É nesta serra que se encontra a maior concentração de figuras rupestres do mundo, algo por si só entusiasmante, porém, o maior fascínio recai na variedade dos episódios retratados. Na Serra da Capivara, encontramos registos pré-históricos sobre o quotidiano de quem habituou a terra há mais de 12 mil anos. Se visitar este parque, prepare-se para ver cenas de sexo (incluindo orgias), de partos ou de decapitação, entre tantas outras, como a do amoroso beijo. Há muitas figuras para ver e interpretar que mostram factos curiosos para além das cenas mais habituais – caça e animais.

Onde ver "O beijo" da Serra da Capivara?

  • Sítio Boqueirão da Pedra Furada

Começou a ser escavado na década de 1970, durante a missão franco-brasileira liderada pela arqueóloga Niède Guidon. É um dos sítios mais populares e surpreende pela singular amplitude cronológica que abrange. Pode visitar este lugar à noite.

Os profissionais que nos guiam pela serra, na sua maioria, cresceram nas redondezas, o que os torna grandes contadores de histórias, ao partilharem factos históricos e experiências pessoais. É o caso de Marcelo Ribeiro, 40 anos, que se recorda de “escavar muito” na infância por curiosidade. A curiosidade levou-o a formar-se em antropologia, área em que trabalhou até ao primeiro semestre de 2023, altura que decidiu mudar de profissão e se tornar guia do parque. “As costas já não aguentavam mais”, partilha em tom de brincadeira.

Outro exemplo é Giordanno Macedo, 45 anos, que é hoje técnico de conservação do parque. “Se não fosse o parque da Serra da Capivara estávamos ferrados”, comenta. “Eu trabalhava na roça e estava ferrado porque hoje chove menos”, justifica.

Terá sido há quase 45 anos, no dia 5 de junho de 1979, que se criou o Parque Nacional da Serra da Capivara com o intuito de preservar os vestígios arqueológicos da mais remota presença do homem na América do Sul. Em 1991, o parque passou a integrar a Lista do Património Cultural da Humanidade da UNESCO.

Olhando para a evolução local desde a criação do parque, Giordanno não tem dúvidas: “a qualidade de vida melhorou”. “Hoje tem filhos que já são arqueólogos, guias”, explica, recordando que muitos dos pais até podiam ser analfabetos ou ter baixo nível de escolaridade, o que faz com que a conquista de um diploma seja um motivo maior de orgulho.

Como tantas figuras chegaram até aos nossos dias tão bem preservadas?

Segundo o técnico de conservação, “ninguém (antepassados) tocava nas pinturas rupestres porque acreditavam estarem mal-assombradas”. E, mesmo nos nossos dias, os “avós diziam isso aos filhos”. Giordanno ainda explica que a pouca humidade – aqui o clima é semiárido – “ajuda a conservar a pintura e permite que sejam visitáveis”.

Com uma área de mais ou menos 130 mil hectares, o parque oferece várias opções de passeio, circuitos e trilhos, alguns adaptados para quem tem necessidades especiais. Um dos pontos mais famosos da serra é o Sítio Toca do Boqueirão da Pedra Furada que para além de contar com centenas de pinturas, pode ser visitado à noite, uma experiência diferente que permite ver os trabalhos com mais nitidez devido à iluminação noturna.

As formações rochosas monumentais, como a Pedra Furada, desfiladeiros e miradouros são igualmente motivos para desbravar a serra.

Pedra Furada
Pedra Furada créditos: Nubia Lira

Onde ficar:

Rupestre Eco Lodge, no coração da Caatinga, ao lado da Serra da Capivara.

Contactos:

Morada: Estrada Parque do Baixão das Andorinhas, s/n Povoado da Serra Vermelha, São Raimundo Nonato, Piauí, 64770-000

Tel/Whatsapp: (11) 9. 8507-3811

E-mail: imagensdacaatinga@gmail.com

Qual a melhor altura para a visitar?

Para Giordanno, é entre janeiro e junho. “Em março, tem muitas flores, maracujá do mato (refrescante demais)... até nós estamos felizes nessa altura, não é Marcelo?”, pergunta Giordanno e Marcelo confirma com um sorriso. “A Caatinga” – único bioma exclusivamente brasileiro e onde fica o Parque – “está mais verde”.

A fauna da serra é variada e capaz de fascinar quem vem do continente europeu. Entre as diferentes espécies de mamíferos, destacam-se os macacos-prego, que usam ferramentas de pedra e madeira para obter alimentos, comunicar e defender de ameaças. Se vir um mocó e não conseguir fotografar, não se preocupe, pois verá, com certeza, muitos mais. Este roedor, semelhante à capivara, mas mais pequeno, só existe na Caatinga. A onça-pintada é o grande predador da serra, porém, é raramente vista.

A natureza, paisagens e figuras rupestres da Serra da Capivara
Mocó créditos: Nubia Lira

A Cerâmica da Serra da Capivara

Fundada em 1994 pela arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon, a Cerâmica da Serra Capivara, na cidade Coronel José Dias, complementa qualquer visita. No complexo, que conta com uma loja, restaurante e albergue, é possível descobrir como se produzem as peças de cerâmica que fazem sucesso no Brasil. De acordo com a atual proprietária, Girleide Oliveira, até já exportaram alguns itens, mas tiveram que parar porque “o mercado nacional absorve tudo o que é produzido”.

A Cerâmica da Serra da Capivara
Cerâmica da Serra da Capivara créditos: Nubia Lira

Mensalmente, a fábrica produz entre 10 a 15 mil peças e vale a pena ver de perto o processo pois cada objeto passa no mínimo pelas mãos de cinco artesãos. “Quando a pessoa conhece o produto, valoriza mais o produto na loja”, comenta António Marcos de Oliveira, responsável pela área de produção. As questões ambientais e a sustentabilidade são preocupações da empresa e, por isso, só utiliza argila das barragens mapeadas na região e tintas preparadas com corantes naturais.

A fábrica, que nasceu com o objetivo de criar rendimento para a comunidade local, é atualmente o projeto social de maior sucesso da Fundação Museu do Homem Americano, criada para garantir a preservação do património cultural e natural do Parque Nacional Serra da Capivara.

Girleide Oliveira
Girleide Oliveira, proprietária da Cerâmica da Serra da Capivara créditos: Nubia Lira

Com 89 colaboradores, a Cerâmica da Serra Capivara é, segundo António, a maior empregadora de Coronel José Dias.

Entre as peças produzidas, encontram-se copos, chávenas, pratos, jarros e tijelas. Algumas têm pintada aquela que deverá ser a figura rupestre mais amorosa de sempre e a cena de beijo na boca mais antiga do mundo.

O SAPO Viagens visitou o Piauí a convite do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e da VBRATA (Visit Brazil Travel Association)