O barco parou, no meio do rio: todos saímos, nas mãos levamos todos o mesmo.
Em terra: uma galinha – ela quer pegar-lhe; um cão espraiado ao sol – ela quer dar-lhe comida; um lago – quer mergulhar. Dois bancos de pedra: ocupados, um serve de assento e o outro de cama. Uma fila gigante. Calor, muito calor.
Podia estar a descrever-vos uma das aldeias no meio do Mekong, ou uma praça pequena, numa das aldeias de Portugal, com o pequeno lago no meio, os bancos de jardim e a fila para o pão, ao domingo de manhã.
Desenganem-se, é de uma fronteira que se trata. Uma fronteira onde apenas se chega pelas águas do Mekong, uma fronteira que divide o rio em águas vietnamitas e águas Khmer. E nas mãos levamos: numa o passaporte, e a outra é uma mão cheia de vontade de um visto para o Cambodja.
Fazemos fila, não há grande pressa, chegou a nossa vez, estamos nessa janela de onde nos espreitam – cara cerrada – do outro lado, depois repete-se o movimento: olham-nos a cara (a cara que trazemos depois de horas de barco) e comparam com a cara que os documentos trazem.
Enquanto isto acontece, o barco aguarda no mesmo local onde horas antes nos havia deixado, mas quando voltarmos a entrar para o rio: ainda que o barco não tenha saído do lugar; ainda que sejamos todos os mesmos passageiros e tenhamos o mesmo cenário à nossa volta; ainda que estejamos no mesmo e exacto local, se tivermos conseguido arrancar os vistos desses senhores de quem não se arrancam sorrisos, o passaporte dirá que já saímos do Vietname, que já estamos no Cambodja.
Temos visto, próxima paragem: Phnom Penh.
Esta foi a nossa primeira fronteira pela água, até aqui entrámos sempre pelas nuvens. E nesta jornada ainda havemos de ser uma família a atravessar uma fronteira a pé: os dois de mochilas às costas e a Mia – pelo seu próprio pé – a caminhar entre os nossos passos, com as suas mãos nas nossas mãos.
Agora aproveitemos (nós e vós) o que nos resta desta viagem pelo Mekong, porque o país mudou mas as águas continuam a ser castanho-terra e a riqueza da paisagem parece nunca se esgotar. Quando vos voltar a escrever já será de Phnom Penh, até lá.
Este artigo foi originalmente publicado no blogue Menina Mundo.
Comentários