Com várias caminhadas temáticas a começar à mesma hora, cada visitante escolhia o caminho a seguir tendo em conta as suas preferências, grau de dificuldades. De geologia a geocahing e de moinhos a cogumelos, começamos pelo “Os caminhos a azeitona e do medronho” – 6 km num grau fácil de dificuldade, mas com muitos sabores, pausas pelo caminho, enquadrando as paisagens com as histórias e tradições da região.

O percurso começou solarengo e por trilhos verdejantes perto do Alferce. Depois de um par de quilómetros, encontramos a adega de José Paulo e um dos ex ex-líbris da região algarvia – a aguardente de medronho. O fogo no chão dá luz e calor à adega e o anfitrião acalenta os convidados a revelar as fórmulas do medronho.

Recorda os incêndios de 2018, que devastaram a região, e que o levaram a estar os últimos três anos sem produzir. Sem querer agoirar, mas visivelmente expectante de um bom ano, gaba a recuperação destas árvores e afirma que “o medronho está espetacular em termos de calibre”.

Festival de Caminhas de Monchique
Festival de Caminhas de Monchique José Paulo, do Monte da Lameira, explica como se produz aguardente de medronho créditos: Bárbara Gouveia

Entre o cheiro do mosto do fruto já esmagado e a fermentar e a luz acolhedora do fogo, José Paulo relembra os tempos passados em que várias famílias de quinteiros guardavam os truques para a melhor aguardente: a forma de apanhar o fruto, a época, e forma. “Esta competição entre as famílias era muito saudável e ajudava à qualidade do produto”, conta. Isto passava-se ainda na década de 1960, mas desde então também muito mudou. “As casas ainda estavam todas habitadas”, recorda o responsável pelo Monte da Lameira.

Lagar dos Pardieiros: um ponto de passagem com história e sabores

Memórias semelhantes da região deve ter o avô de Miguel Bigodinho, o jovem de 22 anos e que dá a cara pelo Lagar dos Pardieiros. É ele o guia do percurso circular e que dá a conhecer o lagar e a transformações que sofreu nos últimos anos.

“Os meus avós não acharam muita piada”, começa por contar o rapaz. Desde que se recorda quis ser agricultor, estudou Agronomia na Universidade de Évora e agora é ele o responsável pela produção de azeite da família. O avô, habituado a vender azeite a garrafão, não acreditava que haveria interesse na compra de azeite por garrafa.

O lagar existe desde 1947 e é desta família desde 1952. Tem passado de geração em geração e ainda se mantém parecido com o original.

Há cerca de “dois ou três anos” as coisas começaram a mudar um pouco. Tanto Miguel como a irmã Leonor Santos dedicaram-se ao negócio da família e renovaram-no. Começaram a ir aos mercados de Natal e a mostrar o azeite. Alguns chefs gostaram e neste momento já se encontram representados em restaurantes de renome. Aliás, “às vezes, chegam pessoas que procuram a garrafa de meio litro e já não temos”, conta Miguel, que controla a produção, as variedades de azeitona, a melhor época de colheita, etc.

Miguel Bigodinho
Miguel Bigodinho Os irmãos Miguel Bigodinho e Leonor Santos créditos: Bárbara Gouveia

“Os avós acharam que era loucura, mas agora também gostam de ver as visitas”, conta o agrónomo. Juntos, os irmãos Miguel e Leonor estão a tornar o pequeno lagar no Alferce num marco gastronómico mas também turístico da região.

Trilho da Fóia: quando o Algarve é floresta, serra e paisagens desafogadas 

Festival de Caminhadas de Monchique
Festival de Caminhadas de Monchique Um dos grupos a percorrer o Trilho da Fóia. Pode ver-se Picota do lado direito créditos: Almargem/Via Algarviana

O caminho segue a partir do ponto mais alto do Algarve, a Fóia, a 902 metros de altitude. Entre nevoeiro cerrado e o céu limpo e luminoso, o topo da serra algarvia ofereceu várias cores a quem ali passou durante o fim de semana prolongado.

PR3 MCQ é a matrícula do percurso: a Pequena Rota 3 de Monchique, que faz parte de um conjunto de 12 rotas mais curtos da Via Algarviana. O grau de dificuldade sobe para “algo difícil”. São 6,8 km em que o sol ajuda a revelar a paisagem deslumbrante do Algarve – é possível ver o mar e o litoral da região.

O caminho começa em asfalto, mas rapidamente transforma-se em terra e é rodeado por bosques autóctones de sobreiros combinados com plantações de pinheiros, eucaliptos, medronheiros e castanheiros. Passamos por vacas e pastores e apreciamos a mistura de cheiros verdes de rosmaninho com eucalipto e do ar fresco da serra.

Daqui vê-se a Picota: o segundo ponto mais alto da região, com 774 metros de altitude.

Para quem tiver mais tempo (e pernas!), este trilho cruza a Grande Rota 13 da Via Algarviana – o sector 11, de Monchique a Marmelete, e é possível percorrer os 14,70 km deste troço.

Rota das Adelfeiras: entre a flora única e a reflorestação da serra de Monchique

O caminho começa de novo no topo da Fóia mas vamos noutra direção e com outro objetivo: saber mais sobre as adelfeiras e a vegetação autóctone da serra. Mauro Raposo é um dos guias do percurso. É arquiteto paisagista e especialista em geobotânica, investigador da Universidade de Évora e membro do Life-Relict, um projeto que conta com vários parceiros entre eles o Município de Monchique, e que visa recuperar e incrementar os adelfeirais bem como diminuir as suas ameaças.

É notório que, mais do que o interesse académico, há uma grande paixão pela botânica quando o vemos serra adentro a identificar planta por planta, a contar as várias curiosidades de cada uma delas ao grupo que se junta na caminhada de 8 km. “Há plantas extraordinárias”, afirma logo com entusiasmo no início da visita.

Mauro Raposo
Mauro Raposo Mauro Raposo, investigador, durante o percurso na Rota das Adelfeiras Bárbara Gouveia

Primeiro, apresentar a adelfeira, que dá o nome à rota que nos propomos a fazer. A planta está em vias de extinção e é considerada “a relíquia da Laurissilva Continental”. “Só existe em Portugal e no sul de Espanha. É exclusivo da Península Ibérica”, explica o investigador. Além do grupo na Serra de Monchique há também outro núcleo no Caramulo.

Via Algarviana: como se constrói uma rota pedestre do Guadiana ao Atlântico?
Via Algarviana: como se constrói uma rota pedestre do Guadiana ao Atlântico?
Ver artigo

Esta vegetação “gosta bastante de água e dá-se em zonas perto do mar onde a amplitude térmica não é muito elevada”, explica Mauro. Apesar de existirem há milhões de anos, e o microclima da Serra de Monchique ter contribuído para o seu desenvolvimento, “não estão muito adaptadas às alterações climáticas e estão em regressão”, conta.

Com flores rosas ou lilás, este arbusto pode atingir cerca de três metros de altura. A melhor época para apreciar esta relíquia é entre maio e junho, quando ocorre a floração. Ao longo do percurso, há sinalética com um QR Code para descarregar um audioguia, no qual é possível aceder a toda a história e curiosidades sobre a adelfeira.

Além da beleza e cor que trazem à serra, os adelfeirais são importantes para “o bem-estar humano, já que ajudam na proteção do solo, minimizando a erosão; contribuem para a formação de solo e são refúgio para outras espécies de flora e fauna”, tal como descreve o site do Life-Relict.

De qualquer modo, mesmo no outono ou inverno, em que é raro encontrar uma flor, o caminho é agradável de se percorrer. São apenas 1,54 km que se cruzam com vários trilhos da Via Algarviana, passamos por castanheiros ou avezinhos – árvores também bonitas com os ramos despidos ou repletos de bolinhas vermelhas a precipitarem as memórias do Natal.

Monchique com mais caminhos para andar

Rosa Marques, técnica de Turismo da Câmara Municipal de Monchique, conta no final do evento, que decorreu de 1 a 4 de dezembro, que estiveram mais de 400 pessoas inscritas e que o balanço foi bastante positivo. “A maioria são portugueses mas já se nota o interesse de alguns estrangeiros”, adianta. Sobre as atividades com mais interesse, afirma que a caminhada sobre cogumelos “esgotou num instante” e que “também houve muito interesse pelo trilho das adelfeiras”.

Também Helena Martiniano, a vereadora do Turismo do município, que acompanhou várias caminhadas do festival deixou no ar a hipótese de se virem a fazer mais atividades do género durante o ano. Certo é que há muitos caminhos ainda por percorrer nesta região popularmente conhecida pela praia e pelo turismo de massas e que encontra em Monchique um oásis para os amantes da natureza.

O SAPO Viagens viajou até Monchique e participou nas atividades do Festival de Caminhadas a convite da Almargem.