Será de cartão, será uma imagem pintada numa tela, por um qualquer artista de alma a preto e branco, que quis despejar todas as cores que vive e sente nas suas frequentes alucinações?
Não parece real a paisagem quando entramos nos bosques de carvalho do Trilho de Ornal, em Bragança, quando damos voltas sobre voltas, parece que saltamos para dentro de um cenário criado para nos mostrar que sentimento nos pode despertar aquilo a que chamamos paz.
Sabemos que não estamos sós, aqui e ali vestígios da imensa fauna residente, facilmente percebemos que a densidade da floresta guarda verdadeiros santuários naturais onde há imensa vida. Os líquenes que vestem os troncos e os galhos das árvores contam-nos que os níveis de poluição, naquele local, são zero.
Caminhando a um ritmo lento temos tempo para observar fenómenos fantásticos. Como a reação do carvalho às picadas dos insetos que originam os bugalhos (até podíamos pensar que era um fruto, mas é uma reação da árvore a uma “infeção”).
Abrimos, por curiosidade, um bugalho e confirmamos que dentro cresce uma larva. Se o bugalho estiver furado é porque o inseto já saiu, já voou.
Continuamos em direção ao rio, para um cenário mais ribeirinho e, facilmente, no caminho encontramos morangos selvagens e flores de muitas cores que adornam os lameiros verdejantes.
Atravessamos o riacho pisando pedras e admirando as águas cristalinas.
A natureza parece virgem, mas aqui e ali vão surgindo sinais da presença humana e percebemos como o respeito é capaz de criar harmonia e manter locais como este, em pleno Parque Natural de Montesinho, verdadeiros templos ambientais.
Ainda bem que vivemos na era digital, que as máquinas fotográficas ou os telemóveis nos dão enorme capacidade de armazenamento porque a cada passo descobrimos uma nova imagem que queremos registar.
Mas não seria necessário, os olhos conseguem captar muito além da fotografia instantânea, da beleza, do desenho, das cores, captam o rodopio das borboletas, sentem o papa-figos (pássaro) que nos assobia, uma pequena ave exuberante nas cores que veste, mas que não conseguimos ver, está escondido porque é tímida e tem vergonha de se mostrar.
As laboriosas abelhas que alimentaram o urso em Montesinho
A fama da empresa APIMONTE, que se dedica ao alojamento e à apicultura, cresceu com o ataque de um urso (que estava que de passagem pelo Parque Natural de Montesinho), às colmeias, com o intuito de se alimentar. As duas colmeias que o urso terá atacado e cujo mel consumiu estão agora em exposição na loja de venda da APIMONTE, na aldeia de Vilarinho. O apicultor não se zangou com o “prejuízo” e não foi pelos ganhos em publicidade. “Chega para todos, não fiquei nada chateado porque o urso tem de se alimentar e eu até fiquei satisfeito, são animais que por aqui nunca tínhamos visto, foi quase uma honra”, contou entre risos.
O apicultor mostra devoção pelas laboriosas abelhas, não apenas porque produzem um produto de excelência, mas por todo o processo de polonização que fazem onde estão. “Se não tivéssemos abelhas a nossa sobrevivência estaria em causa”, refere justificando esta adoração pelas obreiras. “Sabem quantas abelhas podem viver numa colmeia?”, questiona. O processo de adivinhação não levou ninguém a acertar, mas o apicultor revelou que cada colmeia pode ter “até 60 mil abelhas, mas só uma rainha”.
Alias as abelhas têm uma espécie de organização social, a colmeia é divida em três castas ou extratos: rainha, operárias e zangões.
É a rainha que mantém a ordem social e também a única fértil, que se reproduz. A rainha liberta substâncias químicas, que informam os outros membros da colmeia da sua presença e superioridade hierárquica. É quase duas vezes maior do que as operárias.
As operárias realizam todo o trabalho de manutenção da colmeia, desde a limpeza até à sua defesa. Elas limpam os alvéolos e as abelhas recém-nascidas, coletam néctar e pólen das flores, cuidam da alimentação das larvas, produzem cera para produção dos favos, elaboram o mel através da desidratação do néctar, produzem a geleia real, defendem a colmeia dos inimigos. Os machos da colmeia têm como única função fecundar a rainha durante o voo nupcial. E o seu fim é, por norma triste, durante o acasalamento, o órgão genital do zangão fica preso no corpo da rainha o que lhe provoca a morte.
O que nos conta a Arte? Como nos encantam com a Arte?
É quase um encantamento. Entramos no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, e deixamo-nos guiar pela paixão do diretor, Jorge Costa, por este espaço e por cada obra, cada experiência, cada história que ali é ou foi vivida. O edifício, com a assinatura de Souto Moura, tem sete salas inteiramente dedicadas à artista contemporânea que lhe dá nome: Graça Morais.
A “escolhida”, que é a pintora de origem transmontana, que mantém as raízes à terra e à sua gente, mostra ali uma das suas obras mais emblemáticas que são precisamente “As Escolhidas”. As mulheres do Vieiro, Vila Flor, terra de onde é natural, onde cresceu de cuja cultura e identidade bebeu na formação da sua forte personalidade. Delmina e Maria, são os rostos de mulheres valentes, mulheres resilientes, que marcaram toda a obra de Graça Morais.
Mulheres de rostos duros, traços vincados que mais parecem cicatrizes, eventualmente resignadas com uma cultura machista, que na terra trabalhavam e colhiam o alimento para a família, que poderiam ser vítimas de uma sociedade injusta, vítimas de uma ordem social às avessas, aparentemente submissas a essa ordem social, mas que nas telas pintadas pela artista aparentam uma força quase sobre-humana, apesar das cores escuras que vestem, emanam a luz da divindade.
Cada sala que visitamos neste espaço conta-nos histórias, muitas reais, outras que nos surgem quando olhamos para traços que se sobrepõe e que nos deixam adivinhar cenas e cenários confusos e ao mesmo tempo tão claros. Aqui e ali apontamentos de medo, de ameaça, de violência de subjugação.
E estes traços que parecem querer contar e denunciar uma realidade que a artista repudia vêem-se nos desenhos mais recentes, onde sentimos dor e vergonha quando nos deixam perceber, por exemplo, o drama dos refugiados.
Esta é a exposição permanente do Centro de Arte que para ser percebida tem de ser visitada e ouvida pela voz de Jorge Costa, que a cada nova tela que nos apresenta nos premeia com um novo brilho no olhar, um novo impulso de entusiasmo na voz. Conta-nos esta exposição como quem conta um filme onde também foi personagem, tal é o conhecimento e a ligação que o une à artista Graça Morais.
A sala de exposições temporária esta em montagem, à espera das obras inéditas de uma jovem artista polaca, Magdalena Kleszyńska, que ali se encontra numa residência artística desde o dia 25 de junho, a produzir continuamente, num trabalho ininterrupto de 12 horas diárias, sete dias por semana. Esta exposição, com o título “Byond, Between, Here and There”, vai ser inaugurada no dia 10 de julho e pode ser vista até 23 de outubro.
“Let me take you to heaven”
O convite é sugestivo e literal.
A frase “let me take you to heaven” era usada pelo Aeroclube de Bragança (ACB) para “seduzir” participantes para o Careto AirShow, o festival aéreo que se realizava sempre no primeiro fim-de-semana de julho, antes da pandemia e que regressará quando o contexto permitir.
Recordamo-la a propósito dos voos programados solidários que ali se realizam e assumimo-la como uma promessa. O ACB promete e cumpre. Quem visitar Bragança neste verão pode marcar um voo programado solidário, escolher uma das cinco rotas sugeridas ou solicitar uma viagem “a la carte” e voar, simplesmente voar até ao céu.
A viagem pode demorar entre 15 minutos a duas horas, com passagem certa dos locais mais emblemáticos e de maior beleza, a baixa altitude, para que os passageiros possam “fotografar” e “congelar” digitalmente cada imagem, cada momento, para partilhar ou simplesmente para memória futura.
Quando nós visitamos o ACB, os voluntários de serviço eram os comandantes Nuno Fernandes e Telmo Garcia. Enorme simpatia, profissionalismo e boa disposição, garantem voos incríveis.
“Incrível” é a palavra que mais ouvimos quando os passageiros regressam desta experiência.
À mesa “pecamos” conscientemente
O povo transmontano é, maioritariamente, católico, devoto e temente a Jesus Cristo, mas quando se trata de gastronomia é, não só pecador, como incentivador do pecado da Gula, um dos sete pecados capitais.
O que não tem lugar nas mesas transmontanas é a avareza, alias, a generosidade e a partilha fazem parte da refeição (talvez atenue o perdão do pecado anterior).
E foi isso que experienciamos em Bragança. Mesas fartas, mesas generosas, alegres e, essencialmente cheias de sabor.
O segredo, dizem, está na matéria-prima, conjugada com arte e amor com o saber fazer ancestral, a criatividade e a inovação. A região tem excelentes carnes de raças autóctones, boa truta do rio, caça que permite diversificar e abrilhantar os menus das carnes, os legumes e as frutas são, maioritariamente, de produção biológica. Os mesmo em relação ao azeite, presente na confeção de quase todos os pratos e, claro a excelência dos vinhos de Trás-os-Montes e Douro, ambos presentes na carta de vinhos da maioria dos restaurantes.
Os enchidos variados, os queijos, as compotas, a amêndoa e o mel marcam também presença frequente. E, claro, o pão tradicional, simples, com figo, com sementes, entre tantas outras variedades que é possível degustar por Bragança.
Nota: Fizemos esta experiência a convite da Associação Comercial, Industrial e Serviços de Bragança (ACISB), no âmbito do projeto Turistando por Bragança.
Visitamos os seguintes restaurantes:
- Quinta da Dona Florinda;
- O Copinhos;
- Restaurante o Cavaleiro, onde nos foi serviço a acompanhar a refeição o “Pão de Gimonde”;
- Tasca do Zé Tuga (Bib Gourmand do Guia Michelin).
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