Por Emília Matoso Sousa

Depois de um pequeno-almoço tomado na companhia de um casal de peregrinos já habitué nestas andanças, e que nos deu algumas dicas, fizemo-nos à estrada. A chuva da noite anterior atenuou o calor, mas de manhã não passou de uma ameaça. O pior foi o desconforto causado pela humidade do ar.

Sendo Caldas de Reis uma simpática vila termal, decidimos juntar o útil ao agradável, fazendo aqui uma pausa de um dia para descansar e aproveitar os benefícios das suas águas, certamente reparadoras. E soube muito bem, pois no final da quarta etapa, já começam a surgir sinais de algum cansaço acumulado. O preço pago por esta ‘folga’ foi termos perdido o ‘nosso’ grupo. Podemos ser muitos e muito diferentes, podemos até caminhar desencontrados, cada um ao seu ritmo, mas o importante é que caminhamos todos no mesmo sentido e acabaremos por nos encontrar. Eis outra importante lição desta experiência.

A saída de Pontevedra faz-se pela Ponte do Burgo, sobre o rio Lérez, uma ponte medieval construída sobre outra de origem romana, sobre a qual passava a Via XIX. Os primeiros quilómetros são passados entre zonas de floresta, caminhos de terra e estradas secundárias. Pequenas localidades e campos de cultivo compõem a paisagem. Em Alba há uma igreja a merecer uma visita, algo que não pudemos fazer, por ser muito cedo e estar ainda fechada. Na Galiza há muitas igrejas ricas e imponentes, mesmo em locais quase perdidos no mapa. Mais à frente, em San Caetano, visitámos a respetiva capela e obtivemos um dos dois carimbos do dia. A primeira pausa foi feita em Barro, na Meson Don Pulpo, ponto de encontro quase obrigatório, e mais uma oportunidade para convívio entre peregrinos que, nesta altura, já são praticamente todos conhecidos uns dos outros.

A ‘estrela’ deste grupo é uma bebé de um ano e meio que, sempre bem disposta, acena a toda a gente distribuindo beijinhos e sorrisos. Uma aventura que irá recordar apenas através de fotos, mas que lhe dará um bom tópico de conversa em anos futuros.

De Pontevedra a Caldas de Reis
De Pontevedra a Caldas de Reis são 25km que atravessam florestas créditos: Emília Matoso Sousa
De Pontevedra a Caldas de Reis
As cascatas do Parque Natural do Rio Barosa créditos: Emília Matoso Sousa

Continuámos a caminhar por estradas secundárias, algumas muito bonitas. Ao Km 51 (104 da N550), fizemos um pequeno desvio (500 m) para visitar as cascatas do Parque Natural do Rio Barosa. A estrada aqui é movimentada, há que atravessar com muito cuidado. Este desvio passa despercebido a muitos peregrinos, por isso convém estar muito atento.

Trata-se de um lugar muito refrescante, com uma cascata belíssima de água cristalina e com um conjunto muito pitoresco de moinhos de água. Tudo isto, emoldurado por árvores frondosas que dão sombra a uma tranquila área de descanso. Diz, quem ali refrescou os pés, que estas águas fazem milagres..

Os quilómetros seguintes são percorridos entre terrenos agrícolas e vinhedos. Serão de Albariño? Plantados em latada, além de vistosos, fornecem magníficos túneis de sombra.

A entrada em Caldas de Reis faz-se pela ponte sobre o rio Umia, em cuja marginal há bares e restaurantes onde, mais tarde, os peregrinos se encontrarão e onde irão saborear as especialidades da zona. A adega O Moiño (um antigo moinho, claro) é o mais concorrido, pelo que convém reservar antecipadamente.

Famosa pelas suas águas termais, Caldas de Reis é um verdadeiro oásis para quem já traz tantos quilómetros nos pés e nas pernas. A Fonte Termal de Las Burgas é imperdível e todos vão, qual ritual, ‘mimar’ os pés na sua água benéfica e quente. Mas há quem prefira confortá-los no lavadouro público logo ali em frente. É maior e permite molhar também as pernas. É também um excelente local de convívio. Os balneários termais são outra opção para relaxar e atenuar o desgaste acumulado. E sim, meia hora dentro destas águas dão uma nova vida ao caminhante. Os músculos e a pele agradecem!

Caldas de Reis
Em Caldas de Reis, à noite. créditos: Emília Matoso Sousa

Caldas de Reis é uma vila com alguns encantos. Quem segue viagem deve, pelo menos, visitar a catedral e passear um pouco pela margem do rio Umia. Quem fica, como nós, terá todo o dia seguinte para fazer isso e muito mais.

Solidários com os restantes peregrinos, aproveitámos o dia de descanso para… caminhar. Mas foram apenas 10km. Ao passear pela margem do Umia, deparámo-nos com uma placa a indicar um trilho pedestre que se revelou surpreendente e que justifica uma visita a esta pequena vila. Fervenza de Segade, assim se chama o trilho, que segue paralelo ao Umia a partir do Parque Jardin Botánico y la Caballeira (também a justificar uma visita).

Fervenza de Segade
O trilho de Fervenza de Segade, paralelo ao rio Umia créditos: Emília Matoso Sousa

É como se percorrêssemos um corredor ladeado, do lado direito, pela impressionante galeria ripícola do rio, e do esquerdo, por vinhas e casas com hortas e jardins multicoloridos. O rio, ora corre tranquilo, ora se transforma em cascatas. A dado momento, somos surpreendidos por enormes arbustos de hortênsias, predominantemente brancas, ali plantadas e mantidas por uma habitante da zona. Uma simpática senhora, apaixonada pela natureza e propensa a conversas filosóficas sobre a necessidade de ‘cultivarmos’ o lado belo da vida. Cuidar da Natureza como se ela fosse o nosso próprio jardim e ensinar os mais jovens a respeitá-la também foi a lição que ali recebemos. Mais uma para a lista.

No final, e depois de ‘trepar’ por um caminho pedregoso e húmido, chegámos aos moinhos e à cascata. Um cenário ma-ra-vi-lho-so! O resto do dia foi passado entre passeios e banhos termais.

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A Emília Matoso Sousa é a autora do blog Caminhos Mil, onde escreve sobre as suas caminhadas pelo país. "Apenas pretendo guardar algumas das histórias e memórias que trago desses percursos e partilhá-las com quem, como eu, aprecia as coisas simples da vida..", conta.