Andar por Lisboa a tirar fotografias não é só turismo. Durante anos, também foi o trabalho de Benjamim Silva, que tinha como missão registar como apareciam na rua as publicidades contratadas pelos anunciantes. Nos intervalos, aproveitava para registar a cidade em movimento, cada vez mais em duas rodas. Pedimos-lhe que nos falasse sobre essa transformação em Lisboa e partilhasse connosco algumas das fotografias que fez.
Para quem não te conhece, podes explicar em que consistia o teu trabalho como fotógrafo nas ruas de Lisboa?
Benjamim: Durante 23 anos o meu trabalho consistia maioritariamente em fotografar a totalidade da publicidade afixada no mobiliário urbano, Carris, CP, TT, Metro Lisboa e nos Táxis. Como é óbvio, quando temos 20 anos o corpo aguenta com facilidade qualquer exigência física, mas quando entramos nos 40 o mesmo exercício não é recebido com a mesma leviandade.
No final destes anos consegui nunca ser atropelado, mas não consegui fugir a uma pequena lesão na L4.
Para dar uma noção da exigência do trabalho, tens alguma estimativa de quanto caminhavas por dia?
Posso descrever um trajeto que executava com alguma regularidade. Por exemplo começar no Cais do Sodré em direção ao Terreiro do Paço que permitia fotografar um pouco da Carris, TT, CP e Metro. Subir a rua da Prata até a Praça da Figueira permitia apanhar alguns elétricos e uns táxis.
Do Rossio ao Marquês Pombal fica com o mobiliário urbano praticamente despachado. Subir até ao Saldanha permitia com facilidade fazer mais uns tantos autocarros. A seguir, descia até ao Campo Pequeno e depois Campo Grande e apanhava a Av. do Brasil entre a Cidade Universitária e a rotunda do Relógio. Depois subia um pouco até ao Aeroporto e depois descia pela Av. de Berlim até ao Parque das Nações.
Por esta altura, já tinha praticamente a totalidade das imagens de exterior recolhidas. Agora era voltar ao início (Cais do Sodré) mas mais centrado em acabar a publicidade em falta afixada no Metro.
E para piorar, convém não esquecer que estas distâncias eram feitas carregado de material fotográfico. Não sei dizer quantos quilómetros fazia por dia, pois este trajeto que descrevi variava em função do que tinha que fotografar, mas tenho a noção que andava mesmo muito.
Quando é que começaste a reparar que havia mais ciclistas e bicicletas a circular em Lisboa?
Não faço ideia. Para conseguir responder a tua pergunta tive de ir olhar para os meus registos e tentar perceber quando é que comecei a fotografar bicicletas com mais frequência. Notei um aumento considerável em 2010. Por isso julgo que um ou dois anos antes deve ter acontecido uma mudança na Câmara Municipal de Lisboa que permitiu a chegada das bicicletas a Lisboa.
Consegues estimar quantas fotografias tiraste a ciclistas? E ao teu olho de fotógrafo, o que as torna tão interessantes?
Posso dizer que tenho uma pasta (digital) com perto de 900 imagens que gosto. Por isso podes multiplicar esse número por 10 e garantidamente deve dar um número bastante próximo das fotos que fiz.
O meu "olho de fotógrafo", como tu lhe chamas, andou uns tempos a estudar fotografia entre Utrecht e Amesterdão em que fazia aproximadamente 30 km de bicicleta. Gosto de pensar que isso teve alguma influência na forma como olho para as bicicletas e a minha preocupação com o ambiente. Mas como fotógrafo o que acho verdadeiramente notável é a possibilidade de congelar o movimento e observar por tempo indeterminado um instante do movimento necessário para manter o equilíbrio na bicicleta.
Como fotógrafo, achas que as bicicletas fazem as pessoas mais bonitas?
Não é somente fazê-las mais bonitas. É a sensação de independência, confiança e força que me transmite. Isto é ainda mais verdade se forem bicicletas com condutores do sexo feminino. Inicialmente, quando comecei o projeto "BicicletasEmLx", tinha como ideia fotografar somente mulheres, mas o projeto não evoluiu nesse sentido.
Mas respondendo à pergunta, sim, "fazem as pessoas mais bonitas".
Lembro-me de algumas pessoas se reconhecerem nas fotografias que ias partilhando nas redes sociais. Foram muitas? E hoje em dia, ponderas fazer algo com essas fotografias ou a ideia é ficarem apenas no arquivo?
Sim, lembro-me de algumas. Mas não muitas!? Provavelmente foram mais do que me lembro, agora que estou a pensar no assunto, pois, foram bastantes mesmo.
Recebi muitos contactos através das redes sociais que acabavam sempre comigo a oferecer a foto. Alguns transformaram-se em clientes e uns tantos em artigos e lembro-me de uma reportagem na RTP. Na altura fiz um livro com essas imagens e julgo que a reportagem foi para falar sobre o livro. Tinha ideia de fazer um segundo livro melhorado mas comecei a ter alguns problemas com direitos de imagem. E o que era divertido passou a ser uma dor de cabeça. Acabei por fechar o blog (FotoBen) e o Flickr e retirei o livro do mercado. Atualmente, não estou com paciência para levar com pessoal paranoico. O mais certo é ficarem no arquivo para meu gozo pessoal.
No período de tempo em que fotografavas por Lisboa, além das bicicletas, notaste alguma outra evolução na cidade?
Claro que sim. Uma cidade totalmente diferente em poucos anos. E a meu ver para muito melhor, dou os parabéns ao trabalho da Câmara Municipal de Lisboa. Ter uma cidade a pensar nas pessoas e não nos carros é sempre melhor. Pessoalmente, gostava de ver mais transformações como a que foi feita na Av. Duque de Ávila por exemplo. O que não gostei de ver nos últimos tempos foi o turismo que transformou a cidade num circo. Por vezes acho a cidade muita suja, mas aqui pode ser culpa das minhas esquisitices.
Tens saudades desse trabalho na rua?
Não. Era muito desgastante fisicamente. Mas tenho saudades de fotografar a P&B, isso sim. E gosto muito de passear acompanhado de uma máquina pequena. Mas infelizmente não o tenho feito. A vida acontece e temos que nos adaptar o melhor possível. Hoje não tenho tempo, mas amanhã quem sabe? As coisas mudam e talvez faça outro livro com título: BicicletasEmLx II.
Obrigado, Benjamim!
Podem seguir o trabalho do Benjamim aqui.
Comentários