Em 2019, os acidentes envolvendo trotinetas elétricas disponibilizadas por plataformas partilhadas custaram cerca de 5 milhões de euros em despesas de saúde à cidade de Lisboa, um valor 11 vezes maior que os benefícios ambientais e económicos gerados pela sua utilização. É o principal indicador de um estudo da Universidade de Lisboa divulgado ontem.

Há 5 anos que as trotinetas fazem parte do mobiliário das ruas portuguesas, mas além de uma reputação por estacionamento abusivo, havia poucas bases para questionar a sua sustentabilidade como forma de mobilidade. Uma das suspeitas, agora confirmada, era de que a sua conveniência podia acarretar custos invisíveis.

A partir dos registos de 1.4 milhões de viagens em trotinetas partilhadas, e de um inquérito a mais de 900 utilizadores, três investigadores do Instituto Superior Técnico quiseram obter uma imagem mais completa de como estes veículos são usados em Lisboa e dos respetivos custos e benefícios. As suas conclusões apontam para um impacto socioeconómico largamente negativo do sistema partilhado de transporte, em grande parte devido à sinistralidade.

Em 2022, o INEM transportou 6.280 feridos envolvendo trotinetas, bicicletas e skates, quase o triplo do valor em 2019. Neste contexto, o estudo pode contribuir para o escrutínio e reforço das condições de segurança em que as plataformas partilhadas operam.

Como foram calculados os custos e benefícios das trotinetas partilhadas?

Rosa Félix, Mauricio Orozco-Fontalvo e Filipe Moura são os autores do estudo, descrito como o primeiro do género, por se propor a quantificar o impacto socioeconómico das trotinetas partilhadas.

Para chegarem a um valor, os investigadores começaram por pesar os custos e benefícios ambientais da utilização das plataformas partilhadas de trotinetas. O maior benefício ambiental destes velocípedes ocorre quando são usados em alternativa ao automóvel. Segundo dados de 2019, foi o que aconteceu em 40% das viagens de trotinetas realizadas em Lisboa, o que se traduziu numa poupança ambiental estimada em 41 mil euros anuais.

Trotineta abandonada no passeio em Lisboa
De acordo com o estudo, metade das viagens em trotinetas partilhadas percorreram menos de 1307 metros créditos: Pedro Neves

Trocar o carro pela trotineta partilhada também teve um benefício económico, na ordem dos 606 mil euros. Optar por esta forma de mobilidade suave acarreta menos custos diretos, mas os investigadores também notam que, devido a vários fatores (como promoções), “apenas 10% das viagens realizadas [em 2019] tenha sido paga pelos utilizadores”.

É ao nível social que o impacto negativo das trotinetas partilhadas fica evidente. Em 2019, ocorreram 57 colisões em Lisboa envolvendo trotinetas, que provocaram 41 feridos ligeiros e um grave. Somando as respectivas despesas de saúde e danos materiais, os investigadores estimaram um custo socioeconómico de 5 milhões de euros associado à sinistralidade neste meio de transporte. Um valor que supera largamente os benefícios ambientais e económicos e que podia ter sido ainda mais elevado caso tivessem ocorrido mortes nesse ano, como aconteceu em três acidentes de 2021 e 2022.

“Os resultados mostram que, embora existam claros benefícios ambientais e económicos, o impacto negativo das trotinetas elétricas partilhadas na saúde (relacionado com o grande número de colisões e ferimentos) supera os benefícios”, conclui o estudo.

Mais informação e prevenção

Para os investigadores da Universidade de Lisboa, não se trata de abolir ou limitar o uso das trotinetas partilhadas, mas de questionar e melhorar a sustentabilidade desta forma de mobilidade. Entre as suas recomendações consta a obrigatoriedade de formações de segurança para os utilizadores e considerar a introdução de uma taxa de utilização que permita compensar o erário público pelos custos gerados por estes serviços de transporte.

Em janeiro, a Câmara Municipal de Lisboa anunciou um acordo com os cinco operadores de trotinetas partilhadas na cidade, que previa um período de 60 dias para estabelecer pontos de estacionamento próprios obrigatórios e um limite de velocidade de 20 quilómetros por hora. Foi ainda estabelecido um máximo de 7500 veículos em circulação na época baixa e de 8750 na alta.

Em fevereiro, o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central também anunciou que vai passar a ceder à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária dados detalhados dos utilizadores de velocípedes, como bicicletas e trotinetes, envolvidos em acidentes, para ajudar a desenvolver medidas de prevenção.