Escolhi trazer-vos uma experiência muito distante da maioria de nós, não em destino, mas em propósito, por suscitar tantas dúvidas. Viajar em contexto de Academia, viajar para ter todos os recursos à disposição para a escrita de uma dissertação, viajar para contactar com a realidade que escolhemos estudar. A maioria das dissertações de que ouvimos falar são de base teórica escritas na secretária lá de casa ou da biblioteca da nossa universidade, com pesquisa feita em diretórios de artigos científicos, elaboração de inquéritos ao público-alvo, ou de base prática através de um estágio numa empresa, por exemplo.

A experiência da Raquel, membro da Associação Gap Year Portugal, é diferente. Mas vamos ao início. A paixão pelo Egito vem desde pequena, quando aos dez anos visitou o país com os seus pais. O misticismo e a ancestralidade deixaram-na deslumbrada desde o primeiro momento, tendo tido influência na hora de escolher o curso a seguir. Das duas hipóteses em cima da mesa, uma permitia-lhe seguir a sua jornada académica com um mestrado em Egiptologia. Foi o clique que necessitava para que todas as dúvidas se dissipassem.

Três anos depois da licenciatura, chegou o tão desejado mestrado e com ele a possibilidade de fazer investigação no terreno, que veio complementar uma dissertação que podia ter sido apenas teórica. Dada a demora associada ao processo via protocolo assinado pelas duas universidades, a Raquel escolheu candidatar-se autonomamente para ser “visiting scholar”, designação dada aos investigadores visitantes, para conseguir ter orientação de uma professora no Cairo. Esta candidatura autónoma trouxe-lhe os mesmos recursos (acesso à biblioteca da Universidade, recursos didáticos para a dissertação, acesso a orientação e participação em todas as atividades relacionadas com a área de estudos), mas fez com que todos os custos de viagem, alojamento e despesas tivessem que ser suportados por si. Já estar a fazer caminho para esta aventura desde o dia 1 da licenciatura fez com que pudesse planear e preparar tudo de antemão. Um gap year, seja qual for a sua forma, faz-se muito de tudo o que se vive antes e o planeamento é parte essencial.

Trabalho de campo para a dissertação
Trabalho de campo para a dissertação Trabalho de campo para a dissertação créditos: Raquel Novais

E ainda bem que assim foi. A ida da Raquel para o Egito coincidiu com o despertar da pandemia no país, fazendo com que ao fim de 6 dias fosse repatriada de volta para Portugal, depois de se deparar com o fecho das fronteiras. Nesses dias, entre uma tempestade que deixou o Cairo debaixo de água, ainda conseguiu visitar o Museu Egípcio na cidade (tendo trazido informação e não souvenirs na bagagem de volta), mas pouco mais. Todo o planeamento feito anteriormente foi vantajoso quando, já em 2021, conseguiu regressar ao país. Agora numa perspetiva mais de validar os dados utilizados na dissertação do que de descoberta, igualmente importante num trabalho de investigação. Sendo parte de uma excursão de outros estudantes e investigadores e com um professor de Egiptologia a acompanhá-la, conseguiu visitar locais importantes, específicos e, acima de tudo, úteis para o que tinha escrito.

Era impossível fazer os percursos sozinha por ser mulher e porque todo o trajeto à volta do Nilo de autocarro é populado por militares. Sempre acompanhada pelos colegas, professores e com um guia local, foi possível ir do delta do Nilo até à sua nascente, na sua maioria zona fértil onde habitam as pessoas, de autocarro a altas temperaturas. Também fez o conhecido cruzeiro pelo rio, mas já lá vamos. O principal objetivo da viagem era conhecer arqueossítios (sítios arqueológicos) e poder estudá-los, nem que para isso tivesse que andar de gatas dentro de templos até chegar aos túmulos devidos, conhecer múmias cujos túmulos foram casa de cristãos coptas ou entrar por buracos quase sem fim à vista. Visitou Saqqara, Dahshur e Gizé, arqueossítios outrora necrópoles das antigas cidades. Em Gizé, é possível visitar duas das pirâmides, Quéfren e Quéops (a outra é Miquerinos), descendo a primeira e subindo a segunda.

Planalto de Gizé
Planalto de Gizé Planalto de Gizé créditos: Raquel Novais

Numa viagem pouco acessível e habitual a turistas, foram muitas vezes escoltados pela polícia que obrigava as pessoas a saírem do caminho para que pudessem passar. Os egípcios na zona, pouco habituados a pessoas de fora, ficam fascinados com o “outro”, por ser mais uma possibilidade de fazerem negócio. Comerciantes por natureza, vários são os episódios contados pela Raquel, das quais destaco o atracar de pequenos barcos ao cruzeiro pelo Nilo, para trocas comerciais com quem se encontrava no deck do cruzeiro (o pagamento é feito através do depósito do valor num saco que é depois atirado de volta para os pequenos barcos). Já no Cairo, a conversa é um bocadinho diferente - igualmente predispostos para vender, já estão mais adaptados ao turismo, chegando inclusive a cobrar um valor aos turistas quando se apercebem que vão aparecer numa fotografia. Na Praça Tahir, a praça principal da cidade, e onde se encontram alguns dos principais hotéis de 4 ou mais estrelas, é também comum encontrar prostituição destinada a turistas.

No Cruzeiro pelo rio Nilo
No Cruzeiro pelo rio Nilo No Cruzeiro pelo rio Nilo créditos: Raquel Novais

Para os turistas, uma das experiências mais conhecidas é percorrer o Nilo no cruzeiro que vai de Luxor a Assuão. Por muito que seja a típica tour, é imperdível e pode ser complementada a rota com um início e um fim inesquecíveis, como fez a Raquel. Em Luxor sobrevoou o Vale dos Reis e o Templo de Hatshepsut num balão de ar quente e em Assuão apanhou um barco para se dirigir a uma Aldeia Núbia, com as suas cores e comunidade acolhedora.

Luxor
Luxor Luxor créditos: Raquel Novais

Foi uma experiência diferente, muito sonhada e preparada durante os três anos de licenciatura e tendo em vista a entrega da dissertação, mas não há dúvidas de que a Raquel voltará. E que, com ou sem mestrado, muitos de nós lá iremos também. Para mais aventuras, acompanha-nos aqui pelo SAPO Viagens ou segue a página da Associação Gap Year Portugal no Instagram (@gapyearportugal) para mais testemunhos e dicas.

Dicas para quem pretende fazer investigação noutro país

  • Não te fiques apenas pelo programa Erasmus. Pode ser uma opção, claro, mas procura que outras possibilidades possam existir na tua faculdade.
  • Não tenhas medo de enviar e-mails para qualquer tipo de instituição, nem de fazer perguntas. Podem ser meio caminho andado para te abrirem uma porta.
  • Planeia tudo com antecedência. As candidaturas a universidades estrangeiras começam, muitas vezes, cerca de um ano antes da data de admissão.
  • Se já sabes o que queres, qual a área de estudos certa para ti, começa a criar uma rede de contactos cedo, logo desde a entrada na licenciatura.
  • Acompanha páginas das universidades, de centros de investigação, investigadores e jornais de áreas específicas. Geralmente dão sempre a conhecer oportunidades para estudantes e investigadores.
  • Se tiveres amigos de outra nacionalidade ou a viverem no estrangeiro, visita-os. É a melhor forma de perceber as dinâmicas de viver noutro país e de testares a tua capacidade de adaptação, seja à temperatura ou às pessoas.
  • Conhece bem o teu grupo de trabalho. Vão ser a tua família durante a investigação.

Texto por: Joana Firmino Ribeiro, Voluntária na Associação Gap Year Portugal