Esta aldeia foi uma das 14 aldeias finalistas das 7 Maravilhas de Portugal e basta vislumbrar de longe o seu pitoresco casario, empoleirado como um presépio, nas falésias sobre o mar, para perceber porquê.
Localizada na freguesia de Colares, a aldeia das Azenhas do Mar desenvolveu-se ao longo da ribeira do Cameijo que corre para o Atlântico e quebra as arribas da costa. As muitas azenhas (moinhos de água) que existiam no local deram o nome a esta antiga povoação cuja verdadeira origem se perde na memória dos tempos. Pensa-se, contudo, que os primeiros moinhos de água datam do período da ocupação árabe.
É uma obra-prima da arquitetura popular e tem vários palacetes e edificações de interesse histórico, particularmente no estilo Português Suave — uma corrente arquitetónica que procurou criar uma arquitetura "genuinamente portuguesa”.
Um dos mentores desta corrente foi o arquiteto Raul Lino, teorizador da casa portuguesa, que criou um estilo em que características modernistas da engenharia eram disfarçadas por uma mistura de elementos estéticos exteriores, nomeadamente painéis de azulejos, inspirados na arquitetura portuguesa dos séculos XVII e XVIII e nas casas tradicionais das várias regiões de Portugal.
Foi aqui que em 1927 foi construída a Escola Primária, que serviu de modelo aos edifícios das escolas primárias do Estado Novo. Elaborada pelo arquiteto Raul Martins, o edifício tem como destaque um painel de azulejos com momentos ilustrativos da História de Portugal.
Tradicionalmente, para além da atividade de moagem, a população das Azenhas do Mar vivia da pesca, recolha de mariscos (percebes e lapas) e da agricultura, com especial relevo para o vinho.
Com efeito, algumas das mais antigas adegas particulares do denominado Vinho de Colares ficavam aqui. Destas, conhecem-se as pertencentes a Luís Augusto e Manuel José Collares que, já no ano de 1848, fabricavam e comercializavam vinho da sua lavra.
Em 1899, João António e Hermegildo Bernardino da Silva, conhecidos localmente como a família Chitas, adquiriram algumas dessas adegas e constituíram a firma Collares Chitas. Um ano mais tarde, em 1900, António Bernardino da Silva Chitas cria a Adega Beira Mar que, ainda hoje, comercializa o Vinho de Colares.
As vinhas que resistiram à filoxera
Nos campos que circundam as Azenhas do Mar continua a cultivar-se vinha e a rainha da região é a uva Ramisco. Aliás o chão de areia de Colares é muito famoso e isso não aconteceu por acaso: foi ele que salvou as videiras da região da devastação que a praga da filoxera (um inseto minúsculo, parecido com um pulgão) causou em toda a Europa no final do século XIX.
Quando apareceu em Colares, o inseto não conseguiu sobreviver no chão de areia e até hoje em Colares existem videiras pré-filoxéricas, com mais de um século, e ainda produtivas. São algumas das videiras mais antigas de Portugal.
A plantação em chão de areia não é tarefa fácil e para implantar a vinha é necessário retirar areia até alcançar o solo argiloso que fica por baixo, o que significa cavar buracos com muitos metros de profundidade. Neste solo de argila são depois plantadas – ou unhadas, como se diz na região – as vinhas. Durante 3 a 4 anos, a areia vai sendo reposta, até que a videira se encontre num terreno regular e inicie a sua produção.
São Lourenço, santo padroeiro da terra e protetor da vinha, é ainda hoje festejado nas Azenhas do Mar, assim como a Nossa Senhora do Mar, cuja devoção se manteve viva entre os moradores.
Existe na aldeia uma interessante capela, totalmente restaurada, dedicada a São Lourenço, que data dos finais do séc. XVI e no dia 10 de agosto (dia de São Lourenço) realiza-se uma missa seguida da Procissão Solene, pelas principais ruas das Azenhas, com passagem pelo Miradouro para a tradicional Bênção.
A fonte que jorrou vinho
O desenvolvimento do povoado como estância balnear ocorreu em meados dos anos 30 do século passado, altura em que foi inaugurada a linha do Elétrico de Banzão até às Azenhas do Mar.
Segundo a tradição local, a chegada do elétrico foi acompanhada de uma festa, tão grande e tão monumental, que um dos homens da terra, José Henriques Totta, mais conhecido como o "Totta", até colocou o Chafariz do Arcão a jorrar vinho de Colares em vez de água.
Conta-se que entre os populares corria na altura uma anedota que dizia que a linha do elétrico que então iria ligar a Vila de Sintra às Azenhas do Mar, atravessando a Praia das Maçãs, só seria terminada quando o Chafariz do Arcão jorrasse vinho. A piada expressava a descrença dos populares quanto ao término da obra. Por isso quando aquele último troço ficou concluído e foi inaugurado, o "Totta" ordenou que se colocassem barris de vinho, canalizados até ao chafariz, de modo a que o líquido que saísse da bica fosse vinho e não a esperada água.
A tradição popular ainda nos diz que um fervoroso morador, o senhor Jacinto, bebeu nada mais do que vinte e oito canecos do chafariz e apanhou uma bebedeira tal que acabou o dia de festa numa cama de hospital.
Infelizmente em 1955 a decadência da linha levou ao encerramento do troço Praia das Maçãs-Azenhas e o elétrico passou a ser apenas uma memória distante.
A piscina oceânica e o peixe fresco
As Azenhas do Mar foram local de férias do rei D. Carlos, da sua mulher D. Amélia e da mãe, D. Maria Pia. A atração principal da aldeia era (e continua a ser) a sua maravilhosa piscina oceânica para onde converge todo o pitoresco casario.
Esta piscina está em contacto quase direto com o mar e este, de quando em quando, de onda em onda, cavalga a rocha e arrefece a água que na parte de dentro é aquecida pelos raios do sol.
A praia é pequena (e pode ficar totalmente imersa durante a maré alta), mas é habitualmente agradável, porque está de certo modo abrigada do vento pelas falésias. Tudo aqui é pitoresco e acolhedor e um dos mais famosos restaurantes da região de Sintra - o Restaurante Azenhas do Mar - também se encontra aqui. Juntamente com vistas extraordinárias, oferece aquilo que o mar tem de melhor: peixe e marisco fresco.
O ano passado terminaram os trabalhos de requalificação e reabilitação do Miradouro das Azenhas do Mar, que limitou a circulação de automóveis, por isso o acesso ao topo do miradouro agora só pode ser feito a pé ou de bicicleta.
Os automobilistas que se deslocarem ao local podem deixar as suas viaturas no novo parque de estacionamento, criado ao longo da Rua Dr. António Brandão de Vasconcelos, com acesso pelo lado do mar.
A aldeia das Azenhas do Mar e a sua paisagem de cartão-postal, que tantas vezes serviu de inspiração a pintores e escritores como Emílio de Paula Campos, Júlio Pomar, Alfredo Keil, Virgílio Ferreira, José Saramago e Ferreira de Castro (que chegou a viver aqui), é mais um tesouro a (re)descobrir neste nosso belo Portugal.
"Todos os caminhos vão dar a Sintra. O viajante já escolheu o seu. Dará a volta por Azenhas do Mar e Praia das Maçãs, espreitará primeiro as casas que descem a arriba em cascata, depois o areal batido pelas ondas do largo" - José Saramago, Viagem a Portugal
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Artigo originalmente publicado no blogue The Travellight World
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