Todos podemos viajar. Uns mais do que outros. “O que talvez não esteja ao alcance de todos são a experiência, o engenho e a erudição necessários para perceber que cada viagem é única” (1). Aprendi-o com Gonçalo Cadilhe. Parto sempre em busca de alargar a tal “experiência”, “engenho” e “erudição”. Talvez por isso tenha entrado em Évora com o mesmo sentimento de José Luís Peixoto assim que se achou no Sardoal. Estou dentro de um livro. “Cada passo que dês a partir daqui, cada palavra que digas ou penses pertencerá a esse livro” (2). Assim foi.
Estou sozinho. Por escolha. As habituais conversas que nos permitem criar memórias coletivas dão lugar à observação. O GPS serve para me orientar no percurso entre o autocarro e o Jardim Público. A brevidade da vida humana é relembrada uns metros mais à frente. Entro na Capela dos Ossos. A partir do terraço, vejo a Sé. Largo as algemas que me prendem à voz que me dirige para sudoeste quando nem sei onde está o norte e o sul. Estou livre. Já posso chegar à Praça do Giraldo vindo de cima ou de baixo. Simplesmente, de onde calhar. E descobrir por mim próprio que esta serve de homenagem à figura histórica que conquistou Évora aos mouros e a ofereceu a D. Afonso Henriques. Geraldo Sem Pavor.
Há tempo. Deixo o imediatismo por umas horas. Percorro as estantes de uma livraria. Sento-me no sofá que se enchia de leitores num antigamente que nunca presenciei. Atrás de mim, um pai e uma mãe conseguem adormecer o filho de apenas umas semanas. O tempo está a contar. Agora também eles têm tempo para escolher os livros que vão ler à criança. “Já disse que não gosto da história do patinho”, diz o pai. Não sei o que acabaram por levar. O bebé acordou e a saída foi feita à pressa.
Encontrei de novo o casal durante a minha visita ao Templo de Diana. Quer dizer, ao Templo Romano. Está provado que foi construído para vangloriar o Imperador Augusto e não a Deusa da Caça. Pai, mãe e filho faziam a primeira viagem a três. Não inventei. Eles é que o disseram. Pediram a uma turista que lhes tirasse uma fotografia. A primeira. A “fotógrafa” recebeu um abraço e algumas palavras de apreço. Tal como o músico de rua que brindou quem por ali passava com uma nova versão de Stand By Me, de Ben E. King, entre outras canções. “Gosto da tua música”, disse um rapaz. O som das moedas a cair no saco da guitarra ditavam o sucesso da sua atuação.
Afeto nunca faltou naquela tarde de sábado. Os turistas eram essencialmente casais. Uns mais novos, outros mais velhos. Para além dos recém-casados. Na Igreja da Graça, os convidados formavam um corredor para receber os noivos e atirar-lhes arroz. O carro já estava preparado para seguir para o copo de água. Ali perto, outros noivos estavam já numa fase mais adiantada do processo. A sessão fotográfica. Pareciam felizes. Talvez não soubessem que Évora fora o palco de um dos casamentos mais desastrosos da História de Portugal. D. Pedro e Constança Manuel. Sucedeu uma traição. O filho de D. Afonso IV apaixonou-se por Inês de Castro. A amante acabou assassinada e D. Pedro liderou uma revolta contra o pai.
O desfecho dos casamentos a que agora assisto espera-se diferente. Durem ou não para sempre. Por isso, viva os noivos.
1 Sinal de GPS Perdido / Gonçalo Cadilhe. – 1ª ed. – Lisboa : Clube do Autor
2 Onde / José Luís Peixoto. – 1ª ed. – Quetzal Editores
O Miguel estuda jornalismo, pratica esgrima e nos tempos livres escreve sobre as viagens que faz no seu blog, Ponto de Fuga, onde este texto foi originalmente publicado.
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