Correram vozes em Monte Lavre de que havia uma guerra na Europa, sítio de que pouca gente no lugar tinha notícias e luzes. Guerras também as havia ali, e não pequenas.
Esta é a visão romanceada de Lavre por parte de José Saramago na escrita da obra Levantado do Chão.
Saramago viveu cerca de dois meses em Lavre, em 1976, para recolher testemunhos dos habitantes.
Curiosamente, o nome da obra, Levantado do Chão, também se adapta à história da vila que foi concelho, uma povoação importante até ao terramoto de 1755.
O sismo destruiu muitas casas e, na expressão de António Ferreira, natural de Lavre, foi a partir daí que a sua terra natal começou a cair.
“Com o terramoto caiu parte das casas da povoação. Caiu e nunca mais recuperou. A vila ficou com pouca gente. A agricultura foi desaparecendo e começou a saída de pessoas para as grandes cidades. Nunca recuperou. Ficou uma vila mais pequena, mas uma vila histórica.”
No entanto, é permanente o esforço para Lavre se levantar do chão.
A vila tem pouco mais de 700 habitantes. Nos últimos anos ganhou novos residentes, embora seja ainda reduzido o número de jovens.
Num dos acessos rodoviários à vila vemos um campo de futebol com relvado sintético. Na berma de outra estrada sobressai um bairro novo. No entanto, o olhar fica cativo da igreja no alto do monte.
Pela rua principal iniciamos um percurso calcorreado muitas vezes por Saramago. Próximo do cruzamento está a casa de Mariana e José Besuga onde o escritor ia comer com regularidade. A pequena habitação tem uma placa a registar a relação com Saramago e a evocação dos 25 ano do romance.
Subimos a rua principal e sentimos com mais intensidade o ambiente descrito na obra de Saramago. Entre o casario, uma habitação térrea, branca e com alinhamento azul, na rua Cândido dos Reis, pertencia à família que inspirou Saramago a dar rosto a Domingos Mau-Tempo. É quem inicia o enredo e que nós podemos seguir através de um percurso pedestre.
Pessoas e lugares de Lavre, ou Monte Lavre, que fazem parte da terceira parte do Roteiro Levantado do Chão, "Da Vila à Ponte Velha".
É uma iniciativa da Junta de Freguesia e da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo e um dos obreiros é Nuno Cacilhas. “Dos três percursos este é o que tem uma componente biográfica mais forte. Acompanha a estadia de José Saramago na vila de Lavre."
"O que nós propomos através deste percurso em Monte Lavre é refazer os passos de José Saramago em Lavre e também mostrar também as referencias históricas das personagens, dos lugares que aparecem no Levantado do Chão.”
Parte do percurso pedestre é junto à ribeira de Lavre até à ponte Velha, ou na designação de Saramago a Ponte Cava.
“Era esta ponte, apenas o que restava dela, um arco partido e grandes pedras no leito da ribeira”, segundo a descrição de José Saramago que fez várias vezes o percurso.
A Ponte Cava ou Ponte Velha, é do século XII, está num lugar completamente isolado e parte da construção encoberta por ramos de árvores que encantam e reservam o lugar só para nós.
O caminho é um pequeno trilho que por vezes nos obriga a descidas íngremes ou a passar entre denso arvoredo.
Romântico no outono e exuberante na primavera. São as épocas recomendadas para por António Ferreira. “Recomendo a primavera porque as plantas estão em flor e no outono porque há a queda das folhas das árvores.”
O percurso que acompanha a ribeira não tem passadiços, pontes ou qualquer outro tipo de construção que altere o seu ambiente natural. O caminho não estará muito diferente do que Saramago percorreu em 1976.
Há um trilho alternativo de acesso à ponte. É mais rápido e mais fácil, mas não tem o encanto de acompanhar a ribeira.
O roteiro foi inaugurado em maio de 2021 e tem seduzido alguns visitantes a descobrir Lavre. “Desde que a Junta de Freguesia fez este trilho, há muita gente que vem a Lavre fazer o percurso pedestre.”
Por último, saliente-se a forte atividade cultural na vila. É promovida essencialmente pela Casa do Povo através da Banda Filarmónica Simão da Veiga e de uma escola de música.
O trabalho contínuo nas últimas décadas e a relevância da banda e da escola fizeram com que muitos dos residentes saibam música, toquem um instrumento musical. “Muitos. Uns que já estão fora e outros que continuam. A principal atividade cultural em Lavre é a musica e há muitas crianças de outras povoações que vão aprender música na escola.”
Foi a 1 dezembro de 1889 que a banda se deu a conhecer em termos oficiais, com o nome de Banda da Sociedade Fraternidade Simão da Veiga.
No coreto na Praça da República vemos várias referências à banda e na rua principal está um painel de azulejos com a representação do patrono, Simão Da Veiga, cavaleiro e pintor, natural de Lavre.
Roteiro em Lavre Levantado do Chão faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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