Um bobo da corte escatológico e trágico que fascina tanto quanto é temido, o louco que diverte, denuncia e inverte os valores: esse é o tema de uma enorme exposição que começa esta quarta-feira (16) no Louvre em Paris.
Intitulada "Figures du fou, du Moyen-Age aux Romantique" ("Figuras da loucura, da Idade Média aos Românticos"), a exposição não apresenta a loucura como doença mental, mas lança questões sobre a omnipresença desta figura na arte e na cultura ocidental.
A exposição lança o seu olhar até ao século XIX, com Coubert, pintor e escultor francês, que liderou o movimento realista, "abrindo as portas para as questões contemporâneas, bem como sobre o artista", diz Laurence Des Cars, diretora do museu.
Mais de 300 manuscritos iluminados, livros impressos, objetos preciosos, tapeçarias, pinturas e esculturas, emprestadas por 90 instituições francesas, europeias e americanas, estão expostas.
Entre elas: obras-primas do pintor Jérôme Bosch, incluindo "La Nef des fous", outras de Pieter Bruegel, o Jovem e de Pieter Bruegel, o Velho, bem como esculturas de bronze vindas da Alemanha, gravuras e baús em marfim inspirados em romance de cavalaria e amor cortês.
Espelho
O louco, por sua vez, é aquele que diverte, adverte ou inverte a ordem estabelecida. É reconhecível pelo seu boné com orelhas de burro e pela sua crista de galo, pelos trapos e roupas desarrumadas que usa e pela marotte (bastão) com a qual fala. Também se reconhece pelos sinos presos às suas pernas, que tocam quando se move.
Seja qual for a arte, o louco impôs-se desde o início como uma figura social, um pária que rejeitou Deus e foi maltratado, mas que também inspirou São Francisco de Assis - que rompe com o seu meio burguês para viver na pobreza material - e de quem os poderosos se cercavam.
"Profano e sagrado misturam-se sem parar. Estamos a brincar com a ideia de reversão e com o espelho que nos é mostrado pelo louco, que nos faz perguntar sobre o outro e sobre nós mesmos", resume Élisabeth Antoine-König, conservadora-geral do departamento de objetos de arte e curadora da exposição ao lado de Pierre-Yves Le Pogam, conservador-geral do departamento de esculturas do Louvre.
Os visitantes começam por ser apresentados ao mundo das margens: "os dos manuscritos, onde, na segunda metade do século XIII, se multiplicam as criaturas estranhas, híbridas, grotescas - conhecidas sob o nome de marginália - ao lado de textos sagrados ou profanos", explica a curadora.
Estas criaturas, como a figura do louco, invadiram todo o espaço, desde o chão até o teto.
No século XIII, o louco é uma figura indissociável do amor e simboliza a luxúria. Às vezes como ator, outras como comentador, ele alertava aqueles que se entregavam à devassidão e estavam à beira da morte, tal como evoca uma série de "danças da morte" desenhadas e pintadas.
Tarô
"A partir da metade do século XIV, o bobo da corte, antítese da sabedoria real, institucionaliza-se. As suas palavras irónicas ou críticas eram aceites", acrescenta a especialista.
Este louco subversivo torna-se um personagem dos jogos: uma peça de xadrez, mas também uma das cartas do tarô, que surgiu na Europa do século XV e cujas primeiras cartas conhecidas estão expostas na exposição.
O percurso da exposição evoca a sua omnipresença nas festividades urbanas, especialmente no carnaval. De Bosch a Bruegel, o louco triunfou durante o Renascimento, como a figura que denunciava a loucura da humanidade.
Nos séculos XVII e XVIII, as suas representações desapareceram gradualmente com o domínio da razão e do Iluminismo, embora volte a aparecer em figuras como Dom Quixote.
A exposição termina com uma evocação do confinamento dos doentes mentais na primeira metade do século XIX, com uma pintura de Goya, “L’Enclos des fous”, denunciando a violência transformada em espetáculo.
As gárgulas de Notre-Dame de Paris também são exibidas no final do percurso, enquanto um filme mudo homenageia a figura de Quasímodo, imortalizada pelo escritor Victor Hugo.
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