Com temperaturas entre os 14 e os 18 graus, chuva em abundância e com índices de humidade acima dos 85%, a neve fica circunscrita ao cume da montanha da ilha do Pico, e as horas de luz diárias são muito longas, comparativamente com as latitudes originárias do Pai Natal.
Nos primeiros dias de dezembro, iniciam-se os preparativos, com a decoração das casas e a confeção do bolo de natal.
Na ilha de São Miguel, a venda de árvores naturais tem lugar no Campo de São Francisco, e devido às características da floresta regional, estão disponíveis criptomérias e cedros, cuidadosamente selecionados e certificados pelos serviços governamentais regionais com responsabilidade em recursos florestais. Mas também se encontra rochas, musgo, farelo e outros elementos que habitualmente são utilizados para a construção dos presépios familiares. Este ano, com a presença de três vendedores, encontramos Evaristo Carvalho, que mantém esta tradição há 46 anos, guardando as árvores de noite e de dia, até 24 de dezembro, seguindo as pisadas do seu pai. Com árvores provenientes da freguesia das Sete Cidades, voltamos a optar pelo cedro, pela sua fragrância e majestosidade!
O bolo de natal açoriano corresponde, em larga escala, à receita do bolo inglês, e é certo que além de variar de ilha para ilha, varia também de casa para casa. Deve ser preparado com um mínimo de duas semanas de antecedência, e guardado em papel vegetal num local à temperatura ambiente, de forma a que humedeça e adquira todos os seus sabores. Não pode faltar o melaço, a compota, as frutas cristalizadas, o vinho do Porto ou o vinho abafado, bem como a canela e outras especiarias desta época. Na nossa casa, por exemplo, este ano optamos por substituir as frutas cristalizadas por frutos do bosque e amoras brancas. Ademais, podem ser também preparados outros doces, como bolachas de gengibre, bolo de figos, entre muitos outros.
Nestes dias, entre a decoração escolhida, é necessário “armar” o presépio. É frequente encontrarem-se estruturas com dezenas de figuras de barro, que podem ir desde uma simples apresentação das personagens tradicionais até cenários mais complexos (não tão raros como se possa imaginar…), com a presença de romeiros, da procissão do Senhor Santo Cristo, de grupos de filarmónica e mesmo de folclore, em certos casos, com iluminação cénica e musical. Por outro lado, com origens que remontam ao século XVI, realizam-se ainda os presépios de lapinha, uma versão artesanal e em miniatura, de perpetuar a natividade. Erguidas em torno de uma gruta que abriga a Sagrada Família, as suas figuras são representadas através de minúsculos elementos de cerâmica, fragmentos do mar e da terra (rocha, musgo, plantas, flores e conchas), minuciosamente pintados, e protegidos por uma redoma ou caixa de vidro. Em alternativa ao presépio, também se pode encontrar um pequeno altar do Menino Jesus, colocado em cima de uma cómoda ou de uma mesa. É frequente, por outro lado, encontrar nas casas açorianas produtos como laranjas, tangerinas, camélias, estrelícias, ramos de árvores de fruta tradicionais da região, bem como taças com trigo, ervilhaca, tremoço e alpista.
Em Ponta Delgada, todos os anos se promove o Dia das Montras, que coloca a concurso as vitrinas das lojas do comércio local, inaugurando, de forma simbólica, a abertura do mercado a esta época (sem prejuízo das vendas se terem iniciado muito antes). Devido ao contexto pandémico, este ano o concurso durou três dias, de modo a evitar grandes afluxos da população. Ao mesmo tempo que as pessoas procuram ver as novidades e fazer algumas compras, aproveitam para dar um passeio pelas ruas do centro histórico, apreciando a iluminação natalícia, podendo comer umas castanhas assadas.
Na senda dos presépios, a par de apresentações ao público de coleções privadas durante este mês, são habituais os presépios ao ar livre. O mais icónico na ilha de São Miguel é das Furnas, este ano integrado num roteiro de presépios do Município da Povoação, que integra também a vila da Povoação e a freguesia da Água Retorta. O presépio das Furnas é normalmente desenvolvido nas imediações das caldeiras desta freguesia, dando origem a um cenário mágico, sobretudo ao anoitecer. Os visitantes costumam celebrar esta composição com uma degustação natalícia, onde não pode faltar um representante da doçaria, e um do chá e/ou dos licores regionais. Uma outra opção muito recomendada é a do presépio da Madre Margarida do Apocalipse, na Casa do Arcano, com uma história absolutamente incrível e que vale a pena conhecer!
O aproximar do nascimento de Cristo ganha ainda maior dimensão com o concerto de Natal promovido pelo Coral de São José, que habitualmente interpreta os grandes clássicos na Igreja do Colégio, em Ponta Delgada.
Nas zonas mais rurais, com a chegada do dia de São Tomé, a 21 de dezembro, era costume fazer a matança do porco, uma tradição fortemente enraizada, porém cada vez menos frequente, que trazia a fartura para o lar. Além do porco, as melhores galinhas e capões (um prato muito típico do Nordeste) eram também guardados para a consoada e para o dia de festa.
A celebração do natal é realizada, à semelhança de grande parte das famílias portuguesas, com um jantar no dia 24 (que pode incluir a ida à Missa do Galo) e um almoço no dia 25, juntando pequenos e graúdos, com peru ou bacalhau. Nos Açores é também possível encontrar na mesa o polvo regional assado enquanto prato principal e, enquanto sobremesas, azevias, massa sovada, sonhos de abóbora, bolo rei ou rainha, bem como arroz doce ou aletria, entre muitas outras. É naturalmente neste momento, tal como sucede em todo o mundo, que o universo de curiosidade e entusiasmo das crianças atinge o seu expoente máximo com a abertura das prendas deixadas pelo Pai Natal.
Entre a véspera de natal e o dia de Reis, manda a tradição que as famílias e amigos se juntem em casa dos seus entes mais queridos e próximos, batendo à porta e perguntando: “O Menino mija?”. É um momento de confraternização, onde se voltam a partilhar licores (como o vinho abafado, a angelica ou o vinho quente), doces natalícios, e tudo o que cada lar tenha para oferecer. A celebração da época festiva encerra-se na noite de 1 de fevereiro, por ocasião do dia da Nossa Senhora da Estrela, com o tradicional “Cantar às Estrelas”. Nesta altura, grupos de homens, mulheres e crianças percorrem as ruas principais de cada município (sobretudo na Ribeira Grande), entoando cânticos tradicionalmente associados às boas sementeiras e pescarias, entre outros temas, tendo sempre em comum a devoção a Nossa Senhora.
Em 2020, a pandemia dita que muitas destas comemorações tenham de ser adaptadas, reformuladas e até suspensas (como o Menino Mija ou a Casa do Arcano), pelo que, nesta excecionalidade imperiosa, importa ter sempre presente os maiores valores desta bonita época: a celebração da universalidade do amor e da família.
O Viajário Ilustrado deseja a todos/as um feliz e santo Natal, pleno de saúde e afetos!
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