Bilhete-postal por Isabel Paulos

Na segunda-feira levantámos cedo e tínhamos pendurada na janela uma neblina ainda mais bonita do que na manhã anterior. Depois do pequeno-almoço e de mais uma conversa amena com a dona da quinta, também nascida em Angola de onde regressou ainda mais bebé, acerca da vida animal, apontamentos da vida do campo com sapos e outra bicharada tirados a balde do interior do lodo da piscina em dias grandes de limpeza e preocupações quanto aos destemperos e fundamentalismos ideológicos da actualidade, seguimos para o centro da pequena cidade.

Demos uma volta pela parte antiga e histórica. Um casario comum onde apanhei algumas nesgas de maior beleza. Não espiolhámos tudo quanto devíamos. Bom pretexto para voltar. Seguimos para um cafezito conversado que prolongámos descontraídos aproveitando para um exercício de memória. Jogámos ao STOP, como fazemos às vezes - cheguei a jogá-lo online com grupos de desconhecidos: vícios. Afinal estávamos de férias e continuamos criançolas. Sem papel, apenas de memória começámos por países e frutos e a ideia era dizer o número máximo que nos lembrássemos. Depois subimos a fasquia para nomes de instrumentos musicais e escritores portugueses e estrangeiros. Um fiasco, mas é uma forma de puxar pela cabeça, conversar acerca dos nomes, aprender qualquer coisa com o outro e a Internet já que se nos víamos atrapalhados a consultávamos.

Comprámos uma revista da National Geographic no quiosque local acerca dos segredos do cérebro e depois de almoçarmos pelo centro fomos a pé até à quinta onde estávamos hospedados para levantar a mala e metemo-nos no táxi.

Entretanto havíamos sabido que nessa manhã tinham rolado pedras para a linha entre o Tua e o Pinhão pelo que teríamos de fazer transbordo e parte do percurso de autocarro. Foi sabendo disso que fomos para o Pocinho, mas ignorando que lá estaríamos duas horas (fomos com adianto de uma) pelo atraso do comboio das cinco e catorze. Foi uma simpática espera numa bonita estação, onde o Nuno aproveitou para apanhar sol e eu para escrever. Quando me viu pôr o telemóvel a carregar na sala de espera, o funcionário da CP, com quem havia trocado breves palavras antes para saber a hora de partida, disponibilizou a tripla eléctrica em cima da mesa do gabinete – assim não teria de ficar de olho no carregador e telemóvel. Quando entrámos no comboio, para delícia do Nuno, o revisor já sabia o nosso nome.

O primeiro troço da viagem coincidiu com o pôr-do-sol. A meu gosto pude sentir a paisagem com outra luz. O anoitecer sobre as colinas é denso. Impõe respeito. A noite fora da cidade é majestosa. E mais uma vez as belas quedas de água. Fotografei um pouco à toa, sabendo que o telemóvel não podia captar o que via.

O transbordo para o autocarro no Tua foi rápido e acompanhado pelo revisor. Seguimos cerca de uma hora à moda antiga por estrada de curva contra curva rente a ravinas um tanto assustadoras entre o Tua e o Pinhão, sentados no banco da frente, a ouvir tranquilamente a conversa do motorista do autocarro e do revisor da CP. Ambos com terrenos que cultivavam. O que gostei de ouvir ainda que não tenha compreendido inteiramente: o método de poda para aumentar a produção das oliveiras a que chamaram cegar as árvores e afirmaram ter visto a prática entre os vizinhos. O Nuno também aproveitou a conversa para entender como se inverte a direcção das máquinas dos comboios na estação: não percebi nada, mas parece que têm duas frentes e o próprio mecanismo faz a conversão da frente para trás. Devo estar a dizer asneiras, mas não interessa.

Na bela Estação do Pinhão esperámos mais uma hora, e assim chegámos ao Porto às dez e meia da noite. O revisor saiu na Régua e já havia deixado indicação do nome dos passageiros ao colega que faria o resto da viagem, pelo que continuámos a não ter de mostrar o bilhete no telemóvel. Resumindo: mais informal e familiar é impossível, no fundo não chegámos a sair de casa e esse é o encanto dos portugueses.

Podem continuar a ler sobre o passeio da Isabel pelo Alto Douro no seu blog, onde este artigo foi publicado originalmente.