De planos rígidos a fluxos espontâneos na Índia
Texto e fotografias por Manuel Fernandes
Este primeiro mês da minha viagem foi uma prova de adaptação. Tive de me adaptar ao calor, ao sotaque indiano e ao picante. Ao atravessar a rua no meio do caos da cidade sem qualquer passadeira à vista (que mesmo que existisse seria mais uma sugestão ignorada do que uma obrigação cumprida). Ao não ter papel higiénico, nem água quente para tomar banho. Poderia continuar a lista, pois sinto-me mesmo a viver noutra realidade, diferente daquela que conhecia, onde tudo contrasta com Portugal e com o meu quotidiano conhecido até aqui.
Acho que nunca tive receio de não me conseguir habituar, mas agora que aqui estou, entretenho-me a constatar o quanto mudaram os meus hábitos, e como o meu comportamento é tão facilmente moldável por aquilo que me rodeia. Com cada dia que passa e cada situação que enfrento, reinvento uma nova versão de mim. Mas, em simultâneo, sinto-me a mesma pessoa de sempre. É uma sensação bastante estranha e difícil de descrever, especialmente para alguém que não é particularmente abençoado com o dom da palavra, como é o meu caso.
Também os meus planos tiveram de se adaptar a mim. Com tantas coisas novas e tanta gente diferente que já conheci, por vezes torna-se difícil escolher o que quero fazer enquanto por aqui ando. O que em tempos era uma certeza rapidamente foi relegado para segundo plano. Duas semanas de quinta no Nepal passaram para uma semana de trekking pelos Himalaias que, por sua vez, passou para um retiro silencioso de meditação Vipassana de dez dias num piscar de olhos.
Afinal de contas, a Índia é colossal e imensamente diversa. Tem um tamanho semelhante ao da Europa, se ignorarmos a Rússia. Cada estado tem a sua própria história, cultura e comida que saltam logo à vista nas primeiras impressões. Como tal, aqui há de tudo um pouco, basta procurar. Se procuras o caos, tens cidades como Bangalore ou Mumbai, cada uma delas com mais habitantes que Portugal inteiro. Se procuras serenidade, tens as cordilheiras dos Himalaias, o deserto do Rajastão ou as praias do sul de Goa. Se procuras espiritualidade, tens uma miríade de cursos de meditação por experimentar em Rishikesh, ou toda uma rede de templos que se estende pelo país para explorar, de todas as religiões imagináveis.
Quando se tem esta liberdade, sozinho no outro lado do mundo, é difícil não se deslumbrar com tudo o que há por experienciar e manter os pés assentes no chão, até porque não é todos os dias que se faz uma viagem destas.
Tem sido muito difícil para mim, que tenho uma personalidade relativamente rígida e que gosto de ter tudo bem planeado, gerir as linhas base da minha viagem e ter de me adaptar constantemente a tudo. Acho que o melhor a fazer é levar as coisas com calma e tentar ouvir aquilo que a nossa mente nos diz. Mais fácil dito que feito, como é óbvio, mas, pelo menos, estou a fazer um esforço para “ir com o flow”, percorrendo o meu caminho.
Infelizmente o tempo é limitado, e vai ficar sempre a sensação de que ficou algum lugar por ver. No meu caso, e apesar de ainda não ter ido embora, já sei que esse sítio serão as cordilheiras dos Himalaias. Não consegui encaixar no meu roteiro. Pelo menos por agora, quem sabe se amanhã já farão parte dos meus planos novamente. Caso isso não aconteça, é só mais uma razão para voltar. Não que fosse necessário.
Recentemente visitei uma casa onde Mahatma Gandhi viveu durante vários anos. Foi lá que encontrei uma frase com a qual me identifiquei muito, e na qual revi o espírito do que gostaria que fosse este meu Gap Year. Traduzindo da melhor forma que consigo, “Há momentos na vida em que, para algumas coisas, não precisamos de provas exteriores. Uma pequena voz dentro de nós diz: ‘Estás no caminho certo, não te desvies nem para a esquerda nem para a direita, mantém-te no caminho reto e estreito’. Existem momentos na tua vida em que deves agir, mesmo que não possas levar os teus amigos contigo. A ‘vozinha interior’ dentro de ti deve sempre ser a juíza final quando há um conflito de dever.”
A minha vozinha sempre me soube guiar. Foi graças a ela que me candidatei à bolsa, por exemplo. E confio nela, cada vez mais. No início do texto disse que me sentia diferente mas igual. Começo a achar que talvez eu me esteja a tornar cada vez mais em mim próprio, aprendendo a aceitar-me como sou e ganhando mais à vontade para viver como quiser: ouvindo a minha vozinha e seguindo-a para onde ela me quiser levar.
O Manuel Fernandes deixou Lisboa para conhecer o Nepal, a Índia, a Tailândia, o Vietname e o Camboja, à procura de novas experiências e do contacto com a natureza. Podem seguir as suas crónicas no SAPO Viagens e no instagram.
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