Era uma viagem de muitos dias para lugares menos agrestes do que a altitude das serras da Estrela ou de Montemuro, para onde tinham feito a transumância estival.
Foi assim durante séculos e o registo da última grande transumância foi em 1999, na bonita Serra de Montemuro, próximo de Castro Daire.
Agora há apenas pequenas deslocações e com muitas menos cabeças de gado.
A transumância teve um papel muito relevante na economia destas regiões, de tal forma que foi sujeita a legislação e regulamentos. Foi importante para a economia de auto subsistência de muitas comunidades e para as indústrias da lã e do leite.
A evolução tecnológica, a gestão de águas para regadio, as ferragens, novas formas de guardar os animais (é exemplo a cerca com o fio eléctrico) e a desertificação do interior foram os contributos mais relevantes para o fim desta tradição e até para o abandono de pequenos povoados onde algumas famílias viviam parte do ano. É o caso da aldeia de Pontes, próximo de Castro Laboreiro, que era uma inverneira.
A concentração de animais ajudava a propagação de doenças e os veterinários colocavam também muitas restrições à transumância, além de outro tipo de dificuldades resultantes da criação de parques naturais e reservas ecológicas.
Esta concentração de pastores e animais funcionou durante séculos como um pólo de culturas, um intercâmbio de músicas, cantares, trajes, técnicas e utensílios agrícolas... até alguns animais eram engalanados para assinalar a grande festa da pastorícia.
A marca destas passagens, duas vezes por ano, ficou registada em alguns locais e é revisitada com festas e romarias. Do levantamento que fiz, a grande maioria destes eventos é na transumância estival, quando do caminho para as serras e para os planaltos. É o caso do Dia do Brandeiro, na branda da Aveleira, próximo de Melgaço, que assinala esta transumância no início de agosto.
Em Castro Daire quase um milhar de animais percorreram o centro da vila no final de junho e o registo fotográfico e outros materiais da pastorícia podem ser vistos no museu municipal. No inicio de julho foi em Seia, onde é hábito decorar as ovelhas bordaleiras com tufos coloridos de lã. Em Fernão Joanes, na Guarda, a festa foi em meados de julho.
A transumância de inverno é assinalada em Alpedrinha, nos próximos dias 15, 16 e 17, com a Festa dos Chocalhos.
O evento faz parte da Grande Rota da Transumância com pastores das planícies a Norte do Tejo que percorriam uma centena de quilómetros até à Serra da Estrela e atravessavam a Gardunha.
Todos estes eventos são uma oportunidade para se descobrir ou revisitar o mundo das serras e da pastorícia. Gastronomia, trajes, pastores, cães, instrumentos para tosquiar as ovelhas, desfiar a lã, utensílios para guarda e proteção dos animais, o leite, a manteiga e o queijo. São inúmeros os sinais de uma cultura secular que persiste apenas em algumas casas e tende a desaparecer.
Informação detalhada sobre transumância pode ser obtida na dissertação de Diogo Gil Morgado sobre Pastoreio em Manteigas: Transumância no passado e no presente.
Viagem à transumância faz parte do podcast semanal da Antena1, Vou Ali e Já Venho, e pode ouvir aqui. A emissão deste episódio, Viagem à transumância, pode ouvir aqui.
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