Estou em Ho Chi Minh há algum tempo e deparo-me com coisas que, enquanto turista que cá passa uns dias, não teria a oportunidade de conhecer. No ano, passado quando cá estive a fazer voluntariado, conheci uma família vietnamita que hoje em dia me acolhe à hora de jantar todos os dias. Só não vou lá quando não quero porque de resto estou sempre convidada. Ao ter este contacto tão próximo com a vida deles fico a conhecer melhor a cultura local e como realmente se vive por cá. É uma família humilde, portanto imagino que em tantas outras se passe o mesmo.

Coisas que fui aprendendo com esta família

Janta-se no chão numa toalha do género piquenique. De pernas cruzadas, coisa que a mim me afeta a circulação e acabo sempre com as pernas adormecidas. A comida está servida em diferentes tigelas e cada um vai se servindo à medida que come. É normal termos como companhia baratas a circular mesmo perto. Como podem imaginar, a primeira vez que estava no chão a comer e vi uma barata a passar - uma senhora barata aliás - fiz logo sinais de alarmismo que os deixaram a todos a olhar para mim do género "o que se passa?". Logo que viram que a reação estridente foi por causa de uma barata, começaram a rir.

Senti-me um bocado parva por estar em pânico por causa de uma barata e eles ali na boa como se nada fosse, portanto hoje em dia, vejo-as passar e já é tão normal que nem um gemido faço. Eles não as matam. Deixam-nas andar na vida delas.

As baratas aqui são grandes, bem grandes e asquerosas, e voam. Imaginem o pânico. O miúdo a quem ensino inglês sabe que não gosto delas pois já viu muitas reações da minha parte e um dia até numa pegou por uma pata e a atirou a mim, mas ela voou.

Nesta casa moram 4 adultos e 3 crianças e existe um quarto. Dormem aos 3 a 4 numa só cama e sem colchão. No entanto, parecem-me pessoas felizes, apesar de não terem muito conforto. O casal não tem privacidade como tal. Um dia disse-lhes que queria oferecer uma noite num hotel aos dois para passarem um pouco de tempo juntos, e qual o meu espanto quando me dizem que não podem ir para um hotel senão nasce um bebé. Sim, isso mesmo. Hotel = Bebé. Calculo que não sejam os únicos a pensar assim.

Eles não usam toalhas depois do banho. Vestem-se assim todos molhados, mas também está sempre tanto calor que seca tudo muito rápido. Estou aqui há mais de 6 meses e a temperatura nunca baixou dos 25 graus.

Vietname: O que os turistas não sabem sobre Ho Chi Minh
Detalhes de Ho Chi Minh créditos: While You Stay Home

Sobre as casas de banho na Ásia

As casas de banho asiáticas são diferentes das nossas. No início achava-as nada cómodas e estranhas, mas agora acho-as as casas de banho mais inteligentes de sempre.

Existe uma mangueira ao lado da sanita sempre. Por muito tempo usei-a para lavar os pés pois não sabia que a sua funcionalidade era limpar as partes íntimas até ter visto um meme na Internet. Os pés ficam muito sujos por cá com a sujidade toda que há na rua, portanto para mim fazia sentido.

Aqui não se usa papel higiénico, mas sim esta tal mangueira que tem pressão. Bem pensado, só ajuda o ambiente pois não se usa papel, e também ajuda quando o papel acaba. Eu continuo a preferir o papel, até porque calculo que depois eles andem todos molhados, mas já estão habituados. Eu não.

O chuveiro não é fechado e portanto molha a casa de banho toda. Por vezes é difícil arranjar um local na casa de banho onde algo consiga ficar seco, isto quando são pequenas. Mas de resto acho a ideia muito inteligente se a casa de banho for de dimensões consideráveis. Não é preciso varrer nem passar o chão. Tudo fica limpo ao passar de uma chuveirada. De qualquer modo, aqui não se usam sapatos dentro de casa, o que acaba também por ser algo muito inteligente. Afinal, quanto tempo das nossas vidas passamos nós a limpar coisas?

Outras coisas que vou vendo na rua

Vietname: O que os turistas não sabem sobre Ho Chi Minh
Ho Chi Minh créditos: Pixabay

Aqui as pessoas não usam lenços para se assoarem. Elas fazem no diretamente para o chão. Não me perguntem como pois não sei qual o truque para tal proeza.

Os passeios podem ser para muitas coisas, mas dedicados a peões não são de certeza. Normalmente estão ocupados por motas estacionadas, vendedores de rua, ou mesmo motas em andamento. Sim, aqui as motas andam nos passeios e em todas as direções. Andar na rua descansada da vida não é possível. É preciso ter sempre atenção se vem uma mota ou outra tanto da frente como de trás. Não se respeita o sentido das ruas, mas ainda assim eles organizam-se muito bem. Existem mais motas do que pessoas em Ho Chi Minh e, acreditem, são mesmo muitas motas. Seria expectável que houvessem menos motas quando chove. Desengane-se. É só colocar um casaco de chuva e voilá. Quando começa a chover vêm-se filas de motas paradas e as pessoas a vestirem os seus casacos de chuva. E não pensem que isso os faz andar mais devagar, apesar de aqui muitas ruas se transformarem em riachos. A ideia é quanto mais rápido chegar a casa melhor.

Atravessar a rua é complicado por vezes. Os turistas parecem em pânico quando o fazem e desatam a correr quando o que devem fazer é atravessar devagar e tomando atenção. Já os locais também parecem assustados e atravessam a rua com a mão no ar e a abanar na esperança de serem vistos no meio do caos e não levarem com uma mota em cima. As pessoas de idade não passam sozinhas. Mesmo sendo estrangeira já tive idosos a pedirem-me ajuda para passar a rua.

Aqui não se pode andar de telemóvel na mão sem ter cuidado pois um esticão e lá se foi, principalmente se forem telemóveis topo de gama. Como há sempre motas nos passeios e de todos os lados, é preciso ter muito cuidado com os pertences. Conheço pessoas que já foram roubadas assim e lê-em se imensos relatos do mesmo género.

Aqui roubam-se cães para o comércio da carne de cão. Há gangues que roubam cães na rua para venderem.

Os vietnamitas adoram karaoke. Em todo o lado se ouve karaoke, por vezes nas alturas e até às tantas da madrugada. Por norma cantam bem mal e desafinadamente estes artistas de rua. No entanto, também existem casas de karaoke gigantescas com salas individuais onde grupos de amigos se juntam para comer e cantar karaoke todo o dia.

É normal encontrar dinheiro falso no chão. Não se deixe enganar. São notas falsas que são atiradas durante as cerimónias fúnebres para que quem foi para outra vida tenha muito dinheiro.

Nos locais não turísticos, as pessoas não deixam de perseguir o diferente com os olhos. Nem mesmo nesta rua onde passo todos os santos dias e estas pessoas me veem sempre. Nem aqui todos os dias deixo de ser vítima de pessoas que pasmam a olhar por ser estrangeira. É algo que não me consigo habituar e me deixa sempre desconfortável a achar que algo de errado se passa com a minha cara. Dou por mim sempre a passar a mão na cara a ver se tenho algo.

Ho Chi Minh
Ho Chi Minh tem um trânsito caótico créditos: While You Stay Home

As motas servem para transportar de tudo. Desde 5 pessoas a frigoríficos, televisões, cadeirões, portas, de tudo um pouco. Já vi situações em que mal se vê o condutor tanta é a carga que vai à sua volta. Como consequência muitos deixam cair mercadorias pelo caminho. No entanto, a coisa que mais se perde por cá são chinelos. Ui, tantos chinelos sem par que já vi no meio da rua, capacetes também, entre outras coisas que se deixam cair mas não se pode parar para apanhar porque o trânsito é demasiado intenso. Até peixes já vi no meio da estrada a rabiar, pois escaparam da bacia onde estavam na berma a ser vendidos.

Lixo, lixo e muito lixo se vê por cá nas ruas. Plástico então nem se fala. Usam imenso plástico e não se parecem importar de ver amontoados de lixo no chão. Existe uma lixeira no meio das casas ao pé de onde vivo com um cheiro insuportável. Não sei como já estão tão habituados que não os afeta. A água dos riachos é preta e imunda, cheia de plásticos a flutuar e cheira mal. Muito mal. Costumo passam ao pé de um à noite onde se veem imensas ratazanas a vaguear. Algumas do tamanho de gatos de já vários meses. Esta apatia pelo lixo todo à volta é algo que me faz muita confusão e vai sempre fazer.

Ho Chi Minh é uma cidade muito viva. Acho que não é possível ficar aborrecido aqui até porque só de andar na rua se veem coisas muito caricatas. Apesar de tudo, é uma cidade com o seu charme, onde me parece que não há muitas regras. Penso que aqui as pessoas são mais livres, daí me identificar e gostar de cá estar. Locais com muitas regras tornam as pessoas robotizadas, coisa que aqui não acontece. Gosto do espírito que por cá se vive! Não estou integrada na comunidade de estrangeiros que vive cá. Vivo num local onde não se vê mais nenhum forasteiro. Mas é isso que quero. Interagir com a cultura local, e não viver no Vietname e achar que estou na Europa.