Umas horas antes:
– Espero que os lugares sejam próximos da saída.
– Sim e saímos de fininho.
– Mas se calhar vai correr bem e ela vai gostar.
– Se não correr bem vamos comer um gelado e temos uma história para contar.
Foi assim que nos fomos preparando para a possibilidade de sair a meio desta que é uma das mais emblemáticas tradições culturais vietnamitas, o espectáculo de marionetas sobre a água.
Nunca tínhamos tentado o cinema, iniciámos esta aventura tinha ela 23 meses e até aí sempre privilegiamos (e continuamos a fazê-lo) os espaços ao ar livre, a possibilidade de entrar e sair quando quiséssemos, quando ela quisesse, quando tivesse que ser. Até essa altura era-nos difícil imaginá-la – ela, cheia de vida, com o corpo todo a desenhar vontades de ir e vir, de correr, pular, dançar – parada no mesmo sítio mais de 5 minutos.
Por isso, uma sala, um filme de 1h30 e uma cadeira pareciam-nos demasiado arriscados. Mas estávamos aqui, na capital Hanói com a possibilidade de assistir a um espectáculo único, um que tem tudo para que ela se agarrar à cadeira:
Músicas que chegam até nós depois da voz que as canta passar pelos tubos de bambu - numa aproximação ao canto ‘Chèo’, uma ópera tradicional no Vietname. Instrumentos de música tradicionais que os nossos ouvidos mereceram pela primeira vez. Um dragão que dança ao ritmo dos tambores de festa (‘Chu Têu’) e uma criação de búfalos ao som de flautas, enquanto – mesmo ao lado – se faz uma pesca de sapos.
E é entre cantos e danças folclóricos: Xá Thuong’, próximo do canto ‘Hát van’ ou ‘Hát câu van’, muito populares e atractivos para a maioria dos camponeses vietnamitas, que nos é contado o cultivo e a lavoura destas terras.
Mais à frente o dragão, o unicórnio, a tartaruga e a fénix partilham uma dança, enquanto conhecemos a lenda da espada milagrosa e do rei Lê Loi. E, reza a lenda, foi a espada usada para afastar os invasores chineses e que depois, no lago, foi reclamada pela tartaruga divina de ouro, para que fosse devolvida ao rei dragão.
Ficamos então a saber a história do lago por onde nos tínhamos passeado nessa manhã: é o lago da espada restituída ‘Hoàn Kiêm’ e que fica mesmo em frente a esta sala.
E foi nesta sala – no número 578 da Dinh Tien Hoang –, feita de chão de madeira escura e de bancos vermelho-aveludado, o primeiro lugar onde ela ficou sentada mais de 1h, aqui na capital do Vietname, a cerca de 10.500.00 km de casa.
Nós e ela, apenas ouvidos – que ouviam aqueles sons pela primeira vez; que ouviam aquelas vozes e aquelas melodias pela primeira vez; apenas olhos – que se enchiam com as cores dos vestidos das senhoras que cantavam e tocavam, de cada boneca de água, de cada dragão; olhos que corriam atrás de todos os movimentos que punham bonecas e animais a dançar e cuja harmonia nos fazia esquecer que por detrás deles existiam pessoas cujas mãos dominavam, com mestria, uma arte (e técnica) milenar.
Conhece-se melhor o Vietname depois de passar por aqui e mesmo tudo isto sendo contado e narrado em vietnamita, a entoação, os gestos, a interpretação fazem com que pessoas de todo o mundo se deixem tocar por este teatro único.
É rico, harmonioso, tão especial. E ela conseguiu senti-lo assim, ficou silenciosa, de corpo tranquilo e concentrou toda a sua energia nos olhos, nos ouvidos: para ver melhor, para ouvir melhor e no final, com as palmas das mãos juntas, a agradecer, pediu mais, queria mais. E nós também.
No final:
– Correu bem, tão bem.
– Nunca sabemos do que as crianças são capazes até lhes darmos a possibilidade de o mostrarem e, como foi o caso, de nos surpreenderem.
– E temos, na mesma, uma história para contar.
Desde então ela fala das meninas que dançam na água. E esta é a nossa primeira recomendação de algo a fazer com crianças – e sem elas – em Hanói.
Vão, e virão com o vosso imaginário mais habitado.
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