Bilhete-postal por João Morcela
No início do ano decidi que queria fazer uma viagem sozinho. Seria a primeira vez que viajava sozinho e decidi que, para a experiência ser tão marcante quanto possível, seria importante sair da Europa e ir de encontro a culturas diferentes e um país distante. Escolhi o Vietname como podia ter escolhido a América do Sul ou África. O Sudeste Asiático atraiu-me à partida pelo baixo custo de vida, pela fantástica comida e porque há anos que alimento um interesse grande no Budismo. Queria ir à Àsia e por isso a decisão estava tomada.
A viagem começou na capital do país, no norte: Hanoi. Chegar até lá desde Paris foi a maior viagem de avião que alguma vez tinha feito e correu melhor do que antecipei, a experiência com a companhia aérea chinesa foi óptima e apesar da escala num aeroporto chinês ter sido estranha (quando comparada com aeroportos europeus, por exemplo) correu sem problemas.
Quando saí do aeroporto de Hanoi, o choque foi instantâneo. Seja pelo facto de estar cansado da viagem de 15 horas , escalas e aeroportos, seja por me ver sozinho no meio da Ásia ou porque rapidamente nos damos conta da diferença de realidades. Acabavam-se, durante um mês, algumas mordomias que damos por garantidas nestas latitudes. Esse momento, diria agora, um mês depois do meu regresso, que pode ter sido um dos mais importantes da minha viagem. O quebrar a barreira do medo inicial e meter-me num autocarro onde o condutor não falava um mínimo de inglês, com dinheiro na mão que nunca tinha visto (e com muitos zeros) e rumo a uma cidade que prometia ser caótica.
E se Hanoi é caótico... Contudo, por dentro do caos, existe uma beleza inexplicável, uma vida interminável, uma junção de pessoas, cheiros, barulhos e sensações. Uma das primeiras coisas que se torna imediatamente visível é a quantidade de bandeiras que se vê em todo o lado, tanto as do país como aquelas com o símbolo comunista.
Nunca tinha visto uma cidade completamente cheia de pessoas a fazer desporto.
Na capital, o que mais destaco foi a experiência que tive na primeira manhã. Devido ao jet-lag acordei por volta das 5h da manhã locais e decidi sair do quarto e ir ver como seria a capital vietnamita na calma da madrugada e início da manhã. E a surpresa foi gigante: para além da cidade não estar de todo vazia, assim que nascem os primeiros raios de sol, a cidade enche-se (mas enche-se mesmo) de gente a fazer todo o tipo de desporto. Vi pessoas com 90 anos a correr, jovens a fazer exercício e muita, muita, muita gente a fazer Tai Chi. Foi um enormíssimo choque de realidades que ficará comigo para sempre. A importância que os povos asiáticos colocam no bem-estar físico ficou, nesse momento, totalmente evidente. Nunca tinha visto uma cidade completamente cheia de pessoas a fazer desporto. O lago que existe no meio da cidade acrescentava uma beleza e um misticismo simplesmente indescritíveis. A partir das 8h da manhã, a cidade começa a ganhar o seu barulho e andança normal, com as pessoas a irem para o trabalho e os jovens para as escolas, mas o que se passa até essa hora é simplesmente fantástico e a maior lição que tirei da toda a viagem.
o norte do Vietname é uma zona muito especial que merece a sua própria viagem de um mês.
Ficaram muitas coisas por ver no norte do Vietname, mas já tinha decidido que queria fazer o país de norte a sul e para isso tive que me conter em alguns gastos, deslocações e restringir o número de dias no Norte. Contudo, como muita gente me disse, o norte do Vietname é uma zona muito especial que merece a sua própria viagem de um mês. É mais rica a nível natural, de paisagens, as pessoas tendem a ser mais afáveis, e eu arriscaria dizer que é exactamente como no nosso Portugal.
Depois de Hanoi fui até à ilha de Cat Ba. Foram apenas dois dias mas foi onde tomei o primeiro banho no Mar Meridional Chinês e onde conheci verdadeiramente os primeiros viajantes. Foram pessoas que fui mantendo o contacto ao longo de toda a viagem e que acrescentaram uma dimensão muito boa a toda a experiência. Seja a canadiana ou a australiana ou o holandês, todos partilhámos as nossas experiências até esse momento e as nossas vidas no nosso país de origem.
Depois de Cat Ba, o destino foi Ninh Binh. Antiga cidade estratégica imperial, é hoje um sítio bastante interessante que junta uma saudável dimensão turística e uma Natureza absolutamente arrebatadoras. Os passeios de bicicleta à descoberta da envolvência da cidade, o mercado no centro da cidade, tudo em Ninh Binh parecia saído de um filme.
Nesta cidade apanhei uma boleia do pai do rapaz que tomava conta do meu hostel e, na sua moto, levou-me a ver um dos maiores templos budistas do mundo. O nome utilizado para estes templos é Pagoda e neste caso era a Bin Dinh Pagoda, um monumental complexo onde a natureza, a música e os inúmeros templos nos transportam para outra dimensão.
Sempre conhecendo cada vez mais pessoas e viajantes, o desconforto inicial da viagem já se havia dissipado e fui começando a sentir-me como em casa, habituado às diferenças e entusiasmado com o que ainda iria ver e descobrir.
O destino seguinte, Phong Nha, é aquele que mais me irá marcar e o que deixou provavelmente as memórias mais duradouras nesta viagem. Phong Nha é uma cidade relativamente pouco explorada a nível turístico e, por isso, aquela onde mais facilmente sentimos uma autenticidade e um estilo de vida vietnamita que noutras cidades se vai perdendo. Foi nesta cidade que vi das maiores grutas do mundo e onde conheci um vietnamita que me abriu as portas de casa dele com uma naturalidade que, para nós ocidentais, é simplesmente chocante. A vista sobre o rio que cruza a pequena cidade ficará gravada na minha memória e a felicidade que as pessoas demonstram no seu dia-a-dia uma amostra de como o nosso conceito de felicidade não tem de ser o mesmo para o resto do mundo.
Nesta cidade, fiquei num hostel em que à noite havia um obrigatório "jantar de família" em que toda a gente se juntava e durante largas horas partilhávamos experiências, desde a família local que geria o negócio, a um viajante solitário do Uruguai, passando por um casal de holandeses que ia a meio de uma viagem pelo mundo de vários anos, ou um par de amigas da Nova Zelândia. Todas as vidas se juntavam ali.
Viajando sempre de autocarro, uns mais confortáveis do que outros, cheguei até ao centro do país. A cidade de Hue, famosa pelos seus alfaiates de altíssima qualidade e a preços bem acessíveis, foi onde tirei alguns dias para fugir aos hosteis e dormitórios e decidi passar dois dias num quarto privado. Foi bom para repor energias - os hostels são sítios fantásticos para conhecer pessoas e outros viajantes, onde são poucos os momentos de calma, mas como já passo dos trinta anos preciso de moderar esse caos. Andei quilómetros a pé pela cidade, num calor que ali, no centro do país, começa a tornar-se um obstáculo importante. Claro que sendo português o calor nunca será o problema maior, mas é inegável a diferença que faz a extrema humidade que se sente naquele lado do planeta. Engraçado também observar a forma diferente como as pessoas se vestem nesse contexto, com roupas que ocupam todo o corpo e cabeça.
É essa a diferença que encontra quem viaja do Norte ao Sul do Vietname, são dois países dentro de um.
Continuando a viagem até Sul, a próxima paragem foi em Hoi An e Da Nang. Sítios de praia bonita, limpa e com uma água na temperatura certa, são sítios com mais turismo (nomeadamente turismo oriunda da China e da Rússia), com menos natureza intocada mas onde ainda assim se podem visitar sítios incríveis, como o templo da Lady Buddha. Foi em Da Nang que conheci a primeira viajante portuguesa, um momento inesquecível por conseguir falar a minha língua pela primeira vez em quase três semanas de viagem.
O destino final era a Cidade de Ho Chin Minh, também conhecida como Saigão. Cenário de grandes desenvolvimentos durante a Guerra do Vietname, era o centro do poder de americanos e seus aliados durante o conflito (Hanói era a capital do Vietname comunista, liderada por Ho Chin Minh) e, por esse motivo, é hoje uma cidade com muito mais influência ocidental e onde por vezes nos podemos esquecer que estamos no Vietname. É essa a diferença que encontra quem viaja do Norte ao Sul do Vietname, são dois países dentro de um. Saigão tem a sua beleza, principalmente para quem gosta de grandes metrópoles, e também o seu caos (bem distinto do de Hanoi). É uma das maiores cidades da Ásia e isso fica rapidamente visível assim que se chega.
Podem ler mais das impressões do João sobre a sua viagem ao Vietname no seu blog.
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