No verão de 1956, o autor de "O Velho e o Mar" viveu ali durante um mês, no que era então a melhor área de pesca desportiva do mundo, com uma obsessiva missão: apanhar um gigantesco merlim, que mais tarde, um filme que a Warner Bros. acabaria por produzir, sobre o seu mítico relato, nessa localidade, em 1958.
A estadia de Hemingway, que vivia naqueles anos em Cuba, marcou esta agradável comunidade de 500 habitantes, que luta para não cair no esquecimento impulsionando o turismo, que explora até ao último suspiro, todas as marcas deixadas pelo célebre escritor americano.
Cabo Blanco, situado a 1.145 km a norte de Lima, estende-se por menos de um quilómetro, como um estreito colado à costa, acariciado pelo suave bater das ondas do Pacífico, que morrem no seu pequeno dique que leva o nome do autor de "Paris é uma Festa".
Os heróis do porto
Dois bustos aparecem numa avenida: o de Hemingway e o de Alfred Glassell, um empresário americano que, em 1953, conquistou o recorde mundial de pesca de altura, ao apanhar um peixe-espada de 702 quilos, na costa desse estreito. O recorde despertou o interesse de Hemingway por Cabo Blanco.
Na entrada, uma enorme fotografia de Glassell perto do seu troféu - o peixe-espada - e de um capitão de iate. Esta parece ser a melhor amostra de que o tempo parou há seis décadas. "Recorde mundial de pesca de altura, Cabo Blanco 1953, 1.560 libras" lê-se na imagem.
Entre a corrosão que a maresia gera neste velho povoado, aparece Máximo Jacinto Fiestas, um pescador de 94 anos que integrou a tripulação do "Miss Texas", o iate em que navegou Hemingway no Peru, que foi restaurado em 2013 e que está ancorado em Cabo Blanco, como uma peça de museu.
Fiestas, que ficou cego de um olho há dez anos, vive numa pequena casa rodeado de fotografias e recortes de jornais dos anos 1950, onde é visto com Hemingway em atividades pesqueiras. "Acompanhei-o no 'Miss Texas' e ele levou-me a Miami para ajudá-lo numa travessia", disse à AFP, mostrando retratos que legitimam o seu relato.
Hemingway chegou a pescar em Cabo Blanco até quatro merlins - o maior deles pesava mais de 300 quilos. Fiestas recorda ter consumido com o escritor muito "ceviche, fumo e Johnny Walker".
De clube de ricos à ruína
Prova da época de ouro é o "Cabo Blanco Fishing Club", que no seu momento de esplendor hospedou Hemingway e a esposa Mary Welsh, além de parte da alta sociedade de Hollywood daquela época, como Marilyn Monroe, Errol Flynn, Spencer Tracy, Paul Newman, James Stewart, Gregory Peck, Mario Moreno "Cantinflas", entre outros.
O clube está hoje em ruínas – abandonado e vandalizado. "Levaram até peças das casas de banho", disse um pescador do local. Atualmente, um segurança particular impede a entrada.
"Há 60 anos entrevistei Hemingway no bar do Fishing Club, onde me recebeu com um copo de whisky numa das mãos e um de água na outra. Assim começamos e terminamos quatro dias depois", disse à AFP Mario Saavedra, de 88 anos, o único jornalista peruano que fez uma entrevista exclusiva com o escritor, em Cabo Blanco, "em um castelhano misturado com inglês".
Saavedra colocou à venda nesses dias os 59 negativos das fotografias que tirou com Hemingway em Cabo Blanco, parte dos quais ilustraram um livro que publicou em 2005. O vencedor do prémio Nobel continua a ser um atrativo, mesmo 55 anos depois de se ter suicidado em Idaho, nos Estados Unidos.
A nostalgia de Cabo Blanco dá espaço ao barulho e a multidões a cada verão, quando chegam centenas de surfistas para apanhar as suas famosas ondas e tubos, com telemóveis e câmaras sofisticadas. É o século XXI para algumas pessoas.
No entanto, a vida continua para Guillermo Fiestas, pescador na casa dos 50 anos, que disseca e pinta peixes para vendê-los como recordação do que hoje é Cabo Blanco.
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