Não, ainda não foi desta vez que escalei o Evereste. Há que começar por celebrar pequenas conquistas. Fui ao ponto mais a Sul de Portugal, que, embora possa parecer, não fica em Sagres. O Cabo de Santa Maria não é difícil de identificar. No meio da Ilha Deserta, em Faro, vários paus de madeira formam um triângulo, decorado com placas também elas feitas em madeira, que indicam a direção do país de origem daqueles que ali vão para fazer um check na sua lista de desejos.
Ainda em Olhão a minha mochila voltou a ganhar forma. Máquina fotográfica, toalha de praia, roupa para trocar, marmitas e necessaire estavam agora nas minhas costas. Avizinhava-se uma viagem de comboio para Faro.
Quando lá cheguei, o relógio da Sé ainda não assinalava as dez da manhã. Àquela hora o sol parecia querer aconchegar os visitantes da capital de distrito do Algarve, mas esquecia-se de que tinha mão pesada. Mesmo assim, o calor não retirava o entusiamo aos turistas que se contentavam com a simples ideia de tirar uma fotografia junto a um coração em três dimensões, precedido de quatro letras onde se lia, FARO.
Vindo da zona ribeirinha, entrei pela Porta Árabe, passei pelo Largo da Sé e para chegar ao Cais das Portas do Mar havia que sair pela Porta Nova e virar à esquerda. Dividi o caminho até ao ponto mais a Sul de Portugal em duas etapas. A primeira abrangia o percurso de barco entre Faro e a Ilha Deserta. Já a segunda dizia respeito ao trajeto de 1600 metros entre o Cais da Ilha Deserta e o Cabo de Santa Maria.
Entrei no barco para iniciar a Eco Tour, operada pela Animaris. No percurso até à Ilha Deserta estavam previstas paragens junto aos canais da Ria Formosa para observar as aves que ali vivem. A gaivota, a garça-real e o pilrito são as espécies mais fáceis de encontrar. No silêncio que me acompanhava pensava também nas espécies marinhas que com as alterações climáticas podiam estar a viver com a mesma quantidade de oxigénio do que aqueles que fazem o percurso entre o acampamento 2 e 3 rumo ao topo de Evereste. Estava enganado. Valha-lhes os sapais e ervas marinhas, que, não só purificam a água, como captam e armazenam 40 vezes mais carbono do que as florestas.
O barco parou no cais e assim que pisei pela primeira vez a Ilha Deserta vi que as minhas expectativas iriam ser correspondidas. É a única ilha-barreira no Algarve não habitada. A ausência de pessoas permitiu-me percorrer o passadiço acompanhado apenas pelas 55 espécies de plantas que integram a ilha. À medida que via as tábuas de madeira do passadiço ficarem para trás, sabia que me aproximava do meu destino – o Cabo de Santa Maria, o ponto mais a Sul de Portugal.
À chegada tirei uma fotografia. Olhei para a esquerda, para a direita, para a frente e para trás e não havia nada. Ou melhor, deparei-me apenas com uma placa a informar da existência de uma praia naturista. Estava todo um areal reservado para mim. Optei por manter o fato de banho vestido, mas não resisti à tentação de mergulhar numa das águas mais quentes do país.
Sim, estive numa Ilha Deserta, mas a civilização está à distância de um Ferry. Ainda bem que assim é, senão, talvez ainda hoje estivesse a ser perseguido pelas vespas que por ali andavam. É da maneira que continuo a ter uma certa lucidez para distinguir um cenário de Hollywood da vida real.
Agradecimentos: Obrigado à Animaris por me ter oferecido a Eco Tour na Ria Formosa, assim como o acesso à Ilha Deserta. Nunca é de mais agradecer ao Alexandre e à Cristina, que me acolhem sempre no AL Casa Grande, em Olhão, permitindo-me conhecer ainda melhor uma das minhas regiões preferidas do país.
O Miguel estuda jornalismo, pratica esgrima e nos tempos livres escreve sobre as viagens que faz no seu blog, Ponto de Fuga, onde uma versão deste artigo foi originalmente publicada.
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