Chamo de terra do fogo, mas para ser mais completa poderia mesmo dizer que vi uma terra onde os quatro elementos se conjugam numa harmonia subtropical como só vi numa outra terra onde se fala português: a ilha do Príncipe. Aliás, à exceção das praias, são regiões muito similares e tão distantes no Atlântico. Mas hoje vou focar a minha viagem a São Miguel, a maior ilha do arquipélago.
Ainda antes de entrar no táxi, no aeroporto de Ponta Delgada, senti uma energia vulcânica que me serenou o nervosismo citadino (e o stress da vida com que vinha carregada). Essa energia não se refere apenas à temperatura e à paisagem de basalto. Mas sim a energia em que os açorianos vivem. Cumprimentam-nos com brio, simplicidade e entusiasmo. As três virtudes de saber viver em paz e sem mágoas de capitalismo. Não há mágoa nos Açores, apenas algumas histórias que os emigrantes deixaram semeadas, contadas lá de longe da “América”.
O que há é: uma biodiversidade única e muito rara no planeta. Senti momentos da ilha do Príncipe em muitas florestas ou montanhas, mas também das árvores de Costa Rica e só alguns edifícios parecidos com Évora, no continente. Na verdade, a primeira coisa que me ‘ensinaram’ foi a distinguir, sem sentido pejorativo, Açores de Portugal. Somos todos portugueses, mas uns são portugueses e outros açorianos. Foi assim mesmo explicado enquanto ia conversando com o abençoado taxista que me levou até ao Hotel Camões, no centro de Ponta Delgada.
Nos poucos momentos em que pude dormir, apenas sonhei com semântica marítima: mar, ondas, navio gigante, golfinhos, aves marítimas a dançar, casas de praia. Tudo que ainda não tinha visto sequer aqui nos Açores. Parecia um ensaio ou uma premonição para me preparar para saber receber os Açores, tão bem como me receberam. É encantador com as pessoas são bem-dispostas e ativas. E não têm manias de turismo exacerbado, quando, efetivamente, se vê turistas e línguas estrangeiras em todas as ruas, em todas as lagoas e em todos os principais pontos da ilha. Achei curioso as adolescentes e adultas utilizarem leques e perguntei o motivo. Fiquei a saber que é uma forma de se protegerem do calor que é constante no arquipélago e também porque a maioria dos espaços comerciais não tem ar condicionado. Mais curiosidades e lugares a visitar:
- Lagoa do fogo (também a Lagoa das Sete Cidades, mas sugeriram-me a primeira pela cratera) que parece o que eu chamei de “olho” de Deus para quem vê de cima ou quando se passa um drone;
- Plantação de chá (há duas, eu fui à da Gorreana e recomendo totalmente) – os Açores, especificamente esta ilha, são os principais produtores de chá da Europa;
- Verificar sempre o tempo a cada hora nos açores – não é o tempo a cada dia, pois isso não funciona para uma boa exploração das ilhas. Saiba que deve ver no IPMA, é mais fidedigno;
- Vá mais além e procure aldeias despovoadas e os animais de pasto;
- O famoso sítio que deu o nome à série “Rabo de Peixe” encontra-se quieto à frente do mar, a sua zona de sempre piscatória. Além do mar, destaca-se a igreja bonita. E as dificuldades retratadas de Rabo de Peixe não mudaram muito, pois a emigração continua acentuada e os postos laborais são muito poucos. Contactei com várias pessoas de lá e outras que, sendo de lá, emigraram para a América do Norte. Chorei com muitos relatos de emigração quase forçada, mas chorei mais com a coragem e o que almejaram. Inspiração pura;
- Ribeira Grande, sobretudo para quem ama surf;
- Apaixone-se pelas queijadas que têm receita secreta;
- Caminhe entre igrejas e casas da mesma feitura: basalto e tinta branca cuidada;
- E, claro, os lagos naturais termais a que se pode aceder em muitos locais, não só as Furnas que se tornam demasiado turísticas porque têm muita afluência;
- As florestas jurássicas absolutamente grandiosas da Caldeira Velha;
- Se vão visitar as partes termais, e claro que irão, mesmo que digam (como eu) que não querem banhar-se nas cascatas… levem roupa de banho e toalha. Têm vestiários de madeira que combinam com as árvores circundantes, no caso da Caldeira velha. Aqui têm três piscinas termais, mas eu recomendo a mais antiga e maior onde está a cascata. Entrei, vestida, e deixei-me repousar, minutos, na beira que divide cimento e riacho. Depois percorri as rochas e entreguei-me à cascata. Começou uma chuva de breve duração. Foi absolutamente campal: dentro da água quente, só com as árvores jurássicas, enquanto turistas corriam para os vestiários, eu estava sozinha com a natureza e com os seus paradoxos.
Algo que notei: há muito turismo, várias agências online, mas pouquíssima informação rápida e válida que nos diga onde e com quem ir visitar os locais que desejamos ou que nos aconselhem conforme o tempo se encontre: recomendo vivamente a iGoAzores (online e com números de telefone disponíveis para lhes ser tudo explicado e à sua medida), assim como o guia João que não só explica tranquilamente a história das coisas, dos lugares e dos caminhos, assim como também faz fotografias de mestre (tudo com bom zoom, sem precisarmos de um único filtro).
As cores dos Açores já são filtros variados, embora agora, iniciando a época baixa e o outono em força, as zonas de pasto já não estão verdes, mas sobretudo as hortênsias foram ‘dormir’ para voltarem na primavera com as suas cores dignas de arco-íris. Mesmos assim, ainda fui amaciando hortênsias azuis escuras, as minhas preferidas. E fiquei a saber que eu dava outro nome a esta planta desde criança, no Norte. E fiquei a aprender mais na minha rota pelo esquema dantesco, no melhor sentido da obra, da ilha. Sobre estes quilómetros e mais dicas, reporto no próximo artigo.
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