Há pouco mais de 75 anos, em plena II Guerra Mundial, Fernando Namora era médico em Monsanto, no concelho de Idanha-a-Nova, e testemunhou o alvoroço que se vivia na região transformada num El Dorado.
Milhares de pessoas pesquisavam terrenos, trocaram a agricultura pelas minas ou durante a noite contrabandeavam o volfrâmio para quem pagava mais. Alemães ou Aliados. Seguiam para Espanha, Sabugal ou outros cruzamentos de intermediários, na maioria dos casos, da indústria militar da Alemanha.
Além de testemunhar a corrida ao El Dorado, há relatos de que Fernando Namora visitou várias vezes as minas da Mata da Rainha. Desse contacto terá resultado a inspiração do romance Minas de S. Francisco, editado em 1946, já com o escritor a viver em Pavia, concelho de Mora.
A descrição dos sonhos dos trabalhadores agrícolas agora mineiros, como o João Simão, ou da ganância e falta de escrúpulos dos D. Manolo, percorrem o enredo da obra. A par das dúvidas e contradições dos engenheiros ou a simplicidade da Maria do Freixo que aprendeu a beijar no couto mineiro.
Todo este universo projeta-nos para vivências e memórias que hoje são partilhadas de forma difusa na pequena aldeia do concelho do Fundão e vizinha do de Penamacor. Memórias que ainda estão bem vivas. “Então não lembro! Eu não sou daqui da Mata. Eu sou de Pedrógão de São Pedro (fica a cerca de 3 Km) e tinha aqui um irmão. Vinha cá muitas vezes, passava pelas minas e até estive lá.” O testemunho é de António Robalo que tem agora 87 anos.
As minas estão próximo da ribeira do Taveiro, a cerca de um quilómetro da aldeia. Ainda se encontram estruturas bem visíveis, como a entrada para duas minas, mas o caminho não está sinalizado.
Por isso, ajudam as orientações que me foram dadas por outro habitante da Mata da Rainha, João Rocha: “antes de chegar à ponte do lado esquerdo há um caminho de terra batida. Mais ou menos a 50 metros tem uma galeria que tem água. No interior tem uma torneira de uma fonte, onde as pessoas bebiam água.
Depois dessa galeria, cerca de 50 metros mais à frente, tem uma mina com pedra em cantaria. Mas tem de percorrer mais 20 ou 30 metros num caminho à esquerda com silva e mato. Não é fácil chegar à entrada.”
Uma outra ajuda para detetar o caminho é o muro de entrada de uma casa que tem em cima dois vagões de ferro que teriam pertencido à mina.
Na mesma zona, ao longo de uma encosta, encontramos outros vestígios como casas de xisto abandonadas, um tanque para a água usada no complexo mineiro e que devia correr para o outro lado da estrada.
No topo da colina, o destaque é a antiga central elétrica que se assemelha a uma torre de vigia. Agora, o espaço é ocupado maioritariamente por oliveiras e ruínas. No tempo em que a mina esteve em atividade centenas de pessoas improvisaram aqui lugares para dormir. Seguimos o testemunho de António Robalo: “Da ribeira para lá e também para cá estava tudo cheio de barracas. Havia gente da minha terra, do Pedrógão, das aldeias. Estava tudo cheio de gente a habitar em barracas. Agora há oliveiras, mas naquele a tempo era só barracas. Havia lá muita gente a trabalhar.”
Duas mil pessoas a trabalhar nas minas
João Rocha acrescenta que em alguns meses a mina esteve em trabalho continuo com três turnos. “Consta que trabalharam cerca de duas mil pessoas nas minas. A aldeia teve muita atividade nessa altura. Os mais idosos dizem que chegou a haver aqui 14 tabernas e que ao fim de semana estariam cheias de gente. Agora há um café e costuma fechar a meio da tarde.”
A extração do minério envolvia mais gente para além das minas. Era feita em outros lugares que se detetavam pelas chaminés, “com poços fundos, que é para entrar o ar.”
Hoje são pouco os poços detetados e só por quem conhece os terrenos. Diz João Rocha que “há muitos, mas estão escondidos ou já foram tapados.”
No romance de Fernando Namora e nos testemunhos locais fica por saber se o fecho da mina se deveu à falta de minério ou pelo fim da guerra. O que se descortina, pelo testemunho de António Robalo é que foi tão rápida a abertura como o fim da atividade. “Os engenheiros abalaram, deixaram cá ferramentas, deixaram tudo, picaretas, pás...”
O fim do El Dorado
Terminado o El Dorado, acabaram muitos sonhos e a Mata da Rainha voltou a viver da agricultura. Hoje tem menos de uma centena de residentes permanentes.
Só quem teve a sorte do minério e conseguiu algumas poupanças tem boas memorias desses tempos. “Há pessoas que as economias que arranjaram foi através do volfrâmio” e algumas das casas que chegam aos dias de hoje resultam da venda de volfrâmio.
A aldeia voltou à sua pacatez, ficou o legado das minas e também de um fabuloso património imaterial, de muitas histórias que chegam aos dias de hoje. O livro de Fernando Namora, nas palavras de João Rocha, é outro contributo para despertar a curiosidade da visita às Minas de San Francisco – “talvez a curiosidade do livro desperte a atenção das pessoas.”
Diz ainda João Rocha que ao andarmos pela aldeia encontramos muitos testemunhos, histórias contadas por quem teve uma relação direta ou contadas por antepassados, como foi o caso do seu avô.
O passeio pela Mata da Rainha tem ainda de o levar à pequena fonte romana e à igreja Matriz que no alto do morro vigiava tudo o que se passava nas Minas de S. Francisco e que não era do agrado do padre João.
“A igreja é enorme, sólida, majestosa. Foi restaurada por um americano que trouxe de Boston uma moto que investe pelos caminhos como um toiro de lume nos olhos e que tem força para aguentar com meia dúzia de mastronças. Ele mesmo ditou os dizeres da placa do lado nascente, para que receba a luz do alvorecer antes de qualquer outra casa na aldeia:
TEMPLO SAGRADO É A PORTA DO CÉU E CASA
DE DEUS QUE MANDOU FAZER JOAQUIM CHAMUSCA
DE SAN FRANCISCO EM 1935 EXISTA DE PÉ ESTE
TEMPLO ATÉ QUE UMA FORMIGA BEBA TODA
A ÁGUA DOS MARES E UMA TARTARUGA
DÊ UMA VOLTA EM REDOR DO MUNDO
O americano de Boston é um humorista, ou talvez um poeta.”
Mata da Rainha das “Minas de San Francisco” de Fernando Namora faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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