Imagem: Pedro Valença / LPN

A Lagoa de Óbidos é um postal turístico de Portugal e, particularmente, da região Oeste. Continua a ser hospitaleira, e acolhedora, para quem ali vai tomar banhos de mar, caminhar nas suas margens e divertir-se a realizar desportos náuticos.

Numa manhã fresca e fria, como são as manhãs típicas da região Oeste, faço-me à estrada pela centenária Linha do Oeste. Aguardo, imparcialmente, na antiga Estação de Runa, hoje apeadeiro, a chegada da barulhenta automotora diesel da Série 592 da CP, conhecidas na gíria ferroviária como as “Camelo”. Estas automotoras, alugadas a Espanha (RENFE), percorrem o troço ferroviário do Serviço Regional da CP, entre Sintra-Meleças e a Figueira da Foz.

Viajar de comboio, hoje em dia, nunca fez tanto sentido. Podemos contemplar a paisagem, dialogar com outros passageiros ou ter as leituras em dia. No meu caso, opto por contemplar a paisagem envolvente, entre os concelhos de Torres Vedras e Óbidos, onde observamos vinhedos, pomares, moinhos, castelos, quintas, entre outros.

Lagoa de Óbidos: passeio sustentável pelo mais extenso sistema lagunar de Portugal
créditos: OLIRAF
Lagoa de Óbidos: passeio sustentável pelo mais extenso sistema lagunar de Portugal
créditos: OLIRAF

Chego ao meu destino: Óbidos. A estação, apesar do seu estado de abandonado e degradação, é decorada, como grande parte das estações de caminhos de ferro do nosso país, com belos e simples azulejos (da autoria de José Vitória Pereira, datados de 1943 e saídos dos fornos da fábrica da Viúva Lamego), que mostram os diversos ex-líbris do concelho de Óbidos, onde se inclui, claro, o burgo medieval, as muralhas circundantes, a porta da vila, o pelourinho e, claro, o castelo. Infelizmente, a Lagoa não tem lugar de destaque na arte azulejar.

Antes de entrar pela mui nobre e sempre leal vila de Óbidos, subindo a vertente escarpada do castelo, opto por contemplar mais uma vez a centenária estação e a vastidão da Várzea da Rainha. Hoje, a hortofloricultura e fruticultura florescem no lugar onde, em tempos idos, os baixios lagunares chegavam ao sopé da vila de Óbidos.

Atravesso a Rua Direita, uma das belas ruas de casario medieval do nosso Portugal Medieval, onde impera o azul e o amarelo, rumo ao ponto de encontro que me levará para um passeio sustentável pelas margens e interior do maior sistema lagunar de Portugal.

Lagoa de Óbidos: passeio sustentável pelo mais extenso sistema lagunar de Portugal
créditos: OLIRAF

Um passeio pedestre pelas margens da lagoa

A Lagoa de Óbidos é alimentada por água doce, através dos afluentes, dos rios Arnóia e Real. Com cerca de 6,9 km2, com cotas que variam entre o meio metro e cinco metros, profundidade média de dois metros. É o mais extenso sistema lagunar de Portugal, e uma das mais importantes zonas húmidas do nosso país, estendendo-se para montante, por dois canais: para Oeste pelo Braço do Bom Sucesso (Óbidos – Vau) e para Este pelo Braço da Barrosa (Caldas da Rainha – Nadadouro).

Este sistema lagunar costeiro comunica, uma vez por ano, com o oceano atlântico através de uma abertura artificialmente: a “Aberta”. Entre a primavera e o verão, a “Aberta”, como lhe chamam as gentes locais, é essencial para evitar o assoreamento da Lagoa de Óbidos, bem como assegurar as trocas de água, sedimentos e espécies piscatórias entre o espaço lagunar e oceânico.

Lagoa de Óbidos: passeio sustentável pelo mais extenso sistema lagunar de Portugal
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É também um território de avifauna: o berço da biodiversidade deste ecossistema lagunar. O Braço da Barrosa, um dos canais a montante da Lagoa, é o habitat ecológico de fauna e flora riquíssima, onde se destacam, a comunidade avifaunística local (a garça-real, o pato-real, o perna longa, garajau, garça-branca pequena, entre outras), as espécies piscícolas (a tainha, a solha, o robalo, a enguia ou a dourada) e os bivalves (berbigão, o mexilhão ou a amêijoa). E, com a chegada do outono, as aves migratórias “povoam” o Braço Sul da Lagoa de Óbidos. Este fator é um dos motivos para a vinda dos amantes da observação de aves (birdwatching), ótimas condições para a observação e fotografia. E os flamingos que povoam as águas são presença regular.

Muitas aves, onde se incluem os flamingos, procuram refúgio e alimento nestas latitudes. Ao longo do trilho pedestre, vemos inúmeras aves em voo sobre as águas, silenciosas e calmas, da lagoa. Todavia, os flamingos – um dos ex-líbris da Lagoa de Óbidos – não foram as únicas espécies registadas nessa manhã pelo meu olhar atento e pelo pormenor da minha lente fotográfica.

Existem inúmeros circuitos pedestres que percorrem as margens para observação da fauna e flora endógena. Trata-se de um dos melhores locais do continente europeu para a observação de aves, atraindo cada vez mais amantes deste tipo de turismo sustentável, associado à natureza. É o caso do Trilho dos Patos Reais (PR6), com circuitos marcados e bem cuidados, onde podemos percorrer as margens da foz do rio Real.

Lagoa de Óbidos: passeio sustentável pelo mais extenso sistema lagunar de Portugal
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Este percurso pedestre, de acesso fácil e prático, é um convite à imersão na fauna e flora da Lagoa. Durante o percurso, simpaticamente guiado por Luís Negrita, dono de uma empresa de animação turística de caminhadas e transfers: a Passa Montanhas – Trekking & Tours Experiences. Elucida-nos sobre os pormenores geográficos e naturais que pontificam e povoam a paisagem lagunar, onde destacamos, a presença de aves aquáticas, nomeadamente os flamingos.

A avifauna é fundamental para a manutenção do papel ecológico desta zona húmida. Destacamos, entre inúmeras espécies, as mais conhecidas: a garça real, o pato-real, perna longa, garajau, garça-real, entre outras. Conta-se que, no século XVIII, o monarca D. João V praticava a pesca à tainha, com recurso a um fuzil. A real figura detinha um cais próprio – o cais real – para praticar o seu passatempo. Era uma forma de distrair-se da burocracia estatal e dos mexericos cortesãos de Lisboa, enquanto vinha curar-se das maleitas nas termas das Caldas da Rainha. Infelizmente, na atualidade, existem parcos vestígios materiais da localização do Cais Real, situado neste recanto da lagoa. Deixamos, assim, o Braço da Barrosa, em busca de outros motivos de interesse.

Passeio numa embarcação sustentável, barcos tradicionais e desporto náuticos

Nas proximidades da Quinta do Bom Sucesso, freguesia do Vau, o almoço é servido num restaurante local: o Covão dos Musaranhos. Com inúmeras iguarias típicas, locais e regionais, associadas à faina fluvial e marítima, sou ofertado com uma vasta ementa, onde o nosso destaque vai, pois claro, para as enguias fritas, arroz de tamboril, perca do forno com batata frita aos quartos ou a sugestiva caldeirada de enguias à moda da lagoa. Optamos pela última.

Lagoa de Óbidos: passeio sustentável pelo mais extenso sistema lagunar de Portugal
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Prosseguimos a nossa visita com uma das razões da nossa visita à Lagoa de Óbidos: o passeio numa embarcação sustentável – movida a energia elétrica – para percorrer as extensas e tranquilas águas da Lagoa de Óbidos. Francisco Azevedo e Castro é o comandante que desbrava as silenciosas e calmas águas da Lagoa, que, por vezes, não deixam de ser traiçoeiras. O filho Miguel Azevedo e Castro, responsável pela única empresa que faz passeios fluviais pela Lagoa de Óbidos: a Intertidal – Natureza & Aventura. Relata-nos os pormenores e as curiosidades históricas, biológicas, etnográficas e geográficas do mais extenso lagunar de Portugal. Revela-nos memórias de infância, tais como, a prática de pesca ao candeio que “esta deveria ser merecedora de preservação para memória futura”, confidencia-nos.

No horizonte, pontificam as famosas bateiras. Estas embarcações tradicionais, coloridas e com nomes sugestivos, começaram, primeiramente, a serem usadas na apanha do limo para fertilizante agrícola. Era uma atividade rentável. Posteriormente, estas embarcações típicas da Lagoa de Óbidos foram usadas para a captura de bivalves e apanha de peixe pelos primeiros habitantes da lagoa: os varinos.

Lagoa de Óbidos: passeio sustentável pelo mais extenso sistema lagunar de Portugal
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De convés aberto, as bateiras podem ser operadas com motores de combustão ou, em caso de avaria, utilizar o método tradicional: o recurso a uma vara comprida. Por momentos, o aprendiz de viajante é transportada para Veneza. Pura fantasia de uma fértil imaginação. De dois em dois anos, quando se encontram ressequidas, são imersas em água, para, posteriormente, serem pintadas.

E continuamos o passeio. A lagoa proporciona ótimas condições para as crianças nadarem, além do imenso areal permitir a prática de desportos, particularmente, os desportos náuticos. As águas tranquilas e ventosas são propícias à pratica de um desporto muito particular, como aventureiro, o kitesurf. Não esquecendo as competições de vela, o windsurf, a canoagem e, mais recentemente, o Stand Up Paddle (SUP).

Nas proximidades existem inúmeras embarcações que sofreram naufrágios e encalharam no mar traiçoeiro, das quais destacamos o navio “Roumania”, afundado em 1892, na foz do Arelho, descoberto recentemente pelo filho da terra, o mergulhador Miguel Azevedo de Castro. As gentes oestinas, particularmente, da Foz do Arelho viram inúmeros embarcações encalhar e aviões da II Guerra Mundial amarar no extenso areal da Foz do Arelho.

As gentes da lagoa: os pescadores e os mariscadores

Depois de uma tarde solarenga, a jornada sustentável finalizou com uma visita à etnografia local e às gentes que animam as tranquilas e calmas águas lagunares. Os pescadores e mariscadores foram os primeiros habitantes destas paragens. Denominava-se de “varinos”. Em tempos idos, eram estes homens, laboriosos e simples, que viviam nas margens e percorriam com recurso a bateiras as extensas águas da lagoa.

Os varinos, homens fortes e de condição simples, passavam largas temporadas na Lagoa de Óbidos. A época de faina fluvial decorria de maio e outubro. No verão abalavam para a rentável pesca da lagosta ao largo da costa de Peniche.

Inicialmente, os varinos, viviam e cozinhavam nas suas “casas flutuantes”: as bateiras. Segundo fontes documentais e orais, as primeiras referências as “varinos” reportam-nos para as décadas de 20 e 30 do século XX. Mais tarde, estes “nómadas” começam a construir habitações simples, com recurso a matérias-primas locais, tais como, os caniços, para acomodar os aparelhos de pesca e para dormir durante a época piscatória. Era uma vida dura e difícil, visto que estas habitações frágeis, quase primitivas, não tinham água canalizada nem eletricidade. Eram as famosas “cabanas” ou “barracas do varino”.

Lagoa de Óbidos: passeio sustentável pelo mais extenso sistema lagunar de Portugal
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Ainda hoje, nas margens sul (freguesia do Vau) e norte (freguesia de Nadadouro), podemos encontrar as habitações típicas – as cabanas – utilizadas pelos “varinos” para acomodar os apetrechos de pesca e para habitação. É uma tradição que o pescador Valdemar Lopes, com a ajuda dos voluntários da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), mantêm o património “edificado” e a etnografia local associada às memórias da lagoa.

Nas proximidades de uma típica aldeia da região oeste, a Aldeia da Lapinha, freguesia do Vau, o mariscador Chico Nega e a sua mulher, Deolinda, fazem as “honras” da casa, visto que o pescador Valdemar Lopes não esta presente. O casal de pescadores, simpático e sorridente, recebem-nos na sua “cabana típica”, situada na Poça Pequena, com uma música tradicional portuguesa, tocada com a velhinha harmónica.

Lagoa de Óbidos: passeio sustentável pelo mais extenso sistema lagunar de Portugal
créditos: OLIRAF

A alegria de Chico Nega, o único pescador da lagoa a ter um canal com a sua alcunha. Trata-se de um exemplo vivo da dureza e exigente das gentes piscatórias que ainda retiram uma parte do seu sustento, apesar de reformados, desta zona húmida. É o amor à lagoa que o agarra a continuar as atividades piscatórias e a apanha de moluscos.

A apanha de moluscos bivalves continua a merecer um lugar de destaque na economia das populações locais de mariscadores do Vau e do Nadadouro. Ainda hoje, existe a tradição da apanha das enguias na Sexta-feira Santa. Para quem gosta de história e etnografia local, as gentes que tiram o seu sustento da Lagoa são fontes orais. Chico Nega relata-nos a diminuição da quantidade e variedade de espécies de peixe e marisco na Lagoa.

Para finalizar o dia na Lagoa, opto por tomar uma bebida refrescante em alguns confortáveis bares (na marginal muito bem arranjada) da Foz do Arelho. Por fim, escolho o Hotel da INATEL, onde as vistas são convidativos para contemplar um prolongado pôr-do-sol sobre o areal, extenso e largo, da Lagoa de Óbidos.

Lagoa de Óbidos: passeio sustentável pelo mais extenso sistema lagunar de Portugal
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Nota informativa: Esta viagem foi efetuada em setembro de 2020 no âmbito de um convite da Liga para a Proteção da Natureza (LPN) ao blogue OLIRAF para dar a conhecer as potencialidades turísticas da Lagoa de Óbidos, aliada à proteção da natureza, com diversos agentes turísticos do concelho de Óbidos e das Caldas da Rainha, para promover o futuro Centro de Interpretação da Lagoa de Óbidos (CILO). Este artigo não seria possível sem o apoio da Região Centro de Portugal – Delegação do Oeste.

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Artigo originalmente publicado no blogue OLIRAF