O The Telegraph faz uma viagem até à era soviética, altura em que dúzias de vilas e cidades - normalmente aquelas que continham bases militares ou instalações secretas de investigação - estavam totalmente fechadas para visitantes estrangeiros. Com a queda da União Soviética, muitas dessas cidades foram abertas, sendo hoje visitáveis e parte do Campeonato de Futebol do Mundo, outras, porém, continuam fechadas.

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Na Rússia dos nossos dias continuam a existir cidades qualificadas como Formações Territoriais e Administrativas Fechadas (na sigla em russo, ZATO), onde estrangeiros e cidadãos russos de outras cidades não podem entrar, a menos que tenham uma permissão especial.

Nas últimas semanas, centenas de turistas tiveram a oportunidade de descobrir Samara, Kaliningrado e Níjni Novgorod devido ao Mundial 2018.

Kaliningrado, anteriormente Königsberg, situa-se, como um enclave, entre a Polónia e a Lituânia. Banhada pelo Mar Báltico e listada na UNESCO, foi onde o filósofo alemão Immanuel Kant nasceu. Samara, nas margens do Volga, possui parques ribeirinhos e um impressionante museu de arte. Níjni Novgorod - tiramos-lhe o chapéu se conseguir encontrar esta cidade no mapa - tem o seu próprio Kremlin no topo de uma colina e um punhado de imponentes igrejas.

As três cidades recomendam-se por diferentes razões. Em comum partilham a memória de um terem sido cidades fechadas.

Como principal porto a oeste da Rússia, Kaliningrado era de grande importância estratégica e casa da frota soviética do Báltico. Cerca de 600.000 soldados, marinheiros e respectivas famílias viviam nesta cidade no auge da Guerra Fria, representando cerca de metade da população total da cidade.

Kaliningrado
Kaliningrado Kaliningrado créditos: Pixabay

Destruída pela Força Área Real (RAF) durante a Segunda Guerra Mundial,  Kaliningrado  foi entregue aos russos após a Conferência de Postdam  e escondida durante quase 50 anos. Kaliningrado reabriu as suas portas, finalmente, em 1991. Após reabrir, os turistas, que incluíam muitos ex-residentes alemães, encontraram quase todos os remanescentes da antiga Königsberg destruídos.

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“Casas que poderiam ter sido consertadas foram demolidas e os respectivos tijolos carregados em barcaças para servir de material de construção em Vilnius, Riga e Leningrado [agora São Petersburgo].", refere uma reportagem do LA Times, de 1991, que descreve a nova Kaliningrado como "um pesadelo de paisagem da arquitetura pós-stalinista".

Deste então têm existido melhorias. Adrian Bridge, do Telegraph Travel, diz que os visitantes podem atualemente apreciar os vislumbres da riqueza do legado alemão. A cidade tem o seu próprio Portão de Brandenburgo (mais pequeno que o de Berlim); e a catedral da cidade - principalmente graças a fundos da Alemanha - foi reconstruída.

Dentro da catedral, o Museu Kant fornece uma visão fascinante sobre a vida e os tempos do grande filósofo. Nas proximidades, a "vila de pescadores", com edifícios de telhado vermelho e fachadas coloridas ao longo do rio Pregolya, tem algo do visual e da atmosfera do velho Königsberg. Nesta vila, até pode entrar no bunker onde os generais alemães recuaram enquanto as forças soviéticas se aproximavam.

Samara, renomeada Kuybyshev em 1935, esteve fechada aos estrangeiros até ao ano que o seu nome histórico foi devolvido, 1991, devido ao seu papel na Corrida Espacial. Não é a toa que o estádio de futebol de Samara - construído para o Mundial deste ano  - chame-se Cosmos Arena e se assemelhe a um disco voador. Foi nesta cidade que o foguete que colocou Yuri Gagarin em órbita, em 1961, foi construído.

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Samara ainda é lar das indústrias aeroespacial e de aviação da Rússia. Agora o véu de sigilo foi suspenso e, desde 2007, os visitantes podem visitar o Cosmic Samara, um museu dedicado às grandiosas conquistas da cidade.

Níjni Novgorod, por sua vez, chamou-se Gorky de 1932 a 1990, devido ao escritor Maxim Gorky. A cidade era um importante centro industrial, conhecido como "Detroit russo". Foi a maior fornecedora de equipamentos para a Frente Oriental durante a Segunda Guerra Mundial, e continuou a servir de centro de investigação militar após o conflito terminar. Não nos surpreende que tenha sido fechada a estrangeiros durante a Guerra Fria. De facto, e apesar do seu vasto tamanho (é a quinta maior cidade da Rússia em termos de população), não existiam mapas de ruas disponíveis para compra pública até à década de 1970.

Durante sete anos, Andrei Sakharov, que desenvolveu a bomba de hidrogénio soviética, foi mantido em prisão domiciliar na cidade. O apartamento minúsculo de Sakharov é agora um museu.

Samara, Kaliningrado e Níjni Novgoro remontam a mundo perdido e secreto da Guerra Fria que, na verdade, não está totalmente perdido. De acordo com o The Telegraph, a Rússia ainda tem cerca de 60 formações territoriais administrativas fechadas.

Níjni Novgoro
Níjni Novgoro Níjni Novgoro

Muitas destas formações são reconhecidas publicamente e  incluem Vilyuchinsk, uma base para a construção de submarinos nucleares; Dikson, o porto mais setentrional da Rússia e uma das cidades mais isoladas do planeta; Zheleznogorsk, um centro para a produção de plutónio apelidado de "Atom Town"; Fokino, lar da frota russa do Pacífico; Tsiolkovsky, que serve o Cosmódromo de Vostochny; Severomorsk, lar da frota russa do norte; e Snezhinsk e Sarov, os principais centros russos de investigação nuclear (um modelo da Tsar Bomba, a arma nuclear mais poderosa já criada, é encontrado no museu da bomba atómica de Sarov).

Estas cidades secretas já tiveram nomes de códigos.  Só a partir de 1992, após um decreto de Boris Yeltsin, é que deixaram de utilizar os seus nomes codificados e passaram os históricos.  Zheleznogorsk, por exemplo, era conhecido como Krasnoyarsk-26. Krasnoyarsk é uma cidade próxima e 26 um número designado de caixa postal. Snezhinsk foi chamado Chelyabinsk-70.

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Entre as cidades fechadas mais notórias está Ozyorsk, um centro para o processamento do lixo nuclear, anteriormente conhecido como Chelyabinsk-65 e Cidade 40. Ozyorsk continua a ser um dos lugares mais contaminados do planeta, mais de 60 anos após o desastre nuclear de 1957, em Kyshtym. Apesar da gravidade do desastre, foi encoberto até 1980.

Os residentes das cidades fechadas podem entrar e sair, mas outros russos - mesmo que sejam familiares - precisam de uma autorização para entrar. Só quem nasce ou trabalha nestas cidades tem o direito de nelas permanecer.

Os cidadãos que residem nas cidades fechadas estão proibidos de partilhar informação sobre as mesmas. Durante a Guerra Fria, estas cidades não estavam assinaladas nos mapas e, mesmo quem lá vivia, não aparecia nos registos dos census. Em troca do seu sigilo, os residentes recebiam benefícios: melhores apartamentos, seguro de saúde adequado e bens de luxo como bananas ou caviar. Havia - e para alguns, continua a existir - prestígio em viver nestes lugares.

O Zvyozdny gorodok, sede da instituição de investigação militar e treinamento espacial, conhecida - em português - como Cidade das Estrelas, é oficialmente um território fechado, contudo é aberta aos turistas que tenham autorização especial.

Com poucos exemplos, sendo a Cidade das Estrelas um dos mais notáveis, aparentemente, os turistas têm pouco a perder. Afinal, quem quer visitar uma base naval perto de Murmansk quando é mais fácil chegar a São Petersburgo? Apesar de terem pouco poder de atração, estas cidades fechadas continuam a ser uma relíquia curiosa da Guerra Fria - e um fenómeno quase só russo. Num mundo cada vez mais aberto, onde a informação nunca foi tão acessível, os segredos continuam a existir no maior país do mundo.