Bilhete-postal por Guilherme Teixeira

Foi na zona do Douro que decidi ver o Entrudo, mais precisamente numa aldeia pertencente ao concelho de Lamego: Lazarim. Aqui, e à semelhança com Podence, quem reina são os Caretos: disfarces com máscaras demoníacas feitas com madeira de amieiro e decoradas com chifres. É de notar que as tradições de Carnaval nesta aldeia de aproximadamente 500 habitantes advêm de rituais pagãos e ancestrais, com raízes celtas.

As celebrações são divididas pelos diversos dias e por desconhecimento decidi ir ao primeiro desses mesmos dias, tendo como ponto alto o desfile dos “Caretos à solta”. Ao início, a decisão pareceu ser a mais acertada, principalmente tendo em conta que anos antes tinha estado em Podence e todos os dias há um “mar” de gente. No entanto, rapidamente percebi que o hype de Podence ainda não tinha chegado a Lazarim. E é nesse momento que se levantam as dúvidas: será que vale a pena? será que é assim tão bom?

O turismo tem um poder enorme na criação de fluxos de pessoas para estas aldeias mais remotas e se a isso acrescentarmos o facto de os Caretos de Podence serem património mundial da UNESCO, então temos todos os ingredientes para que haja uma discrepância ao nível da quantidade de pessoas. Apesar de ser um tipo de turismo muito localizado no tempo, o Entrudo mostra ter uma enorme importância para a economia local. Se os Caretos de Podence são melhores que os de Lazarim? Depende das opiniões, mas diria que não!

As 18h aproximam-se a passos largos e por isso começa a ouvir-se o rufar dos tambores para anunciar a “libertação” dos Caretos. Eis que máscaras demoníacas e de expressão carregadas são vistas no meio da multidão que acabou por se juntar no Largo do Pelourinho e mais tarde na zona adjacente ao CIMI (Centro Interpretativo da Máscara Ibérica). Não posso deixar de referir que este museu, sediado no solar dos Viscondes de Lazarim, tem uma exposição permanente com trajes e máscaras dos diversos Entrudos de Portugal transmontano e do norte de Espanha.

Um rosto demoníaco com chifres pontiagudos e com um fato vermelho ergue-se e tenta assustar as pessoas. Do nada surgem mais “espíritos” deambulantes e de inúmeras formas. Foi com este cenário em mente que eu decidi criar as minhas fotografias de forma a retratar os “espíritos” que vagueiam ao nosso lado e que o comum mortal não consegue ver. Isto soa familiar? Se sim, então está correcto! A primeira sensação foi a de ter sido transportado para dentro do filme “A viagem de Chihiro” ou para dentro do mundo da anime “Bleach”.

A verdadeira festa acontece quando a população, ao som dos tambores, se reúne em comunhão com os Caretos. Estes metem-se com qualquer pessoa, seja homem ou mulher, adulto ou criança, e são uma constante animação mesmo quando alguns turistas (acredito que o sejam!) não respeitam os sinais e tentam conduzir na rua onde a festa acontece. De facto, até brincam com a situação! Ou abrem a mala do carro e aproveitam a boleia do condutor furioso pela audácia dos Caretos ou ajudam uma auto caravana a subir a rua, aplicando a sua “força sobre-humana” para a fazer andar mais rápido.

Aqui, e ao contrário de Podence, os disfarces podem ser usados por homens ou mulheres (de qualquer idade), sendo por isso, respetivamente, demónios e senhorinhas.

Sob o anonimato das suas máscaras, as pessoas podem revelar-se e ser aquilo que sempre quiseram ser; a máscara revela o nosso verdadeiro ser e toda a maldade (ou bondade) que o nosso coração pode mostrar. Não sabemos bem quem está dentro do disfarce e essa é uma das particularidades dos Caretos de Lazarim. Aqui, e ao contrário de Podence, os disfarces podem ser usados por homens ou mulheres (de qualquer idade), sendo por isso, respetivamente, demónios e senhorinhas. No entanto só recentemente é que as mulheres começaram a assumir que participavam nestas brincadeiras, pois antigamente não era uma actividade bem vista e digna para uma mulher integrar.

Entre fotos, abraços e gargalhadas, a sensação de estarmos a ser observados por estas “criaturas” foi uma constante na minha cabeça. Foi como se estivesse a ver um filme in loco onde os Caretos  andam misturados com a população. Apesar da enorme curiosidade dos turistas, temos sempre a percepção que muitos Caretos passam despercebidos no meio dos mesmos. As fotografias acima mostram essa mesma sensação, apresentando por isso um distanciamento e uma estética fria e negra que contrasta com as cores vivas dos Caretos. Toda esta atmosfera só foi conseguida pelo facto do desfile ter ocorrido após o pôr-do-sol, o que permitiu criar imagens mais escuras com foco no Careto. As fotografias de retrato servem para mostrar as expressões que as máscaras transmitem, mas são as fotografias em wide angle que mostram o verdadeiro ambiente sentido no local.

Não posso deixar de terminar este texto com palavras de apreciação aos artesãos que metem o seu tempo e esforço na madeira de amieiro de forma a criarem estas obras-de-arte. Eles são os principais “motores” para que estas tradições não morram e para que o verdadeiro Entrudo permaneça vivo.

Podem seguir as viagens e fotografias do Guilherme no instagram e no seu blog, Raw Traveller.

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