Localizada na Rua Barbosa du Bocage, em pleno centro histórico de Sintra e bem perto do Palácio de Seteais, a história da Quinta da Regaleira perde-se no tempo e a documentação anterior à sua compra pelo famoso Carvalho Monteiro é escassa. Sabe-se, no entanto, que em 1697, José Leite adquiriu uma vasta área na Vila de Sintra que corresponderia, aproximadamente, ao terreno que hoje integra a propriedade, e que de 1715 a 1830 esse terreno teve vários proprietários, incluindo Manual Bernardo, que lhe deu a atual designação de "Quinta da Regaleira".
Em 1840, a quinta foi adquirida pela filha de um grande negociante do Porto (que mais tarde foi agraciada com o título de Baronesa da Regaleira) e, em 1892, foi por esta vendida, ao Dr. António Augusto Carvalho Monteiro (por 25 contos de réis). Foi a partir daqui que a Regaleira, tal como a conhecemos hoje, começou finalmente a ser construída.
Este fascinante conjunto de edificações e jardins é o reflexo direto dos interesses filosóficos do “Monteiro dos Milhões” (assim era conhecido Carvalho Monteiro), aliado ao talento do arquiteto-cenógrafo italiano, Luigi Manini.
Dono de uma imensa fortuna, Carvalho Monteiro nasceu no Rio de Janeiro em 1848, filho de pais portugueses, que cedo o trouxeram para Portugal. Era um ávido colecionador de arte e tinha várias peculiaridades espirituais, que se espelham nas muitas adições que fez à propriedade, principalmente nos extensos jardins, cheios de pequenos (e grandes) detalhes a que os franceses chamariam de "folies" ou construções decorativas que servem uma função estética e poética nos jardins românticos.
A contribuição de Manini, que por esta altura já tinha trabalhado como cenógrafo do Teatro São Carlos, do Teatro D. Maria II e tinha a seu cargo a decoração da sala do Teatro São Luiz, nota-se bem. A Quinta da Regaleira é um cenário tão incrivel que facilmente pode servir de fundo a qualquer peça de teatro ou ópera clássica.
O italiano foi também o arquiteto do Palace Hotel do Buçaco e, quando olhamos com atenção, verificamos que de facto existe uma semelhança grande entre o neo-manuelino de ambas as obras e que tanto o Buçaco como a Regaleira celebram a dimensão histórica e mítica de Portugal.
Nos jardins, porém, a diferença é notória, principalmente quanto ao seu simbolismo religioso. Enquanto no Buçaco predomina a tradição católica cristã, na Regaleira o cristianismo e o paganismo convivem harmoniosamente com várias referências literárias e iniciáticas. Símbolos templários e maçónicos aparecem um pouco por todo o lado, assim como referências à alquimia, ao rosacrucianismo e à Divina Comédia de Dante.
A Regaleira beneficia do micro-clima da Serra de Sintra que muito contribui para os seus jardins verdes luxuriantes e nevoeiros constantes que só adensam a sua aura de mistério.
Podemos passar horas a andar pelos enigmáticos jardins sem nunca conseguir ver tudo. Há sempre um novo detalhe para descobrir, um símbolo novo para identificar ou um caminho sinuoso para desbravar.
A Quinta da Regaleira, com os seus jardins, poços, grutas e capela, sugere um percurso simbólico ou real, que leva o visitante por um caminho que vai das trevas à luz. O Poço Iniciático é o maior símbolo disto. As nove plataformas dentro do poço lembram os nove círculos do inferno, nove secções do purgatório e os nove céus do paraíso. A jornada pelas plataformas, subindo as escadas em espiral, deve ser como um renascimento, um caminho para iluminação.
Apesar da diversidade de percursos que a Quinta da Regaleira oferece, todos os caminhos parecem conduzir à entrada deste outro mundo. Esta espécie de torre invertida que mergulha nas profundezas da terra e, consoante a natureza do percurso iniciático escolhido, nos leva ao abismo ou nos faz subir em direção ao céu.
No fundo do poço sobressai uma cruz templária e as galerias próximas, conduzem-nos, por autênticos labirintos, pelo mundo subterrâneo. Na sua maioria, estas galerias são de construção artificial, mas aproveitam as características geológicas da Serra de Sintra. Ao chegarmos ao exterior, esperam-nos a luz e os cenários minuciosamente construídos por Manini.
Carvalho Monteiro tinha o desejo de construir um espaço grandioso, em que pudesse viver rodeado de todos os símbolos que espelhavam os seus interesses e ideologias. Parece-me que ele foi muito bem sucedido nesse objetivo e nós, que agora podemos visitar este lugar mágico, é que ficamos a ganhar com isso!
Lugares mágicos e palácios de contos de fada não existem só nos livros. Eles também podem fazer parte da nossa realidade e, aqui em Portugal, fazem mesmo. A Quinta da Regaleira é um destes lugares imperdíveis.
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Artigo originalmente publicado no blogue The Travellight World
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