No Nordeste Transmontano, no Sábado de Aleluia, acendia-se uma grande fogueira e levava-se comida. O objetivo era estar apto para, após a meia-noite, tocar o sino da igreja madrugada dentro e marcar o fim da Quaresma.
“À meia-noite, o mais ousado, o mais atrevido, iria ser o primeiro a tocar o sino (…) Era o sinal de que terminava ali o período de silêncio, de reflexão. Estas coisas nas aldeias levam-se muito a sério”, descreveu Paulo Afonso, 46 anos, natural de Gondesende, Bragança, onde atualmente moram cerca de 20 pessoas.
Paulo Afonso é um dos que garante que a tradição é para manter, também este ano, mas assume que é difícil.
“Naquilo que depender de mim, sim [é para manter]. Vamos ver se conseguimos organizar as coisas. Porque as pessoas vão ficando mais velhas e fica na mão dos mais novos. Cada um tem vidas diferentes. Julgo que está a terminar [a tradição] com a minha geração”, disse à Lusa.
Para Paulo, foi-se perdendo “o cimento que liga tudo isto”, que é o “sentido da comunidade”, em festas que aconteciam espontaneamente.
Orlando Pires, de 79 anos, também de Gondesende, atesta que antes havia outro fulgor.
“Agora a rapaziada toca mais nos telemóveis [do que no sino]. Eu vejo pelos meus netos. E não há juventude nas aldeias. Uma pessoa queria jogar futebol, havia aldeias que quase formavam uma equipa. Agora, há dois ou três jovens”, lamentou o habitante.
Orlando Pires lembra-se que, quando era criança, o sino tocava ao meio-dia de quinta-feira da Semana Santa e ficava mudo até à madrugada de domingo. Marcava também a suspensão, por causa da época festiva, dos trabalhos no campo.
A disputa entre os tocadores do Sábado de Aleluia era também para “revirar o sino”, ou seja, deixá-lo a girar sobre si mesmo. “Nem todos o conseguiam. Era uma proeza, que o sino é pesado”, riu-se Orlando.
Paulo transmite memórias semelhantes, num aproveitar da situação de uma forma que apelidou de “mais pagã”, porque podiam fazer barulho em horários proibidos, numa tolerância concedida por quase todos.
“No dia seguinte, havia pessoas que estavam mesmo chateadas” e que reclamavam que “não pararam com o sino toda a noite!”, perguntando quem tinha sido, contou.
E acrescentou: “E nós, calados. Havia pessoas que levavam mais na desportiva e que entendiam que fazia parte. Toleravam, embora custasse, porque as pessoas queriam dormir”.
Orlando acrescentou que acontecia, certas vezes os tocadores encontrarem os acessos à igreja fechados.
“Uma pessoa punha uma escada para ir para o campanário”, contou Orlando. Não encontravam mais oposições durante a madrugada.
Em Lagomar, no mesmo concelho, a Associação Lagomar Terra Lendária encontrou outra forma de preservar a tradição, promovendo, há cerca de 20 anos, o jantar do Sábado de Aleluia.
“O Sábado de Aleluia foi sempre o convívio dos homens, que se juntavam, antigamente, no adro da igreja. Houve um tempo em que a tradição esteve meio apagada, quase não se fazia. Agora, desde que temos a nossa casa do povo fazemos um convívio bastante grande. Mantemos a tradição de serem só homens”, explicou Bruno Afonso, 41 anos, membro da associação.
Durante o ano, Lagamar tem cerca de 80 habitantes. Nesta época festiva a população aumenta.
Regressam também emigrantes, que Bruno diz que “fazem questão de vir para participar”, e, até ao momento, já há 80 inscrições. Mantêm ainda o costume de recolher lenha (que antes era, em parte, roubada) pela aldeia para fazer a fogueira característica e depois, chegado o momento, tocam o sino.
“As senhoras ficam um bocadinho chateadas. Temos passado por esse problema. Elas dizem que já não faz sentido, que elas tinham que se integrar, mas nós continuamos a dizer que esse dia é nosso”, partilhou Bruno.
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