Por Nuno Gouveia Sousa

No inicio de 2019 realizei uma expedição à Namibia. Esta foi uma viagem em autonomia total onde explorei o país todo num jipe preparado com tendas de tejadilho para dormir, a fim de ter a liberdade de ir a locais extremamente remotos.

Uma das coisas que mais gostei sobre a Namibia, foi a imensidão das suas paisagens. Podemos conduzir por dias a fio e não ver um único ser humano. É apenas uma paisagem infinita decorada com a vida selvagem.

O Centro interior do país é mais desértico, mas à medida que comecei a explorar as zonas mais a Norte, a paisagem começou a tornar-se gradualmente mais verde. Isto deve-se ao aumento dos lençóis freáticos nestas regiões, que permite o crescimento de mais vegetação.

Como podem ver por esta fotografia, esta paisagem oferece maior abrigo aos animais e tribos. E por isso aqui foi a zona mais populada por tribos selvagens que encontrei ao longo da expedição.

Paisagens mais verdejantes do Norte da Namibia e o jipe preparado para viajar em autonomia total.
Paisagens mais verdejantes do Norte da Namibia e o jipe preparado para viajar em autonomia total. Paisagens mais verdejantes do Norte da Namibia e o jipe preparado para viajar em autonomia total créditos: Nuno Gouveia Sousa

EXPLORA AQUELA “EXTRA MILE” E ENCONTRA O INESPERADO

A vantagem de viajar em autonomia total é o facto de não estarmos presos a nenhuma localização especifica, porque viajamos com a casa às costas e todos os recursos para a nossa subsistência. Assim conseguimos ir a sítios mesmo remotos, e foi aí que consegui encontrar comunidades de tribos realmente selvagens e isoladas.

Muitos deles não viam um humano branco à muito tempo. E possivelmente os mais novos nunca tinham visto nenhum antes.

A alguns a nossa visita foi bem vista, outros começaram a enxotar-nos embora. E pareciam realmente zangados. Provavelmente devido a uma má experiência anterior com intrusos/turistas.

Mas com as tribos que nos aceitaram e receberam afavelmente, a experiência foi maravilhosa! Nós não conseguimos falar Himba - por razões óbvias - e eles também não sabiam falar Inglês. Comunicar através de gestos também se revelou extremamente difícil porque os nossos backgrounds de vida são tão diferentes que os nossos standards de gestos não eram os mesmos. E esta diferença tremenda foi o que desencadeou um momento realmente especial e que marcou sem dúvida alguma esta minha expedição para sempre. Deixem-me contar-vos este curto episódio.

APRENDE COM CADA MOMENTO

Quando viajo para estes destinos gosto de levar na minha bagagem sempre algumas embalagens de balões para oferecer. É senso comum “todas as crianças adoram balões!” e é sempre uma ajuda para ganhar confiança e simpatia numa primeira aproximação.

Namíbia
Namíbia créditos: Nuno Gouveia Sousa

No entanto, a maioria das pessoas das tribos com as quais nos fomos cruzando, nunca tinham visto balões antes. Alguns miúdos ficaram realmente assustados, outros começaram logo a brincar como se de um instinto natural se tratasse, e por surpresa minha, outros começaram a colocar os balões na boca e a mastigar. Sim! A mastigar e a ver se era algo comestível! Acredito que o facto de me terem visto a enche-los com a boca, tenha desencadeado este comportamento.

E quando vi aquilo, aquele momento “bateu-me” forte. Lembro-me de pensar para mim próprio - com alguma arrogância inconsciente - “wooow esta malta está mesmo atrasada no tempo!” E que pensamento mais estúpido. (pausa) Eles não estão atrasados, eles estão é apenas adaptados às suas circunstancias de vida, e são incríveis nisso!

- Recomendo-vos a pesquisarem um pouco sobre os Himbas e a descobrirem à quanto tempo é que eles sobrevivem numa das regiões mais austeras do nosso planeta para se viver - 

AFINAL, QUEM É QUE ESTÁ ATRASADO NO TEMPO?

Namíbia
Namíbia créditos: Nuno Gouveia Sousa

Olhei à minha volta e apercebi-me que se por alguma razão eu me perdesse ali, não sobreviveria aos primeiros dois dias.

Não conseguiria caçar.

Não conseguiria encontrar água naquele terreno.

Não conseguiria construir as minhas próprias ferramentas e abrigo com a vegetação.

Não conseguira também construir uma máquina de teletransporte com o meu iPhone.

Não conseguiria nada. Estaria totalmente vulnerável.

Este foi um daqueles momentos que nos atinge com força na consciência - e que parece que o sentimos na barriga
também a esmurrar-nos - e que é a resposta à pergunta Porque É Que Viajamos?

Este momento, só ele, fez a minha expedição valer totalmente a pena. Foi uma daquelas lições de humildade - bem dadas à semelhança de uma boa palmada da nossa avó - que aprendemos cada vez que nos desafiamos a viajar e a conhecer o mundo para além da “bolha” em que vivemos.

Quando partilhas e te conectas, tu entregas-te totalmente ao momento. E sem dúvida alguma isto ajuda-te a alargar os teus horizontes ao perceber diferentes perspectivas sobre o mundo onde vivemos. Vais ressacar estes momentos, e eles rapidamente vão amadurecer dentro de ti traduzindo-se em humildade, tolerância e compreensão. E é assim que nos tornamos em melhores pessoas. É assim que crescemos como humanos.

Não é por isto que viajamos?


Este artigo homenageia todos os seres humanos que vivem em zonas remotas do nosso planeta e que ao longo dos anos se souberam adaptar às condições extremas. A sua força e resiliência são tremendas e devem servir como um exemplo a seguir para as sociedades modernas.

Sobre o autor

O meu nome é Nuno Gouveia de Sousa e sou de Leiria. Sou um adventureholic e fotógrafo documental freelancer sempre à procura de explorar os recantos mais remotos do nosso planeta. Através das minhas viagens e fotografia, quero abrir novas janelas e permitir que todos consigam ver um pouco mais além, promovendo a consciencialização da nossa responsabilidade enquanto humano e a nossa pegada sócio-ambiental no mundo.

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