Imagem: Naza 10 © Jorge Leal
A maioria das pessoas pode não se lembrar ao certo quando é que a Nazaré se tornou mundialmente famosa pelas suas ondas gigantes, mas há uma imagem inesquecível. É aquela imagem que mostra vagas enormes que parecem que vão engolir o farol e, ali no meio, um surfista deixa o seu rasto enquanto desce a imensa parede de água.
Esta fotografia foi uma das muitas (milhares, para sermos mais precisos) captadas por Jorge Leal, fotógrafo, videógrafo, realizador e designer, que acompanhou desde o primeiro dia aqueles que decidiram desafiar as ondas gigantes geradas pelo canhão da Nazaré na Praia do Norte.
Em 2010, Jorge estava na Nazaré para receber o surfista havaiano Garrett McNamara, o atleta que bateu o recorde de até então e surfou a maior onda do mundo em 2011. “Convidaram-me para ir à Nazaré receber o Garrett, sem expectativas, para ver se ele tomava a atitude de realmente tentar surfar as ondas gigantes. A partir daí, íamos começar um projeto, o North Canyon, que seria um projeto de três anos em que eu cobriria tudo o que acontecia e, no final de cada época, lançávamos um documentário. E assim foi”, conta Jorge Leal ao SAPO Viagens.
A Nazaré é a meca do surf de ondas grandes
“Aqueles três primeiros anos construíram a Nazaré. Tudo o que acontece a seguir vem sob o efeito de uma bola de neve”, refere o fotógrafo natural do Porto, que desenvolveu uma paixão pela Nazaré, acabando por mudar-se definitivamente para a vila há seis anos. Hoje, considera que “a Nazaré é a meca do surf de ondas grandes”.
Mas nem sempre foi assim e Jorge testemunhou com os próprios olhos (e lentes) a evolução desta vila piscatória do centro de Portugal. Antes da chegada de McNamara, os bodyboarders foram os primeiros “guerreiros da Nazaré”.
“Foram os primeiros a desafiar aquelas ondas, é claro que não na dimensão do que se faz hoje com o desporto de tow-in, em que és lançado para onda puxado por uma mota d’água”, explica. “Antigamente era tudo a braços e os bodyboarders tiveram a atitude de serem os primeiros a desafiar as ondas da Praia do Norte”, recorda o fotógrafo que chegou a ajudar na organização do campeonato de bodyboard Special Edition, antes de ter começado a acompanhar McNamara.
Da Praia do Norte para o mundo
Quando, em novembro de 2011, Garrett McNamara surfou uma onda de 23,8 metros na Praia do Norte não só colocou o nome da Nazaré no mapa do surfe mundial, como ajudou no processo de transformação de um lugar que, até então, tinha uma “carga muito negativa”.
“Muita gente perdeu a vida naquele mar, destruiu famílias, e as próprias mulheres e outros familiares [dos pescadores] chegaram a usar a falésia do farol para se suicidarem. Toda a Praia do Norte carregava uma energia negativa”, conta Jorge.
“A evolução da Nazaré foi muito interessante porque, quando cheguei em 2010, as pessoas começaram a perceber que nós íamos desafiar as ondas da Praia do Norte e inicialmente ficaram assustadas e diziam que nós éramos malucos”.
Ano após ano, percebe-se que a Nazaré está com uma dinâmica fantástica
Mas, depois, perceberam que naquela loucura havia “segurança” e que este desafio trouxe mais vida à Nazaré. “Nesta altura, também era uma vila envelhecida e hoje está rejuvenescida, está muita gente jovem a aparecer. Ano após ano, percebe-se que a Nazaré está com uma dinâmica fantástica. Este último ano é um exemplo, apesar de toda esta situação pandémica, que a Nazaré, tanto de verão como de inverno, consegue ter um nível de turismo muito acima do que eu senti quando cheguei lá”, realça.
“De ano para ano, consegue-se perceber que vem mais gente, a própria WSL [World Surf League] apareceu com a parte da competição” e novos recordes foram alcançados. As imagens de Jorge contribuíram também para que tudo isto acontecesse, apesar de não ter sido fácil nos primeiros anos.
“Trabalhamos por paixão, porque fazíamos aquilo que gostávamos, os apoios eram escassos, mas éramos apaixonados pela Nazaré e por aquilo que estávamos a conseguir captar que achamos, logo na altura, que ia ser uma coisa única”. Os três documentários feitos com muito suor “puseram a Nazaré no mapa-mundo”.
Depois disso, Jorge seguiu o seu percurso a solo, através da Polvo (agência de imagem fundada em 2007), e em algumas ocasiões juntou-se a outros surfistas com quem trabalha até hoje, como Maya Gabeira e Sebastian Steudtner – “duas pessoas muito importantes na Nazaré”. “A Maya, a primeira mulher a surfar lá, tem uma história incrível, com o acidente que quase lhe tirou a vida, e muita gente apenas conhece esta parte da Maya. Mas ela, depois de uma situação destas, volta à Nazaré para bater o recorde feminino da maior onda surfada, conseguindo, depois, bater o seu próprio recorde. Isto é uma história de superação inigualável”, conta.
Naza 10, uma exposição para sentir as maiores ondas do mundo
Não fosse a singularidade daquele lugar, nada disto teria acontecido. E por isso mesmo na exposição que agora podemos no ver no Teatro Chaby Pinheiro, na Nazaré, a onda é a principal protagonista.
“Organizei uma exposição de maneira que primeiro fosse a onda da Nazaré a protagonista. Isso é o mais importante para mim, que as pessoas entrem e sintam o que são as ondas gigantes da Nazaré”.
São 32 imagens, selecionadas entre milhares, algumas impressas em grandes formatos, e projeções de vídeos que mostram a beleza única do lugar e os guerreiros que ao longo de uma década desafiaram as ondas gigantes geradas pelo canhão. “A Nazaré não tem limites, debita as maiores ondas do mundo” – não há concorrentes.
Na Nazaré, uma vez dentro de água, ninguém está seguro
Quem decide desafiar estes gigantes indomáveis tem de estar pronto para tudo, inclusive quem vai fotografar ou filmar. “Na Nazaré, uma vez dentro de água, ninguém está seguro. Temos de ter connosco um piloto, confiar basicamente a vida nas mãos dele e estar preparados também”.
Os profissionais têm de estar preparados para situações de grande perigo. Jorge já levou alguns sustos com McNamara e Hugo Vau, mas tudo acabou por se resolver da melhor maneira. O fotógrafo que também pratica surfe assume, contudo, que é impossível não querer regressar à água. “É difícil de explicar, mas quando saímos [da água] damos outro valor às coisas”. “É esta adrenalina que nos faz viver e sentir isto de outra maneira”.
Fora d’água, são muitos os curiosos que se deslocam à Praia do Norte nos dias de grandes ondulações para observarem este espetáculo único da natureza. Para quem quer se desafiar atrás de uma máquina fotográfica, Jorge deixa a dica: “não fiquem no mesmo sítio por muito tempo porque a Nazaré é um anfiteatro natural belíssimo para trabalhar ângulos diferentes, com alturas diferentes”.
“Quando estou apenas com a câmara e um monopé, eu simplesmente não paro e, no final do dia, quando ponho as imagens no computador, é deslumbrante ver os ângulos que a Nazaré oferece para estas ondas. É tão bom que eu não consigo mais sair de lá”.
Essa história de amor ainda vai continuar e, quem sabe, será contada, no futuro, em livro. Para já, pode ver ao vivo e a cores a exposição Naza 10 até 6 de março.
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