Por Emília Matoso Sousa

Deitar cedo e cedo erguer foi a nossa prática durante estes dias, para evitar o calor e para chegar ao destino a tempo de fazer um pouco de 'turismo'. Às 6h30 já estávamos na estrada e à nossa espera tínhamos a etapa que considerei mais bonita, com bosques, florestas, cascatinhas, ribeiros… Alguns quilómetros de subida, é certo, mas com o cansaço a ser recompensado com a beleza das paisagens.

Motivo de entusiasmo era também a cidade que hoje nos acolheria. Pontevedra. Capital das Rias Baixas e do Caminho Português de Santiago. O seu centro histórico magnífico, a sua saborosa gastronomia, a sua ‘movida’ e as suas charmosas praças são motivos para uma visita obrigatória. Graças ao seu modelo de planeamento urbano, muito focado na qualidade de vida e em políticas de mobilidade, a cidade tem vindo a somar prémios internacionais. O Prémio Habitat, atribuído pela ONU em 2014, e o primeiro prémio da Comissão Europeia para a Segurança Urbana, recebido em 2020, são apenas dois exemplos. É, ainda, a cidade galega com mais ruas exclusivamente pedonais e espaços verdes por habitante.

Os primeiros quilómetros após a saída de Redondela não têm particular interesse. Atravessada a N550, entramos em caminhos secundários que nos levam até outro de terra batida, entre árvores e vegetação variada. A primeira grande subida está prestes a começar para se prolongar por quatro quilómetros, durante os quais agradecemos o tempo fresco que, entretanto, substituira o calor. Entre subida e descida, chegamos a um ponto que nos oferece umas vistas soberbas para a Ria de Vigo. Descemos até à N550 para alcançar Arcade, cujo interior atravessamos e onde há cafetarias, sempre bem-vindas para paragens técnicas.

O ponto de interesse seguinte é a histórica Ponte Sampaio, sobre o rio Verdugo, e que dá o nome à localidade. Assinala a entrada no concelho de Pontevedra. É uma ponte longa, com dez arcos semicirculares, com origens alegadamente romanas, mas remodelada na Idade Média, época a que remonta a atual estrutura. Tem ainda direito a um lugar próprio na história da Galiza, já que em junho de 1809, durante a Guerra da Independência, foi palco de um episódio memorável, em que as tropas espanholas, lideradas pelo coronel Pablo Morillo, e as milícias populares galegas derrotaram e correram com as forças de ocupação francesas, comandadas pelo marechal Michel Ney.

Ponte Sampaio
Ponte Sampaio, sobre o rio Verdugo créditos: Emília Matoso Sousa

Ponte Sampaio, que atravessamos, é uma localidade muito pitoresca com espigueiros e casas de pedra de construção muito antiga distribuídas por ruelas estreitas e cheias de recantos. Na Galiza, tal como em certas regiões do Norte de Portugal, há ainda muitos espigueiros, estruturas em pedra ou em madeira, supostamente 'à prova' de roedores,  usadas para secar o milho.

Seguimos até Ponte Nova por um bonito caminho de piso irregular e de inclinação muito descendente, ora de lages, ora de terra batida, tornando a marcha muito difícil e fazendo-nos duvidar da máxima de que para baixo todos os Santos ajudam... Depois da ponte, espera-nos nova, longa e desafiante subida, cuja extrema irregularidade do piso põe à prova a resistência dos peregrinos. Terra batida, calçadas romanas, pedregulhos e pequenas pedras soltas… uma breve desatenção e um pé mal colocado podem ser ‘fatais’. Porém, o que dizer da envolvente? Estamos em pleno bosque encantado. Árvores enormes e maravilhosas, fetos gigantes e outras espécies arbustivas típicas de climas húmidos. Em certos momentos, só se ouve o silêncio. E os pássaros. E o som de água cristalina a correr nos riachos que nos ladeiam. Quanto mais avançamos, mais nos sentimos parte desta Natureza, cuja boa energia tende a reconciliar-nos com a Humanidade que, por vezes, julgamos perdida. Mais uma vez, estará o Espírito do Caminho a pregar-nos uma partida?

Assim seguimos até Brea Vella de Canicouva, onde percorremos um trilho de lajedo com alguns lanços a coincidir com a já famosa Via XIX. Na capela de Sta Marta, fazemos uma pausa e reencontramos alguns ‘companheiros’ de estrada. Aproveitamos também para pôr a conversa em dia.

Avançamos mais um pouco, desta vez pelo asfalto, e, novamente, temos de escolher entre fazer menos quilómetros, e continuar pela estrada, ou aumentar a distância, e continuar pelos bosques. Nem pensámos duas vezes. O longe e o perto são meras apreciações e quem o decide é a nossa mente. E esta é outra lição a reter.

Tentar traduzir por palavras a grandiosidade dos cenários proporcionados pelos bosques galegos é tarefa quase impossível. Se disser que são de cortar a respiração, não estou a cometer nenhum exagero. E foi por esta paisagem de país das maravilhas que seguimos até Pontevedra, onde chegámos pouco depois.

Caminhantes
O caminho faz-se a subir e a descer, mas não para todos créditos: Emília Matoso Sousa

E foi revigorados pelas forças da Mãe Natureza, que entrámos em Pontevedra prontos para a ‘movida’ galega. E que movida! A cidade é muito bonita e cheia de História, e com um casco antigo muito agradavelmente bem preservado. Ao contrário de outras cidades espanholas, aqui não há uma grande plaza onde tudo acontece, mas um contínuo de praças todas a fervilhar de animação. A Praça da Ferraria, a Méndez Núnez, a da Lenha, ou a da Verdura são excelentes exemplos de sítios onde o convívio entre locais e peregrinos acontece e onde nos podemos deliciar com a típica e deliciosa gastronomia das Rias Baixas, onde o polvo (pulpo) é protagonista, mas também as vieiras, as zamburiñas (vieiras pequenas), os mexilhões, os berbigões (berberechos) os queijos, os enchidos…

Obrigatória é a visita à Igreja da Virgem do Caminho, construída em 1778, um exemplar interessante e curioso de estilo barroco neoclássico, sendo considerada Bem de Interesse Cultural. O que a torna original é a sua fachada de forma arredondada, devido à sua planta em formato de concha de vieira, que é nada mais do que um dos símbolos do Caminho.

Igreja da Virgem do Caminho
Igreja da Virgem do Caminho, em Pontevedra créditos: Emília Matoso Sousa

No Caminho também se fazem amigos e hoje foi dia de jantar com três simpáticas peregrinas portuguesas (a Ana, a Carina e a Cláudia) com quem nos fomos cruzando ao longo dos dias. Entre pulpo, pimentos de padrón, zamburiñas e Albariño, a conversa foi fluindo animada e lançou as sementes para encontros e conversas futuras. A chuva, que entretanto chegou, fez-nos companhia, mas não nos impediu de aproveitar a belíssima esplanada.

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A Emília Matoso Sousa é a autora do blog Caminhos Mil, onde escreve sobre as suas caminhadas pelo país. "Apenas pretendo guardar algumas das histórias e memórias que trago desses percursos e partilhá-las com quem, como eu, aprecia as coisas simples da vida..", conta.