Vila Viçosa: do mármore aos bolos fintos, passando pelos Duques de Bragança

O Miguel testa as suas recordações de infância num passeio pelo centro histórico de Vila Viçosa.
Vila Viçosa: do mármore aos bolos fintos, passando pelos Duques de Bragança
Vila Viçosa Miguel Frazão

Vila Viçosa não foi um destino novo para mim. A primeira vez que lá fui tinha eu dois meses. A última tinha 14 anos. Até lá não falhei um único verão. Sete anos depois regressei, e apesar de a vila estar mais ou menos na mesma, visitei-a com um novo olhar.

Quando era pequeno já tinha ido ao Paço Ducal e a minha única memória era a cozinha, talvez por ser uma das maiores da Europa. Também já tinha visitado o castelo e o Museu de Arqueologia e da Caça.

Na altura, Vila Viçosa resumia-se para mim às piscinas e aos gelados da D. Eugénia, da Pastelaria Azul. Chegar à vila e ouvir a rádio nos altifalantes era sinal de que as piscinas estavam abertas e prontas para me receber. Todos os anos chegava lá na expectativa de encontrar algo diferente, desde a pintura dos ferros que tinha passado de azul a vermelho, aos chapéus de sol que uma vez eram de palha e depois deixaram de ser, ao nadador salvador que ia sempre mudando. Desta vez, as piscinas nem sequer estavam nos planos, não por ainda estarem fechadas, mas porque os meus interesses agora eram outros.

Cheguei a Vila Viçosa ao fim da tarde de sábado para que pudesse dedicar todo o domingo a explorar o centro histórico. Acordei bem cedo até porque a Tapada do Padre Rosa, onde a Maria João e o Pedro me acolheram, fica a cerca de 3km da vila.

Da Tapada do Padre Rosa a Vila Viçosa

Deixo a Tapada do Padre Rosa na companhia da Sissi e do Rui Paquito, a cadela e o cão da Maria João e do Pedro, que decidem seguir os meus passos nos primeiros metros de caminhada.

O percurso entre a Tapada do Padre Rosa e Vila Viçosa faz-se por uma estrada cujas laterais são definidas pelos montes.

Tapada do Padre Rosa
Tapada do Padre Rosa créditos: Miguel Frazão

As poucas construções pelas quais vou passando remetem-nos para os anos 50 do século XIX.

A Tapada do Padre Rosa também é da mesma época. Na verdade, o Padre Rosa nunca chegou a ser Padre porque frequentou o seminário, mas não o concluiu. No entanto, as pessoas da vila sempre o assumiram como tal. Aos poucos começo a ver o Campo de Tiro de Vila Viçosa, onde um grupo de pessoas joga à malha, e aproximo-me da vila.

Praça da República

Agora que entrei na vila, o meu destino é o Palácio Ducal. Depois de passar pelo Mercado Municipal atravesso a Praça da República.

Praça da República
Praça da República créditos: Miguel Frazão

É um dos pontos principais da vila. Numa das pontas ergue-se a Igreja de São Bartolomeu, na outra, o castelo. A calçada portuguesa está presente tanto na praça, como nas restantes ruas do centro histórico.

Também é lá que encontramos o busto de Florbela Espanca, a poetisa que popularizou Vila Viçosa. No entanto, para ver a casa onde a também pioneira do movimento feminista em Portugal viveu, há que percorrer a Rua Florbela Espanca.

Rua Florbela Espanca

A Rua Florbela Espanca liga a Praça da República ao meu destino final, o Palácio Ducal. Na verdade, já lá tinha passado na véspera. A Maria João e o Pedro levaram-me a jantar no restaurante que partilha do mesmo nome da rua onde está situado.

Visto de fora o espaço parecia pequeno, mas à entrada a perspetiva já era outra. Foi lá que provei e aprovei migas de espargos e carne de porco à alentejana. Num só jantar conheci um pouco da cultura árabe, através das migas, e da cultura celta, graças à carne de porco à alentejana, já que foram os celtas que trouxeram para o Alentejo a carne de porco através da tradição da caça e da pastorícia. Na manhã em que passei à porta do Restaurante Florbela Espanca durante a minha caminhada, lá estava o dono, que conheci na noite anterior, a preparar tudo para o almoço de domingo. O Zé Sobras, como é carinhosamente conhecido, não gosta que se deixe comida no prato.

Paço Ducal de Vila Viçosa

O Paço Ducal surpreende pelo tamanho. São 110 metros de fachada.

O calor que se faz sentir na rua contrasta com o ar fresco que circula lá dentro. Trata-se de um espaço de múltiplas histórias.

Paço Ducal de Vila Viçosa
Paço Ducal de Vila Viçosa créditos: Miguel Frazão

A cozinha é a maior da Europa. Não em tamanho, mas por ter mais de 600 peças em cobre. De três em três anos, uma equipa de 6 pessoas dedica-se durante um mês à limpeza de todas as peças e o processo decorre à frente dos visitantes para que estes possam acompanhar de perto.

A decoração do palácio não é igual à da época em que ele era utilizado como residência de férias. Ou melhor, a mobília é a mesma, mas a sua disposição é diferente. Só quando os monarcas se deslocavam a Vila Viçosa é que o espaço era mobilado, pelo que o fim da monarquia ditou o encerramento do Paço Ducal e a retirada de todos os móveis e elementos decorativos. Reabriu apenas nos anos 40 do século passado por vontade de D. Manuel II expressa em testamento. O edifício pertence agora à Fundação da Casa de Bragança.

Saio do palácio bem perto da hora de almoço, mas antes de seguir viagem faço ainda uma visita à Coleção de Carruagens, onde se pode ver a viatura em que D. Carlos circulava quando foi assassinado em Lisboa a 1 de fevereiro de 1908.

Estação ferroviária de Vila Viçosa

A tarde começou com uma visita ao exterior da antiga Estação Ferroviária de Vila Viçosa.

Os poucos metros de carris que ainda sobram estão agora enferrujados e praticamente cobertos de ervas.

Em oposição, o interior da estação transformou-se no Museu Agrícola e Etnográfico.

Em tempos foi também o Museu do Mármore, que atualmente se ergue junto à Pedreira da Gradinha, na saída para Borba. O mármore é um dos símbolos de Vila Viçosa, Borba e Estremoz. Das pedreiras destas três regiões alentejanas, o mármore português chega a todo o mundo.

Estação ferroviária de Vila Viçosa
A estação ferroviária desativada de Vila Viçosa créditos: Miguel Frazão

Castelo de Vila Viçosa

Escolho fazer o caminho mais longo para chegar ao castelo, passando primeiro pela Praça de Touros e pelo Largo dos Capuchos.

No castelo, o passeio faz-se pelas muralhas, edificadas a pedido de D. Dinis.

O percurso das muralhas é circular. Vê-se a Praça da República, o Paço Ducal, muito campo e as pedreiras de Borba.

Castelo de Vila Viçosa
Castelo de Vila Viçosa créditos: Miguel Frazão

Vila Viçosa esteve sob o domínio de Castela até voltar a ser portuguesa após a Batalha de Aljubarrota.

No fim da crise de 1383-1385, Vila Viçosa foi entregue por D. João I a D. Nuno Álvares Pereira, que, por sua vez, doou a vila ao neto, D. Fernando, conde de Arraiolos e mais tarde Duque de Bragança. Foi a partir desta altura que os Duques de Bragança passaram a frequentar a região, tendo como residência a alcáçova do castelo até se iniciar a construção do Paço Ducal. É na alcáçova do Castelo que agora se encontra o Museu de Arqueologia e da Caça, também eles propriedade da Fundação da Casa de Bragança.

Pastelaria Azul

O dia está a terminar e antes de regressar à Tapada do Padre Rosa para a minha última noite em Vila Viçosa fiz a habitual visita à Pastelaria Azul.

A D. Eugénia e o Toi continuavam na pastelaria tal como na última vez que lá tinha ido, há sete anos. Reavivámos memórias, enquanto matava saudades dos bolos fintos que há tanto não comia. A velha máquina dos gelados que continua a ser uma das maiores atrações de Vila Viçosa ainda não estava a funcionar, mas os gelados ficam para o verão, até porque prometi regressar à vila num intervalo de tempo bem mais curto do que aquele que deixei passar entre 2016 e 2023.

A estadia foi oferecida pela Tapada do Padre Rosa e as entradas no Paço Ducal, Coleção de Carruagens, Museu de Arqueologia e da Caça foram asseguradas pela Fundação da Casa de Bragança.

O Miguel estuda jornalismo, pratica esgrima e nos tempos livres escreve sobre as viagens que faz no seu blog, Ponto de Fuga, onde uma versão deste texto foi originalmente publicada.

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