As muralhas foram sendo erguidas, cada vez mais alto, enquanto os exércitos enormes invadiam os campos, exigindo comida e água. O comércio robusto com os marinheiros das Índias Orientais e da Arábia trouxe uma panóplia de produtos exóticos como o café, o tomate, o grão-de-bico e a beringela vermelha, que se espalharam e foram de imediato adotadas pelas famílias de agricultores.

Durante três mil anos cresceu a dicotomia entre a cozinha dos camponeses e a das classes mais nobres. Os primeiros, maioritariamente vegetarianos dado que não podiam suportar o luxo que era a carne, aprenderam a contentar-se com o que tinham, encontrando usos dinâmicos e inteligentes para as leguminosas, os feijões e as hortaliças, não esquecendo de mencionar a diversidade mediterrânica de trigo, azeite e vinho.

A sua culinária muitas vezes assumia o nome de cucina povera (cozinha dos pobres), que podia ser resumida no uso dos poucos ingredientes disponíveis, das mais diversas formas, desperdiçando o mínimo possível, de preferência nada.

Basilica de Santa Croce
Basílica de Santa Croce créditos: Food and Travel Portugal

À medida que vamos percorrendo as bancas no mercado, descobrimos uma imensidão de produtos locais: chicória selvagem, favas, farinha e pasta feita com trigo duro ou misturada com orzo (uma farinha de cevada escura) e sacos com maccheroni e orecchiette. Chamados de maritati (casados), uma das massas foi inventada para fazer lembrar a forma de um pénis e a outra a de uma vulva. Os apulianos adoram este prato suculento, particularmente quando é servido com uns vegetais locais, ligeiramente amargos, os cimedi rapa (grelos).

O papel do azeite na Apúlia não pode passar despercebido. No passado, era exportado para todo o mundo, na forma de lamparinas, criando muita riqueza para alguns apulianos. Nesses tempos, a maior parte da terra fértil era utilizada para plantar oliveiras, agora estima-se que existam cerca de 60 milhões de árvores, garantindo 40 por cento da produção de azeite em Itália. Apimentado e com uma ligeira acidez, este produto enfatiza o caráter do prato onde é adicionado, mas é melhor poupá-lo quando cozinha no fogão e ser mais generoso quando o serve à mesa, uma vez que este azeite perde nuances do seu sabor a altas temperaturas.

O vinho é outro produto do qual os habitantes desta região se orgulham fervorosamente. Na adega de Claudio Quarta, em Guagnano, perto de Salice Salentino, produz-se vinho com as belas negroamaro, uma casta de uva tinta quase exclusiva da região da Apúlia. Oferece notas frutadas e amargas que fazem deste vinho a perfeita companhia para muitos dos pratos locais.

Antipasti na Masseria Trapana
Antipasti na Masseria Trapana créditos: Food and Travel Portugal

Não há nada melhor do que um passeio depois do jantar para ajudar a digestão e Lecce é o lugar perfeito para fazê-lo. As ruas e becos estreitos dão origem a avenidas modernas, cercadas pela arquitetura iluminada. Apelidada de ‘Florença do Sul’, provavelmente até tem mais em comum com Veneza: as suas ruas sossegadas possuem o mesmo caráter intemporal.

Lecce está ainda por descobrir pelos turistas, mas já está desenvolvida em muitos aspetos. Os habitantes locais são rigidamente fiéis a uma identidade que demorou milhares de anos a construir e lutam para que ela não desapareça. Essa identidade tem sido moldada nos últimos três milénios e, quando uma receita é perfeita, é preciso cuidado para que os intrusos não coloquem um dedo no molho e estraguem tudo.

Informação de Viagem

Lecce é a capital da província com o mesmo nome, na região italiana de Apúlia. A viagem dura cerca de 4 horas desde o aeroporto de Lisboa até Brindisi, o aeroporto de Salento, a 40 minutos de carro de Lecce.

Masseria Trapana
créditos: Food and Travel Portugal

Onde Comer

Hosteriaalle Bombarde

Localizado nas muralhas da cidade, a uma pequena distância da Porta Napoli, e exibindo um pátio maravilhoso com uma vinha, a Hosteriaalla Bombarde serve a cocina povera no seu melhor. Desde 30€. Via delle Bombarde, osteriaallebombarde.it.

La Fiermontina

Este é o restaurante do elegante hotel com o mesmo nome, no norte de Lecce. O jovem chef Simone Solido tem brincado com a cocina povera tradicional criando um menu que inclui um belo carpaccio de camarão com manjericão e azeite aromatizado com citrinos. Desde 55€. PiazzettaScipione De Summa, lafiermontina.com

Ristorante la Torre diMerlino

Comandado pelo inigualável Antonio Torre. O seu restaurante e a sua gastronomia molecular têm um charme especial. Se procura as melhores pizzas da cidade ou um menu degustação com sete pratos, aqui vai ser sempre bem servido. Desde 50€ para o menu degustação, 5€ para a pizza. Via Giambattistadel Tufo, 00 39 0832 242 091

Sopa de Peixe
Sopa de Peixe créditos: Food and Travel Portugal

Cafés/Gelatarias

Caffè Alvino

Esta pasticceria e gelataria exibe uma fachada maravilhosa – um pequeno terraço na sombra do obelisco, onde os habitantes de Lecce se reúnem para tomar um café gelado com bolos. Piazza Sant’Oronzo, caffealvino.it

CinCin Bar

A falta de decoração neste bar é compensada pela sua história e localização – foi fundado há mais de um século e está situado no centro de Lecce. É uma ótima paragem para um café ou para um spritz. Piazza Sant’Oronzo

PasticceriaNatale

Situada logo ao virar da esquina da Piazza Sant’Oronzo, esta pastelaria é também uma cioccolateria e uma gelataria. Não perca o seu famoso gelado de pasticciotto. Via Trinchese, natalepasticceria.it

Bares

Mamma Elvira Enoteca

De todos os bares de vinho visitados em Lecce, este é o que tem a maior lista de vinhos locais disponíveis a copo, com fantásticas variações de fiano e greco, juntamente com o sempre presente negroamaro, zinfandel e malvasia nera. Via Umberto

Pimentos recheados
Pimentos recheados créditos: Food and Travel Portugal

ShuiWineBar

Depois de uma refeição pesada, um cocktail forte pode funcionar como um tranquilizante e o Shui Bar serve ótimas misturas. Via Umberto

Vineria Santa Cruz

Mesmo a norte da Basílica di Santa Crocihá uma linha de bares que os jovens italianos elegantes frequentam à noite. Santa Cruz é um bar clássico à moda de Lecce, com uma abundância de vinhos locais e cerveja artesanal. Via Umberto

As ruas estreitas de Lecce
As ruas estreitas de Lecce créditos: Food and Travel Portugal

Glossário

Burrata

Inventada em Andria, Apúlia, por Lorenzo Bianchini Chieppa nos anos 20, a burrata é uma cobertura de mozzarella recheada com uma mistura de massa fresca e creme de leite fermentado.

Baccalà

Bacalhau - Tradicionalmente, nesta região, era comido às sextas-feiras, dado que a carne era proibida aos católicos. O bacalhau salgado era, também, usado em pratos de cidades localizadas mais para o interior do país, onde era escassa a existência de peixe fresco.

Cacioricotta

Feito com leite de ovelha ou de cabra, os métodos de produção de cacioricotta intercalam técnicas usadas para o ricotta e o queijo. Tem um sabor intenso e é frequentemente ralado no topo de pratos de massa.

Canestrato

É um queijo pecorino duro feito com uma combinação de leite de cabra e de ovelha.

Cime di Rapa

Grelos – Esta planta é da família da folha de mostarda e é conhecida pelo seu sabor amargo. Um dos pratos mais emblemáticos da região é orecchiette com cimedi rapa.

Negroamaro

A uva preferida na província de Lecce, é predominantemente usada para a produção de vinho tinto, mas também pode ser encontrada nos vinhos rosato (rosé) e nos frizzante (espumante), incluindo o fantástico método clássico (dupla fermentação, como no méthode champenoise).

Orecchiette

Traduzido para ‘orelhas pequenas’, esta é provavelmente a massa mais popular da região. Em Lecce, a farinha de trigo duro é frequentemente misturada com orzo, uma farinha de cevada escura.

Pasticciotto

Um pastel muito apreciado entre os habitantes de Lecce, frequentemente comido ao pequeno-almoço, com um café expresso. Feito com massa quebrada, é tradicionalmente recheado com um creme de ovos aromatizado com limão ou com queijo ricota.

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