Uma mulher veio de Dusseldorf, apanhou um táxi em Lisboa para a Azinhaga, esteve aqui algumas horas e depois regressou à Alemanha.
É frequente visitantes chorarem quando tocam nos livros. O escritor e a sua obra ainda são uma fonte de emoções fortes. O contexto pode contribuir para uma vivência intensa.
A pintura “Zezito” (acrílico y tóner sobre madeira 200×200 Emilio Fornieles ©) na entrada da antiga escola primária aviva a memoria de infância que remonta a 1922, data do nascimento de José Saramago na Azinhaga, no concelho da Golegã e cujo centenário se celebra este ano.
A escola primária é uma delegação da Fundação José Saramago.
Além da biblioteca e de recortes de imprensa que relatam a presença e o relacionamento de Saramago com a sua terra natal, há também objetos mais pessoais.
É o caso da cama dos avós e que chegou a servir de abrigo a alguns animais nas noites de frio conforme relatou o escritor no discurso em que recebeu o Prémio Nobel em 1998.
A cama foi descoberta pelo presidente da Junta de Freguesia, Vítor Guia, e cumpriu ainda outro objetivo: satisfazer um sentido desejo de Saramago que disse pagar uma fortuna para por as mãos em cima daquela cama.
Conseguiram descobrir as cores originais onde domina o rosa velho. A cabeceira da cama tem ainda algumas flores amarelas e verdes. A cama é hoje um dos elementos mais relevantes nos artigos pessoais em exposição, por aquilo que ela representa.
Nos últimos anos de vida o escritor visitou várias vezes a Azinhaga e chegou a avaliar o desejo da Junta de Freguesia de ser aberto um espaço dedicado a José Saramago. Em 2006, decidiram avançar com uma extensão da Fundação com sede em Lisboa.
As primeiras instalações foram num edifício que desempenhou várias funções, inclusive de prisão e José Saramago até se lembrou de ter visto o seu tio detido porque roubou uma galinha à mãe, avó de Saramago.
As antigas instalações da Fundação são também próximas da casa onde nasceu e mesmo em frente está uma estátua de Saramago que reúne o consenso como um dos lugares mais fotografados na Azinhaga. Esta escultura é uma exceção na vida do escritor. Recusou sempre que em vida lhe fizessem qualquer escultura.
Vítor Guia sabia disso e numa noite, na casa de Lanzarote, fez o desafio a Saramago. Com pouca esperança, mas usou um argumento que sensibilizou o escritor: a estátua era exclusivamente da iniciativa de leitores, não havia qualquer investimento público e era apenas a forma de muitas pessoas manifestarem lhe manifestarem o seu apreço. Foi a exceção à regra e a estátua é um dos ícones da Azinhaga.
No livro As Pequenas Memórias, Saramago conta recordações dos quatro aos quinze anos da vida e algumas são relativas à Azinhaga, como é o caso do campo de futebol que hoje é um bonito jardim e que está mesmo em frente das instalações da Fundação.
Algumas destas recordações são citadas em painéis de azulejos espalhados pela Azinhaga, designadamente ao longo de um percurso que acompanha o Rio Almonda.
Saramago retomou alguns destes percursos nas visitas que fez à Azinhaga. Uma delas foi em 1988 quando foi distinguido com o nome de uma rua. As visitas tornaram-se mais assíduas a partir de 2005 quando foi estabelecida uma relação mais próxima com Vítor Guia.
Inclusive, o lançamento do livro As Pequenas Memorias, em 2006, foi feito na Azinhaga. As pessoas da aldeia organizaram uma festa, Saramago fazia anos e o pavilhão encheu. Duas mil pessoas. Na altura Saramago ficou emocionado, disse que só não chorava por vergonha e este ficou um dia inesquecível para a Azinhaga.
A Azinhaga no centenário do nascimento de José Saramagofaz parte do programa da Antena1, Vou Ali e Já Venho, e pode ouvir aqui. Esta é uma versão atualizada de um artigo publicado em 2019.
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