A festa da Senhora do Almurtão mantém a força da fé e é o ponto de encontro da cultura popular, nomeadamente o cancioneiro. Devido à pandemia a romaria, marcada para hoje, 15 dias após a Páscoa, não se realiza. Fica a evocação.
A romaria à Senhora do Almurtão terá tido origem no século XIII e permanece até aos dias de hoje com enorme intensidade.
Nas palavras de António Catana, investigador e autor do livro A Devoção à Senhora do Almurtão, “contagia muita gente que vem de ano para ano. Cada vez há mais gente que aqui vem”.
Uma das alturas onde se verifica a forma intensa e a emoção dos romeiros é no final da procissão, quando milhares de pessoas se despedem da Senhora do Almurtão que regressa à ermida, num andor, coberta com um manto azul, tem uma coroa de prata e nas mãos o Menino.
As pessoas, muitas delas idosos e com o seu fato domingueiro, despedem-se com lenços brancos, choram e acompanham o canto que se ouve na aparelhagem do santuário.
A emoção é ainda reforçada com o som permanente dos foguetes.
Como aqui se diz, cantar é rezar duas vezes. O cancioneiro é rico e inspirou José Afonso.
Senhora do Almortão
ó minha linda raiana
virai costas a Castela
não queirais ser castelhana
Senhora do Almortão
a vossa capela cheira
cheira a cravos, cheira a rosas
cheira a flor de laranjeira
Senhora do Almortão
eu pró ano não prometo
que me morreu o amor
ando vestida de preto
Muitas das quadras do cancioneiro da Senhora do Almurtão ouvem-se no dia a dia, na rotina das mulheres com mais idade.
O cantar é também uma das facetas da romaria, como expressão popular de um momento especial. Refere António Catana que no passado “juntavam-se grupos de pessoas, cantavam pelo caminho e quando chegavam aqui davam três voltas à capela”. Agora os rituais são diferentes.
Em 2019, no último ano da romaria, António Catana testemunha que “à noite, por três vezes, juntaram-se pessoas de várias aldeias e cantaram com os seus adufes. Como diz o povo, “cantar é rezar duas vezes”. Eles põem-se aqui todos a cantar. Contei 23 adufes, inclusive com crianças que estavam com os seus pais. É este o enraizamento. Cantam quando chegam e no final, depois das merendas”.
O arraial, o fogo de artificio, comer a merenda debaixo de uma azinheira são outras marcas que permanecem. É vulgar encontrar gente a comer, espalhada pelo campo, em lugares improvisados. “Ainda hoje cada família tem a sua azinheira. Não é sua, é um sítio certo. Familiares que vêm de Lisboa já sabem qual é a azinheira onde nós estamos.”
Quando da missa campal, a maioria dos romeiros concentram-se em redor da capela. Alguns vão ao interior rezar. É um espaço simples, com alguns azulejos, pinturas e ex-votos. A imagem da Senhora durante a missa fica no exterior. Foi criada no século XVIII, é de roca e de vestir. Os mantos são habitualmente de cor azul. Como a fotografia que se vê no postal que muitas pessoas levam na mão. Uma lembrança.
Outro testemunho é uma imagem colocada no chapéu. A santinha está ao lado de uma flor branca de papel com enfeites coloridos e envolvida com penas.
A tradição caiu em desuso mas António Catana procurou reavivar em 2019. “A flor é de papel. É a chamada flor de romaria que tem sempre estas cores vivas. É o símbolo da alegria, de vir à festa. Antigamente, para eles, na vida de martírio que era nestes campos do interior, o dia de virem à festa era de uma alegria enorme.”
O Santuário fica no meio de um descampado, na campina de Idanha-a-Nova. Terá origem como templo pagão, antes da romanização.
A associação à Senhora do Almurtão tem origem em várias lendas que têm como ponto comum a descoberta de uma imagem que foi várias vezes transportada para outro local, mas, misteriosamente, regressava sempre ao local de origem. A uma zona abundante de murtas, onde acabou por ser construída a ermida que ao longo dos anos foi reformulada.
A romaria há um século que se realiza 15 dias após a Páscoa. Antes era em Setembro.
Senhora do Almurtão a romaria da raia faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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