Não esperava muito da Bucareste, confesso. Quando viajei para a Roménia estava mais interessada em conhecer e explorar a região da Transilvânia e não contava passar mais de dois dias na capital. Acabei por me demorar um pouco mais e quando me vim embora já estava com vontade de regressar, o que é sempre um bom sinal!

É verdade que Bucareste, a “Pequena Paris”, perdeu um pouco do brilho e do esplendor de outrora (resultado dos excessos da era comunista que, aqui e ali, parece ter deixado no ar uma aura cinzenta e sinistra), mas a luz, definitivamente não se apagou, e, quando menos esperas, ilumina-te o coração.

O primeiro lugar a conquistar-me foi (sem surpresa) o bairro medieval de  Lipscani — o centro histórico de Bucareste.

Lipscani adotou o nome romeno da cidade alemã de Leipzig, porque, no passado, muitos comerciantes daquela região costumavam vir aqui para vender os seus produtos. É um dos poucos lugares em Bucareste que sobreviveu ao programa de “sistematização urbana” e, portanto, ainda mantém muitos traços do carácter da antiga cidade. Caminhar pelas ruas pavimentadas de Lipscani e observar os seus edifícios dá-nos um vislumbre de como seria Bucareste quando era chamada de “a pequena Paris”.

O local foi danificado por bombardeios durante a Segunda Guerra Mundial e posteriormente pelo terremoto 1977, mas conseguiu escapar da sua maior ameaça — a fúria destruidora de Ceausescu.

Nos últimos anos, o bairro foi completamente restaurado e agora é o melhor lugar para apreciar a vida noturna de Bucareste, com muitos bares, clubes e apresentações de música ao vivo. Há também restaurantes e cafés que servem delícias tradicionais e cozinha gourmet. Durante o dia, podemos espreitar as lojas de antiguidades ou relaxar sentados numa das esplanadas a saborear uma chávena de café.

Os romenos gostam do seu café rico e escuro e o seu consumo, por si só, é considerado uma tradição.

A melhor maneira de conhecer os melhores cafés de Bucareste é perguntar aos locais ou fazer uma visita guiada gastronómica para experimentar a comida tradicional, que terminará certamente num estabelecimento como o Coftale (fica na Strada Ștefan Mihăileanu).

Bucareste
créditos: Travellight e H.Borges

Uma das atrações mais populares de Lipscani é o restaurante Manuc Inn, que também é uma pousada. É o hotel em funcionamento mais antigo da cidade e possivelmente a estalagem em funcionamento mais antiga de toda a Europa. É, junto com o restaurante Caru' cu bere, — outro clássico de Bucareste — um lugar agradável para experimentar a comida tradicional romena, num ambiente único e autêntico.

Lipscani tem alguns dos edifícios mais bonitos da capital romena e o mais impressionante é, sem dúvida, o Palatul CEC (Palácio CEC), o edifício que abrigou a Caixa Económica Romena, com a sua grande cúpula de vidro e metal e bonita fachada. Também possui uma majestosa entrada em arco e quatro cúpulas menores nos cantos. Foi projetado em 1900, por um arquiteto francês e hoje pertence ao município que pretende fazer dele um museu de arte, mas até esse plano ser concluído, disseram-me que o seu interior não pode ser visitado.

O Palácio do Clube Militar (Circul Militar), uma obra em estilo neoclássico francês, do início do século XX, é outro marco colossal em Lipscani. Hoje em dia abriga um restaurante que serve pratos tradicionais romenos dentro de um cenário incrível e ainda tem um belo terraço.

É exatamente este tipo de coisas que adoro quando visito cidades antigas: “nada se perde, tudo se transforma”. O banco transforma-se em museu, o clube militar em restaurante, o armazém em livraria…

A Cărturești Carusel, por exemplo, hoje é uma das mais belas livrarias do mundo, mas durante anos abrigou um simples armazém. É difícil acreditar quando visitamos este edifício de vários pisos, com varandas ornamentadas, curvas ao estilo parisiense e milhares de livros. Mas a sua história é atribulada: foi construído em 1903 por uma família rica de banqueiros gregos, acabou confiscado pelo regime comunista na década de 1950, foi transformado em armazém geral e depois abandonado e deixado à decadência quando o comunismo entrou em colapso.

Nessa altura o neto do banqueiro, herdeiro legal do edifício, solicitou que ele fosse devolvido à sua família. Foram necessários 24 anos de batalhas no tribunal, mas ele ganhou o processo e tomou posse do prédio decadente em 2007. Começou então a sua notável transformação no Carrossel de Luz (Cărturești Carusel) — a livraria que encontramos hoje.

É um lugar maravilhoso, onde apetece passar o tempo. Tem disponível uma grande variedade de livros em inglês e, no último piso, existe uma casa de chá que oferece uma excelente vista para toda a livraria.

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créditos: Travellight e H. Borges

Ao longo de Lipscani, encontramos também edifícios religiosos interessantes, como a Igreja Russa de São Nicolau; a pequena galeria Pasajul Macca-Vilacrosse e a Igreja do Mosteiro de Stavropoleos, a mais cativante das muitas igrejas de Bucareste. Até ao final do século XIX foi um mosteiro ortodoxo de freiras, mas hoje, apenas a igreja permanece de pé. Ainda assim, o que resta é impressionante e um bom exemplo do chamado estilo Bráncovenesc. Vale a pena visitar.

Para aprender mais sobre a história de Bucareste e da Roménia é essencial fazer uma paragem no Museu Nacional de História. Está instalado num antigo palácio e tem cerca de 50 salas de exposição que levam os visitantes pela história romena desde o período pré-histórico até aos dias modernos.

O antigo palácio de Vlad, o Empalador, figura real que inspirou o Conde Drácula é outra paragem obrigatória em Lipscani. À  semelhança de outros edifícios com história, foi convertido e hoje abriga o Muzeul Municipiului Bucuresti (Museu Municipal de Bucareste).

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créditos: Travellight e H. Borges

Vale a pena visitar igualmente a Piata Universitate (a Praça da Universidade) e ver o Teatro Nacional que ali se encontra.

Na parte norte da capital romena, na Kiseleff Road, encontramos mais uma conexão entre esta cidade de leste e Paris — um Arco do Triunfo.

O Arco de Bucareste foi originalmente construído em madeira, em 1878, para celebrar a independência da Roménia do Império Otomano. A versão atual foi concluída em 1935, tem um visual neoclássico e de longe assemelha-se bastante ao Arco do Triunfo parisiense, mas olhando de perto, conseguimos notar bem as diferenças e perceber a Coroa Real Romena inscrita nas suas pedras.

Do mesmo modo, assim que nos afastamos do charmoso bairro Lipscani, conseguimos perceber a outra dimensão de Bucareste, onde as marcas do recente passado comunista nos fazem esquecer completamente o seu lado mais romântico.

Basta um vislumbre do gigantesco Palácio do Parlamento, para recordar o que foi a ditadura no país e como ela acabou. O edifício, dizem, é de inspiração Norte Coreana e foi projetado para ser o palácio principal de Nicolae Ceauşescu, mas o ditador foi derrubado e morto antes da obra poder ser concluída e após a Revolução de 1989, foi reaproveitado para abrigar o Parlamento da Roménia, três museus e um centro internacional de conferências. Mesmo assim, é tão grande que ainda tem muitos salões e galerias vazias no seu interior.

A Praça da Revolução é impossível de contornar numa visita à cidade. Foi sede do Comité Central do Partido e é cercada por edifícios impressionantes, muitos dos quais abrigam departamentos governamentais. Dois monumentos aqui celebram a revolução: o Memorial do Renascimento e uma estátua do rei Carol I da Roménia.

Também na Praça da Revolução fica o Palácio Real de Bucareste, antiga residência do rei da Roménia antes do regime comunista assumir o poder. Hoje abriga o Museu Nacional de Arte Romena, um museu com uma belíssima coleção permanente e interessantes exposições temporárias.

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créditos: Travellight e H. Borges

O Museu Nacional da Aldeia Dimitrie Gusti é um dos mais curiosos da cidade. Fica um pouco mais a norte do Arco do Triunfo e ocupa parte do Parque Rei Mihai I. É um museu etnográfico ao ar livre que apresenta aos visitantes uma réplica de uma vila tradicional romena.

Depois de passar pelo museu, vale a pena continuar a explorar o Parque Rei Mihai I até chegar ao Lago Herăstrău, onde podemos apreciar a bonita paisagem e sentar num dos restaurantes da margem para almoçar ou tomar uma bebida.

Uma das muitas coisas que gostei em Bucareste (sem surpresa) foi a comida. Os pratos tradicionais romenos são deliciosos. Cada refeição parece que contém um pedacinho da história do país, — ou pelo menos é assim que nos explica quem nos serve. Gostei muito de provar sarmale — rolinhos de repolho recheados com carne e mici, os kebabs de carne grelhada. A maioria dos pratos tradicionais são servidos com mămăligă  (semelhante à polenta italiana).

A Roménia também tem bebidas tradicionais como o Țuică, um brandy de ameixa ou o "Pasion Blue Chardonnay", que como o próprio nome indica, é um vinho azul como o céu. O mais incrível é que, segundo me disseram, a cor é completamente natural e não tem aditivos. O vinho obtém a sua cor azul através de um complicado processo de tratamentos com antocianinas.

Os tesouros de Bucareste estão escondidos por toda a parte. Basta caminhar pela cidade para descobri-los e depressa dás com lugares como a Pasaj Victoria, coberta de guarda-chuvas coloridos ou com o Bairro Arménio que tem joias arquitetónicas únicas.

Por fim, para terminar a visita em beleza, é imperdível assistir a um concerto no Ateneu Romeno. Considerada um importante marco cultural de Bucareste, esta sala de concertos foi inaugurada em 1888 e tem sido o principal local de música da cidade desde então. A melhor maneira de ver o seu interior deslumbrante é reservar bilhetes para uma apresentação (apesar de ser possível fazer um tour para ver apenas a sala).

Quem gosta de música e visita Bucareste no verão pode ainda combinar a data com a dos vários festivais, como o Summer Well ou o SAGA que enchem a cidade de animação.

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Artigo originalmente publicado no blogue The Travellight World