escala.
O sol estava próximo do horizonte montanhoso quando um grito de espanto da passageira à nossa frente deu o alerta: o primeiro elefante que via em África. Majestoso, caminhava despreocupado, com as suas grandes orelhas abertas e a tromba relaxada. Tinha tons barrentos que inicialmente estranhei mas que percebi mais tarde dever-se aos banhos de pó de argila vulcânica que ali são comuns entre esta espécie. Este seria o primeiro de vários elefantes vermelhos que encontraríamos e que eram sempre assinalados com uma grande exclamação pelo público menos habituado do comboio. Passámos inclusivamente por um grupo grande deles, que nos explicaram ser de fêmeas e crias, já que os solitários são normalmente machos adultos. Não creio que tenhamos tido especial sorte nos avistamentos já que aqui a concentração de elefantes é particularmente elevada, com registos a apontar números por volta dos 10.000.
Apesar da velocidade elevada do comboio (para o standard africano), ainda nos foi possível ver bem grupos de gazelas e javalis bem como uma longa procissão de zebras e gnus em possível migração.
Chegámos à cidade costeira de Mombaça às 20h. Um bafo quente e tropical cumprimentou-nos logo à saída do comboio. Deixávamos para trás a savana e a montanha, os lagos e a altitude, o cristianismo e as máscaras, para abraçar um novo Quénia.
Projeto Prá frente
O Projeto Prá Frente foi criado por dois jovens engenheiros, com a intenção de conhecer (e partilhar) uma perspetiva completa do Sudeste Africano, focando-se não só no seu património deslumbrante, mas também nas suas pessoas e naquilo que tem para oferecer para o futuro.
Para saber mais siga o Instagram: @projeto_prafrente
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