Teófilo Cerqueira, músico, de 65 anos, nascido em Ponte da Barca e criado em Arcos de Valdevez, emigrante vários anos, não dança folclore, mas gosta de observar as "rodas".
Todos os domingos, à tarde, o "vício" junta dezenas de pessoas em Arcos de Valdevez e Ponte da Barca. Em roda, ao som da concertina e do reco-reco, baila-se horas seguidas. Não "interessa de quem partiu a ideia, quem a começou ou quando começou", disse o músico, destacando que o "importante é que nasceu, informal, sem regras, e há já alguns anos que ocupa o lugar que lhe pertence, o terreiro".
O movimento espontâneo fez ressurgir uma das mais antigas danças populares das aldeias do Alto Minho em centro urbano.
Em Arcos de Valdevez, "no verão, dança-se à sombra das tílias do Campo do Trasladário e, no inverno, numa tenda que a Câmara Municipal montou para abrigar o movimento". A cerca de quatro quilómetros, em Ponte da Barca, o vira dançado em roda acontece no Largo do Curro, onde o município também instalou uma tenda para "resguardar" os dançarinos "do rigor do inverno minhoto".
Em Ponte da Barca, conta Teófilo, a faixa etária da "roda" muda com a Romaria de São Bartolomeu, a decorrer até domingo. Mas na sua génese "estão, sempre, os emigrantes".
"Se durante o resto do ano as rodas integram, maioritariamente, ex-emigrantes entre os 40 e os 70 anos ou mais que bailam sem parar, durante as festas são, sobretudo, os jovens emigrantes, entre os quatro e os 30 anos, que fazem acontecer o folclore", contou Teófilo Cerqueira.
Teófilo não tem dúvidas em atribuir àqueles conterrâneos um "papel decisivo" no ressurgimento do interesse pelas danças populares, legitimando algo que existia na região e que se perdeu após o 25 de Abril, quando a juventude passou a frequentar as discotecas, “porque o rancho era opressivo".
Em Ponte da Barca, adiantou, "a impulsionadora das rodas é uma senhora que nasceu no concelho, emigrou para França onde apanhou o vício e deu nova vida ao folclore espontâneo".
"Quando emigravam, os pais, num esforço de proteger os filhos e filhas do que consideravam ser a decadência e depravação dos costumes das sociedades de acolhimento, fundaram sociedades, cópias de casas do povo, onde os filhos pudessem estar protegidos. E ensinaram as danças. E aconteceu um milagre. As nossas festas e romarias enchem-se de gente nova e bonita a dançar como nunca se viu dançar", explicou.
Se, reforçou, "a romaria durar sete dias e sete noites, dançam-se as sete noites sem parar num transe comparável ao exibido nas ‘raves' de música eletrónica".
"Um sinal de que a roda veio para ficar passa pela maravilha de ver crianças de sete, oito, dez anos a dançarem como gente grande, como se lhes estivesse no sangue", relatou.
Teófilo Cerqueira lamenta que "o folclore do Alto Minho tenha sido muito maltratado", até pela "falta de pesquisa e de subsequente valorização do impacto que teve na música à escala mundial" e que "só agora esteja voltar ao lugar a que pertence, no terreiro, numa iniciativa urbana".
"A maior parte das pessoas vê-o como um exercício etnográfico, por vezes ridículo, com mulheres com saias grossas e meias de lã a padecerem sob um sol inclemente, dançando rígidas e de braços erguidos, ao som de uma tocata amadora e de uma voz esganiçada que irritaria os mais insensíveis tímpanos. Os nossos ranchos folclóricos são talvez uma expressão da formalização, do institucionalizar um exercício que precisava de ser controlado", referiu.
Atento ao fenómeno, Teófilo reconhece que "ainda vai demorar tempo" para o vira se transformar em tendência, mas admite o "interesse" que começa a despontar por esta forma espontânea de convívio urbano, desde que "sem regras".
"Tudo o que é espontâneo não gosta de regras. Com imposição de regras, as pessoas param de aderir. É deixar o folclore acontecer, naturalmente, no terreiro", acrescentou.
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