Bilhete-postal enviado por Daniela Pereira
Uma semana depois, depois de ver todos os sites sobre trails até Monte Rosa, de cada vez mais ter a certeza que era impossível, (pois não faço exercício regularmente, tenho medo de alturas, raramente estive na neve), mas também depois de, finalmente, me convencerem de que iria conseguir, lá estava eu numa loja de desporto a comprar camisolas quentes, uma lanterna para a cabeça, botas, luvas... Comprar cholates, frutos secos, sandes (péssima ideia, pensem em pão de forma com queijo no frigorífico, não é bom, pois não?).
"Amanhã vou até lá e vou ter que voltar, não vou conseguir fazer aquilo, já sei", toda a noite a pensar nisto. Entretanto, adormeci e já eram 5h. Hora de comer um pequeno-almoço digno de rei, pôr a mochila às costas e pôr-me a caminho do comboio (por enquanto).
Depois de chegar a Gressoney-Trinitè, as boas notícias: "Não, não precisam de alugar crampons, ainda não há neve para onde vocês vão!", "óptimo!" pensámos nós. Fomos então beber um excelente cioccolato caldo e começar a caminhada!
Tinha tudo para resultar bem, ar puro, paisagens bonitas, as montanhas à nossa volta, riachos... No entanto, o meu medo teimava em dar-me dores de barriga, má disposição, dificuldade em respirar... A sorte foi ter companheiros de aventura incríveis que nunca me deixaram desistir, por isso continuamos, juntos.
À medida que fomos subindo, os riachos começaram a estar congelados, o que fez com que não tivéssemos água grande parte do caminho, o piso ia ficando mais difícil, descobrimos que afinal existia neve e pior, gelo.
Entretanto parámos para comer chocolate para nos dar energia e olhar para o pôr-do-sol fantástico no meio das montanhas. Uma vista linda e merecida depois do todo o nosso esforço! Entretanto deparámo-nos com o facto de estarmos atrasados, umas 2h, em relação ao tempo que deveríamos fazer. À nossa espera estava um pequeno refugio, a 3600m de altura, o Rifugio Quintino Sella al Felik e não era nada seguro fazer aquele caminho de noite, com neve. Tivemos algum tempo a pensar qual seria a melhor hipótese. Aí senti que não podíamos desistir, parte já estava feita, o resto também haveríamos de conseguir, não? Assim foi!
O nosso grupo falava quatro línguas diferentes: português, sueco, espanhol e inglês (a comum entre todos), o que poderia ter dificultado a nossa comunicação, algo fulcral numa situação como esta. Já estava de noite, todos com a lanterna na cabeça, com -15ºC e continuávamos: "pé esquerdo na pedra" "não pisem branco" "gelo, cuidado" "neve, pisa" "vamos passar por fora do trilho", durante mais umas horas.
E finalmente chegámos ao nosso refúgio! Abraçámo-nos! Conseguimos! Conseguimos comunicar da melhor maneira, confiámos uns nos outros como nunca, estivemos juntos e se não fosse assim, não tínhamos ali chegado. Não havia orgulho maior naquele momento, orgulho uns nos outros.
Podem estar a pensar "agora chegaram ao hotel" bem, não é bem isso, é mais uma pequena casa de madeira, com lenha, tachos, pequenos copos, mesa, cadeiras, colchões e cobertores. Acendemos o fogão a lenha, pusemos neve no tacho para matar a sede (que era muita), enxugámos as nossas meias, depois fizemos as nossas sopas (já pré-preparadas), partilhámos as diferentes sopas, a água, cobertores, risos e fomos dormir porque no dia a seguir esperava-nos o caminho de volta a casa.
Mas antes de nos pormos a caminho, também nos esperava um momento que dificilmente me esquecerei: o nascer do sol nos Alpes. As cores, em tons de rosa, laranja, amarelo, azul.. O branco da neve. Sentir o nosso corpo aquecido pelo café da manhã com o frio que está. O silêncio e este é o silêncio mais inspirador de sempre. Apenas se consegue ouvir, ao longe, o som de pedaços de neve a cair pelas montanhas, mais nada. Senti-me pequenina, porque o que estava a ver, não cabia dentro daquilo que conhecia, mas ao mesmo tempo agradecida por ter conseguido chegar ali, ter arriscado e ter tido o prazer de poder aproveitar aqueles minutos de nascer do sol, aqueles minutos de agradecimento, aqueles minutos de introspeção.
Depois de conseguirmos absorver tudo o que estávamos a ver, lá nos pusemos a caminho outra vez, com um sorriso de orelha a orelha.
A viagem de volta correu muito melhor, estávamos mais unidos que nunca, prontos para chegar lá abaixo num instante. Uma queda ou outra, mas nada de grave e depois de umas 7h estávamos de volta ao café onde começámos, aos sorrisos calorosos a perguntar como tinha corrido a viagem, se tínhamos gostado e ao chocolate quente, ao melhor chocolate quente que bebemos!
Depois de alguma dificuldade em encontrar forma de voltar para casa (porque nos esquecemos que era feriado), encontramos um sr. que nos deu boleia até à vila mais próxima, jantámos e voltámos para a nossa casa. Voltámos cansados, com as maiores dores musculares que já tive, com sono... mas mais unidos, mais fortes. Acho até que cresci um pouco nesses dois dias, afinal de contas consegui fazê-lo! Fomos dormir, mas antes combinámos um almoço lá em casa todos juntos, afinal de contas, como é que depois desta aventura, nos iriamos separar outra vez? :)
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