No radar da convergência de culturas
Texto e fotografias por Diogo e Sara
Porque por vezes o melhor preditor de uma boa experiência são as expetativas, ou melhor, a falta delas…. Foi o que descobrimos ao explorar a Malásia, um país para o qual partimos apenas com algumas ideias vagas, todas elas mais pequenas do que a realidade.
Ao chegar, deparamo-nos com um país diverso, complexo... Foi até um pouco difícil identificar inicialmente o que compunha a cultura malaia antes de aceitarmos que era isso mesmo, uma cultura composta. “Aquilo é cultura malaia” dizíamos nós um ao outro, seguido depois de um “não espera, afinal é indiana” ou “chinesa, talvez”. Em cada rua, em cada cidade, encontramos uma mistura única de gastronomia, religião e tradições, todas apresentadas como parte integrante desta cultura.
Em Penang, num templo budista, o murmúrio das preces budistas e o cheiro a incenso entrelaçam-se com o “Azan”, chamamento à oração dos muçulmanos. No topo de um monte, conseguimos absorver e visualizar esta experiência enquanto olhamos o horizonte. De olhos postos na cidade, somos capazes de encontrar mesquitas, templos budistas e templos hindus, todos à distância de um olhar.
Como tem sido habitual até aqui, temos conhecido os lugares por onde passamos muito através das pessoas com que nos vamos cruzando. E nesta situação não foi exceção. Logo na nossa primeira paragem, conhecemos um local que nos levou a jantar e nos abriu as portas à sua cultura, explicando-nos que atualmente a Malásia é composta por três grandes comunidades: os malaios (muçulmanos), os indianos e os chineses.
Com culturas distintas, quase todos comunicam tendo o malaio ou inglês como ponto de encontro. Quanto às celebrações próprias de cada comunidade parece ser ainda mais fácil arranjar solução - celebram os marcos culturais de todos. “Ainda agora terminou o ano novo chinês, em breve estamos a celebrar o fim do Ramadão”, explicou-nos o local.
Embora nem sempre seja fácil, e nos tenham deixado um cheirinho da complexidade que envolve este país, todos os locais com quem nos cruzamos descrevem a grande diversidade debaixo da mesma bandeira como algo que enriquece a identidade, a sua e a do seu país.
Em Malaca, a nossa primeira paragem, podem encontrar-se marcas de vários passados muito diferentes. No seu centro, entre influências chinesas, holandesas, britânicas, islâmicas e até mesmo portuguesas, a diversidade do seu passado é uma boa metáfora para o seu contexto atual.
De entre as pontes que criamos na nossa interação com os locais, atravessámos uma que nos levou ao nosso próprio passado. Foi aqui, no meio de tanta diversidade, o sítio onde tivemos as experiências mais próximas de casa. Aqui, encontra-se um bairro português, com raízes que remontam ao início do século XVI. Ao aproximarmo-nos lemos: “Bem vindo ne Bairro Portugés Malaca”.
Restaurantes locais como o “De Mar”, “Restoran de Lisboa” ou “Restoran San Pedro” oferecem uma culinária que combina influências portuguesas e malaias, destacando-se pelos sabores do peixe e marisco, com um toque picante que reflete a fusão de culturas. No centro do bairro, ergue-se um pequeno Cristo Rei, símbolo da fé cristã desta comunidade, enquanto as casas exibem figuras da nossa senhora e se leem frases como “nos sa senhora de consengsang reza per nos”.
A língua local é muito semelhante ao português europeu, permitindo a comunicação, mas dando também espaço às alterações que foram acontecendo na língua em ambos os lados do mundo. Ao final do dia, juntam-se várias pessoas nos cafés e restaurantes, muitos deles regressados de um dia de pesca. Sentamo-nos a tocar com Nicholas de Sousa, deixando o “malhão malhão” ecoar pelos arredores.
Em Kuala Lumpur, ou “KL” como os locais preferem chamar a cidade, fomos apanhados na estação de comboio por um local que, sem que nos déssemos conta, nos levou a um aniversário de 81 anos de um senhor que não conhecíamos. Mais uma vez a mistura era evidente, fomos recebidos por uma grande festa. Caídos de para-quedas, procuramos absorver toda a informação possível para rapidamente nos integrarmos. O nosso nariz reconhece a gastronomia indiana, os nossos olhos a indumentária muçulmana, e os nossos ouvidos o sempre confortável inglês. Embora tudo tenha chegado a nós de uma só vez, não foi preciso muito tempo para que conseguíssemos sentir que todas as peças encaixavam ali, e como tal, nós também.
No dia seguinte fomos levados a uma celebração do ano novo chinês, num evento do seu trabalho. Aqui, marca-nos sobretudo o entusiasmo geral de qualquer pessoa, fosse qual fosse a sua cultura por uma celebração que embora chinesa, vimos ser querida por todos. Como exemplo, o nosso amigo local, neste caso muçulmano, estava particularmente entusiasmado com a “Dança do Leão”, um costume tradicional de cultura chinesa onde os participantes, vestidos a rigor, imitam os movimentos de um leão, com vista a trazer boa sorte, felicidade, riqueza e afastar os maus espíritos. Foi uma experiência impactante e partilhada com todos.
Junto a nós, outros locais incentivavam-nos a acariciar o leão dizendo que traria ainda mais sorte. A certa altura são ainda atiradas laranjas (à semelhança de um bouquet de flores num casamento) onde quem as apanha terá ainda mais sorte nesse ano. Talvez a nossa sorte tenha chegado com avanço. Mesmo sem plano, KL acolhera-nos calorosamente e, acompanhando um local por atrações turísticas e celebrações locais sem distinção, pudemos, mais uma vez, viver oportunidades impossíveis de planear…
Na nossa jornada percebemos que mais países não são sinónimo de uma melhor experiência de gap year, nem necessariamente mais diversa. Pré-concepções fora, na nossa impreparação assumida, a Malásia acabou por nos surpreender como a personificação de como o desconhecido pode ser um ótimo companheiro de viagem.
Percorrer a Malásia foi para nós um lembrete do peso das expectativas na forma como experienciamos o mundo, bem como da possibilidade de, em qualquer lugar, podemos encontrar histórias fascinantes, se tivermos tempo e disponibilidade para as ouvir e procurar. Não estivesse a Malásia um pouco fora do nosso radar, talvez o desconhecido não tivesse tanto espaço para nos surpreender. Durante estas semanas caminhámos com a diversidade, novidade e possibilidade de vivermos com e como os locais, não esquecendo claro, a selva exuberante e ilhas paradisíacas que encontrámos pelo caminho. E acreditam que, sendo a Malásia constituída por duas regiões, isto ainda é só metade da história? Quem sabe, talvez nos meses que nos restam, a outra metade ainda venha a surgir no nosso radar.
"Universus" é o nome do projeto de ano sabático criado pela Sara e o Diogo, dois psicólogos que irão mostrar uma outra perspetiva do Sudeste Asiático e da Grécia ao longo de 10 meses. Ambos acreditam que "cada pessoa é um universo, porém toda esta diversidade pode ser uma ponte para uma união coletiva". Podem acompanhá-los no SAPO Viagens e no instagram.
Comentários