A ordem de grandeza da mais recente criação em LEGO do Sérgio Batista só fica evidente quando a vemos junto ao seu criador, que fez questão de se fotografar deitado ao seu lado para lhe dar um sentido de escala. Com 10 mil peças e 5 quilos, a miniatura do comboio MiraDouro é tudo menos pequena.
Aos 37 anos, o software tester combina a sua paixão por LEGO com o seu interesse pelos caminhos de ferro para recriar modelos de comboios e estações ferroviárias. Quisemos saber mais sobre a sua versão do comboio da Linha do Douro e o seu hobby.
É óbvio pelo teu Flickr que tens uma paixão por LEGO e comboios. Como te ocorreu misturar os dois mundos e começar a fazer miniaturas de modelos de comboios?
Ambas surgiram em criança, não consigo identificar o trigger de quando começou o gosto por comboios, lembro-me dos meus pais fazerem com muita frequência a linha de Sintra comigo no final dos anos 80, início dos anos 90, e eu adorava ir à janela principalmente quando chegávamos a Campolide (Parque e Oficinas). Na altura, eram feitas pelas Automotoras da Serie 2000 e 2050, ainda tenho na memória o cheiro do ferro com ferro provocado pelos rodados nas linhas.
O LEGO sempre foi um brinquedo caro, os meus pais não tinham possibilidade de me oferecer sets maiores de comboios, então inventava usando outros materiais, aos 8 ou 9 anos fiz as minhas primeiras réplicas de comboios portugueses, usando peças LEGO, fita isoladora, papel, plásticos dos garrafões, tudo o que havia à mão.
Em adulto, já com os meus próprios rendimentos, comprei os meus primeiros comboios em LEGO, no eBay comprei um (para mim o melhor) comboio que a LEGO comercializava nos anos 90 que eu namorava bastantes vezes nos catálogos, o 4558 Metroliner. Não demorou muito a pensar "e se eu fizesse comboios portugueses mas com LEGO?" novamente.
Em meados de 2007 descobri uma ferramenta de construção digital, o Lego Digital Designer, esta ferramenta continha uma lista limitada de peças e apenas tinha de usar o cursor para as selecionar e ir encaixando umas nas outras. A construção era livre, ou seja a criação partia da imaginação de cada um. Após várias horas a tentar perceber como se usavam as ferramentas fiz a minha primeira criação, a tentativa de replicar um comboio Intercidades.
A partir daí comecei a criar cada vez mais e a melhorar a minha criatividade, a tecnologia também avançou, o LEGO Digital Designer foi descontinuado e hoje em dia uso o Stud.io (que curiosamente também uso no meu trabalho) é uma excelente ferramenta para planear os modelos e, inclusive, mostra a lista de peças necessárias caso queira construir com peças físicas, este software também permite renderizações que mostram mais aproximadamente de como seria o modelo na vida real (exemplo de uma carruagem Schindler renderizada).
Muitas vezes, a construção digital não é valorizada porque por falta de conhecimentos, muitas pessoas pensam que basta carregar em meia dúzia de botões e o computador faz tudo por nós, mas não é o caso, somos nós que encaixamos as peças uma a uma, tal e qual como construir com peças físicas.
Podes descrever algumas das etapas envolvidas na construção do teu MiraDouro? Envolveu muito trabalho de pesquisa?
O planeamento na maioria das vezes começa por criar o modelo digitalmente, normalmente demoro uma semana por cada elemento, isto é, cerca de 40 horas para desenhar a locomotiva, outras 40 por cada carruagem, sendo que o processo é tentativa e erro até chegar ao resultado pretendido.
Faço um grande trabalho de pesquisa de fotos e desenhos técnicos dos modelos originais, curiosamente nunca andei no Miradouro nem nunca vi uma carruagem Schindler ao vivo.
A maioria do tempo gasto é na aquisição das peças, o Miradouro em LEGO é na escala aproximada 1:45 porque eu uso escala realista ao contrário dos comboios comercializados pela LEGO que são feitos para crianças brincar, então o modelo anda na casa dos milhares de euros, vou comprando aos poucos mensalmente.
Depois, ou vou construindo à medida que vou adquirindo as peças, ou construo tudo de uma vez depois de as ter todas, no caso do Miradouro foi a segunda opção, demorei umas 20 horas a construir tudo fisicamente.
Quanto às 10 mil peças, são todas encomendadas à LEGO? Ou são feitas por ti?
Existe um mercado paralelo num site que é o bricklink.com (que acabou por ser adquirido pela LEGO). Neste mercado existem várias lojas ou particulares a vender tanto sets como peças avulso, há inclusive várias lojas em Portugal.
Nos meus modelos uso 98% peças LEGO ou 3rd Party (peças alternativas compatíveis que colmatam a falta de algumas peças que a LEGO não faz, como por exemplo carris de curva com ângulos mais realistas e largos que os da marca original, que só tem um tipo).
Os 2% não-LEGO que uso são luzes micro-leds que costumo aplicar para aumentar o realismo e a jogabilidade dos meus modelos, assim como rolamentos nas carruagens, para suavizar o andar e não esforçar tanto os motores, pois cada carruagem pesa cerca de 1Kg.
O MiraDouro em LEGO tem luzes e pequenos motores. Isso significa que pode locomover-se?
As locomotivas que crio são todas motorizadas, uso motores LEGO. No entanto, quanto à bateria recorro a uma 3rd Party compatível (buwizz.com) que fabrica baterias de qualidade superior, mais potentes e mais versáteis que as da própria LEGO. Ou seja, sim, os meus comboios LEGO podem circular!
Como têm sido as reações ao teu trabalho com esta miniatura? Pensas apresentá-la numa exposição, por exemplo?
Algumas pessoas perguntam por curiosidade se vendo, mas rapidamente mudam de opinião ou ficam assustadas quando digo os valores apenas do material que me custaram a mim.
Já participei em vários eventos com outros modelos mais antigos, eventos de modelismo ferroviário e de LEGO.
Quando comecei a criar o Miradouro, no ano passado, tinha em vista apresentá-lo numa exposição em Braga este ano, inclusive sugeri à organização convidar alguns colegas/amigos dos Países Baixos que fazem o mesmo que eu. Estávamos a planear um layout com 30 metros com vários comboios Europeus circular (uma amostra do trabalho dos colegas dos Países Baixos pode ser vista aqui), mas devido a falhas de comunicação não iremos participar nesse evento.
No entanto, caso seja convidado para outro evento de modelismo ou LEGO, irei de certeza mostrar ao público não só o Miradouro como outras criações.
O que achas do verdadeiro MiraDouro?
Já viajei na Linha do Douro, mas no comboio histórico, e entre a Régua e o Tua a linha é mágica, sendo que na altura ainda não estavam as carruagens Schindler em funcionamento.
Visualmente são, na minha opinião, as carruagens mais bonitas que a CP tem, principalmente, as mais coloridas. E o serviço que prestam é idêntico ao histórico, mas mais confortável, e ao preço de uma viagem normal. Foi uma excelente iniciativa da CP, a recuperação e utilização destes modelos nesta linha, a qual aplaudo de pé. Infelizmente, ainda não tive oportunidade de viajar nelas.
Já tiveste alguma reação da CP?
Já tive algumas parcerias com a CP e com o Museu Nacional Ferroviário. Já emprestei modelos meus para eventos da CP. O mais notório foi nos 125 anos da Linha de Cascais, no qual houve uma circulação exclusiva do Comboio Presidencial, no qual fui um dos convidados na viagem, para apresentar a sua réplica em LEGO (entretanto desmontada, devido à necessidade de reutilizar as peças).
Já tive várias peças minhas numa exposição temporária que durou cerca de um ano no Museu Ferroviário do Entroncamento.
Por último, já tive alguns destaques internacionais com os meus modelos, sendo que o último foi o ano passado, em que fui o vencedor num concurso de criações originais de comboios com peças LEGO na categoria de "Comboios completos Europeus/Médio Oriente", com a minha réplica do recente comboio Interregional com a recuperada Locomotiva 2600 e as carruagens Arco que foram compradas à espanhola Renfe e recuperadas em Portugal.
Obrigado, Sérgio!
Podem seguir as criações do Sérgio na sua página Flickr.
Comentários