Tiago Mateus é um fotógrafo de natureza que se propôs a registar, ao longo de dois anos, a sobrevivência e resiliência em Portugal do pinheiro-manso. O resultado é um conjunto de dez imagens a preto e branco, tiradas nas regiões de Setúbal e Serra do Montejunto, que mostram a "personalidade" de vários exemplares da árvore.
O seu trabalho, intitulado "Pinus Pinea" (o nome científico da espécie de pinheiro), foi recentemente distinguido no concurso internacional Natural Landscapes Photography Awards, na categoria de projeto do ano, e aproveitámos a distinção para colocar ao fotógrafo de 41 anos, a viver em Almada, algumas perguntas sobre o reconhecimento obtido.
É o teu primeiro projeto à volta de árvores? Como te interessaste por fotografia de natureza?
Tiago Mateus: O meu interesse pela fotografia de natureza surge em 2013 numa viagem de dez dias pelo parque Nacional dos Picos de Europa em Espanha, na altura apenas tinha um telemóvel para fotografar e isso frustrou-me imenso. Quando regressei comprei a minha primeira câmara em segunda mão e comecei por experimentar vários géneros de fotografia, ainda não sabia bem o que queria fotografar. Contudo, sempre gostei de fazer caminhadas e de registar o que encontrava nos percursos. Mas não passavam disso, registos. A certa altura, começou a incomodar-me cada vez mais o elemento humano nas minhas fotos feitas durante as caminhadas, muros, postes, casas, eólicas, estradas, criavam-me uma certa comichão. Foi só a partir de 2017 que tomei uma decisão que mudaria a minha fotografia. Decidi tentar excluir qualquer elemento de origem humana nas minhas fotografias e a partir daí dediquei-me exclusivamente à fotografia de natureza. Em 2019 comecei a desenvolver os primeiros projetos fotográficos, queria dar mais sentido às fotografias e que houvesse uma narrativa por trás das imagens. Nunca fui fotógrafo de grandes chapas de lugares “instagramáveis”, pelo contrário, sempre me interessou as histórias que a natureza tem para nos contar, mesmo as mais modestas. Também nunca senti necessidade de ir a locais exóticos e longínquos para fazer a minha arte, por isso em 2021 iniciei o meu primeiro projeto dedicado às árvores e às suas histórias, o “Pinus-Pinea”, aqui perto de onde moro.
O que te chamou a atenção no pinheiro-manso para lhe dedicares um projeto fotográfico?
O início deste projeto tem uma história curiosa. Uns anos antes, durante uma colaboração com o realizador de cinema de animação Miguel Pires de Matos para um filme de animação que era produzido na altura, foi necessário fazer um levantamento fotográfico de matas ou florestas com espécies autóctones em Portugal, que se assemelhassem às florestas litorais mediterrânicas. Foi durante este trabalho, onde fotografei diversas matas na península de Setúbal, que me apaixonei pelo pinheiro-manso. É uma árvore com uma personalidade muito marcada, um grafismo incrível amplificado ainda mais pelo preto e branco. Desde esse levantamento fotográfico fiquei fascinado com as enormes copas e com as formas dos troncos e ramos que estes pinheiros adquirem junto ao litoral.
Explicas na apresentação do projeto que reuniste fotografias tiradas ao longo de alguns anos. O projeto estava pensado de início ou foi algo que foi ganhando sentido ao longo do tempo?
Sim, vou agora no terceiro ano deste projeto, mas todo o trabalho realizado e que ainda me falta concluir segue um planeamento. Comecei por focar-me mais nas personagens mais marcantes que se podem encontrar nestas matas, que geralmente têm histórias mais dramáticas para nos contar. A minha intenção inicial foi retratar a árvore mártir da costa portuguesa. O pinheiro-manso é uma árvore muito resistente e está normalmente exposta a condições ambientais muito adversas como a seca estival, os terrenos arenosos, a maresia e fortes tempestades que vêm do Atlântico durante o inverno. Estas difíceis condições deixam marcas profundas na vida destes gigantes que do ponto de vista fotográfico são interessantíssimas. Depois comecei a olhar mais para a floresta na totalidade e a procurar relações e interações entre árvores. Após passarmos algum tempo na floresta começamos a ver que tudo nela se relaciona, desde os pequenos arbustos, os fungos, as árvores de diferentes espécies e os animais que nela habitam. No futuro pretendo dedicar-me mais às espécies que coabitam nestas florestas e que também se relacionam com o pinheiro-manso como, por exemplo, a Esteva, a Camarinha, a Aroeira, o Medronheiro e até o Pinheiro Bravo. Quero também dedicar um espaço no projeto para os detalhes como texturas das cascas ou as pinhas. Mas como é claro, tudo do ponto de vista artístico e não biológico.
Podes falar-nos dos lugares por onde passaste para fotografar estes pinheiros? São sítios que fazem parte do teu quotidiano ou que procuraste ficar a conhecer?
Alguns dos locais descobri durante o levantamento fotográfico para o filme de animação que referi anteriormente, outros já conhecia das minhas caminhadas. Todos eles ficam ou na Península de Setúbal, ou na Serra de Montejunto, ou no Parque Natural Sintra-Cascais. Não tenho por hábito divulgar lugares exatos de ecossistemas que considero serem muito frágeis, a não ser para públicos de elevada educação ambiental ou a colegas fotógrafos que tenham o mesmo respeito pelos ecossistemas do que eu. A natureza vem sempre em primeiro lugar. Muitos destes locais têm solos arenosos muito frágeis com fungos, líquenes e pequenas plantas que é preciso preservar para o bem de toda a floresta e dos seus animais. Ficaria destroçado se o meu trabalho contribuísse para danificar estes ecossistemas.
Que importância tem esta distinção tem para ti e que projetos se seguem?
Costumo dizer que fotografo só para mim, significa que se eu estiver satisfeito com o resultado isso para mim já me basta, mas a validação dos nossos pares e do público que aprecia este tipo de arte é extremamente importante na carreira de qualquer fotógrafo. Ver o meu trabalho numa janela aberta ao mundo como é a competição NLPA e receber um retorno tão positivo de todos é algo que enche o coração e que me deixa muito grato. Espero que esta distinção me abra algumas portas no futuro. Sou um fotógrafo ainda muito novo, mas já sonho com um livro e com uma exposição individual. No futuro pretendo dedicar mais tempo às montanhas, ao que eu chamo “A minha Montanha”, enquanto sou novo e tenho força para carregar os equipamentos pelas encostas acima.
Podem acompanhar o trabalho do Tiago Mateus na sua página oficial.
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