Sofia sofreu um acidente de viação aos 23 anos que a deixou paraplégica. Catarina teve uma inflamação na medula, aos 26 anos, e deixou de sentir as pernas. Por dois motivos diferentes, viram-se sem a capacidade de caminhar e a terem de usar uma cadeira de rodas para se deslocarem.
Catarina Oliveira é a Espécie Rara sobre Rodas no Instagram onde faz chamadas de atenção, de forma bem humorada, para os problemas que uma pessoa que se desloca em cadeira de rodas encontra. Sofia Martins é o rosto por detrás do blog JustGo by Sofia, um espaço onde partilha as suas experiências de viagem e como as organiza com foco, claro, nas questões de acessibilidade.
Sofia e Catarina mostram que a cadeira de rodas não as prende nem limita, mas a falta de acessibilidade pode fazê-lo. E, neste âmbito, há um longo caminho a percorrer. “Há quase trinta anos que estou em cadeira de rodas, por isso noto uma grande evolução, principalmente, nos últimos anos”, garante Sofia. No entanto, ainda falta fazer muita coisa.
“Tem-se feito muito, no entanto, nem sempre bem feito. Falta incluir a pessoa com mobilidade reduzida na decisão e no planeamento da 'obra'. Falta, também, fazer cumprir a lei, porque ela existe e contempla muitas coisas, no entanto, não há fiscalização, pelo que encontramos muitos espaços em que é obrigatório terem acessibilidades e elas não existem”, acrescenta.
“Não nos podemos iludir e achar que as coisas já estão boas”, garante também Catarina, que também sublinha a falta fiscalização existente. “A lei das acessibilidades, apesar de já ter mais de 20 anos, até prevê várias coisas, mas não há fiscalização. Ninguém vai ver se as coisas estão a ser cumpridas ou não. Então deixa muito a desejar”, garante. “Não adianta ter políticas inclusivas, ter legislação inclusiva, ter essas coisas todas se depois não há fiscalização”, acrescenta.
Sofia chama ainda à atenção para outro ponto: não basta ser acessível, é necessário que os espaços sejam inclusivos. “Não basta entrar num local, se depois lá dentro não podemos usufruir de tudo aquilo que está disponível. Ou seja, não basta poder entrar num museu e não conseguir participar nalguma actividade que esteja a decorrer lá dentro. Aqui falamos de algo mais importante do que de acessibilidades, falamos de inclusão. A inclusão da pessoa com deficiência significa que ela faz parte da mesma forma que todas as outras. Inclusão não é segregar, não é obrigação. Inclusão é uma coisa natural, onde todos fazemos parte e cada um tem o seu papel e contribui para a evolução da sociedade”, explica a autora do blog JustGo by Sofia.
“Todos temos pais, avós, tios, bebés em carrinhos que mais cedo ou mais tarde vão precisar de acessibilidades, para já não falar que com o envelhecimento e com o evoluir da esperança de vida todos vamos perdendo mobilidade”, acrescenta.
“A acessibilidade não é apenas para as pessoas com deficiência. É para todos. Serve a todos. Beneficia a todos. Não exclui ninguém”, sublinha Catarina.
O passatempo favorito de Sofia é viajar e, no seu blog, é possível acompanhar as suas aventuras. “Com a experiência que fui ganhando na organização das viagens, como faço, onde vou e como me desenrasco nos locais, decidi criar o blog para partilhar as minhas experiências e ajudar a quem precisa de dicas sobre como viajar em cadeira de rodas”, explica o rosto por detrás do blog JustGo. Isto porque, para quem se desloca em cadeira de rodas, existem muitos obstáculos a ultrapassar e pontos a considerar, em todas as fases da viagem. É necessária atenção extra e pesquisa atenta.
“A escolha do local do alojamento requer algum cuidado, como a proximidade aos transportes, para que me facilite quando ando com as malas. O alojamento terá que ser acessível e estar adaptado”, explica Sofia. Além disso, também é necessário “verificar qual o transporte mais adequado para onde quero ir e ter atenção, ao comprar o bilhete, quais as regras e a ajuda necessária para quem se desloca em cadeira de rodas”, explica.
“Viajar quando se utiliza uma cadeira de rodas é uma aventura”, garante Catarina. No seu Instagram, já denunciou várias situações relacionadas com transportes, quer nos serviços de TVDE – que muitas vezes cancelam as viagens perante um cliente em cadeira de rodas – quer nas viagens de comboio, cuja burocracia limita a liberdade dos utilizadores de cadeira de rodas.
A CP, as cadeiras de rodas e o prazo de 6 horas
“A CP tem um serviço que se diz inclusivo, mas que é, a meu ver, uma falsa inclusão”, afirma Catarina. “Os Alfa pendulares têm uma carruagem que permite a entrada de cadeira de rodas. Para a cadeira de rodas entrar é necessário que se abra uma plataforma e o revisor tem apenas de carregar num botão. Revisor esse que está sempre no comboio”, conta Catarina.
“Posto isto, a CP obriga-nos a reservar a viagem com 6 horas de antecedência. Temos de reservar, temos de preencher um formulário, temos de esperar por uma chamada da CP que nos vai confirmar – ou não – a possibilidade de viajarmos e depois sim, podemos viajar. Ora, a mim isto parece-me uma situação discriminatória, baseado na minha deficiência não tenho a liberdade de ir e vir de comboio às horas que quero”, explica.
Ana Portela, porta-voz da CP, explica o motivo que leva à existência deste protocolo, que já foi de 24 horas e foi sendo reduzido até às atuais 6 horas de antecedência.
“O prazo de 6 horas para a assistência SIM acontece devido à diversidade das condições em que a CP tem que operar, quer em termos do material circulante (comboios) disponível, quer das estações, que têm também especificidades próprias, nomeadamente na acessibilidade da plataforma para o comboio”.
Segundo Ana Portela, a CP disponibiliza assistência no embarque e desembarque em 139 estações ferroviárias de norte a sul do país. No entanto, estas estações não têm layout, dimensões de plataformas nem equipamentos uniformizados ao longo do país, o que leva a que seja necessário analisar caso a caso, de forma a encontrar a melhor solução para cada passageiro.
“Para dar um exemplo de uma estação central, a estação do Oriente, devido à altura das plataformas, dependendo do tipo de comboio e também do tipo de cadeira de rodas (peso, dimensões, cadeira elétrica ou manual, scooter de mobilidade), a solução pode ser a utilização de uma plataforma elevatória (que existe nesta estação) na qual a cadeira de rodas é embarcada e elevada à altura da porta; a utilização de rampa existente no próprio Comboio ou a utilização de rampas móveis”, explica Ana Portela. “Por outro lado, as cadeiras de rodas têm dimensões, pesos e características diferentes, pelo que a solução pode variar também de acordo com esse equipamento. Por exemplo, um embarque em rampa, se a inclinação for muita, não é seguro, porque a cadeira ou a scooter de mobilidade pode virar, provocando um acidente”, acrescenta.
“No caso da Estação do Oriente, se for necessária a utilização do elevador que se encontra na plataforma, tem que ser avisado um colaborador na estação para ter preparado este apoio”. Segundo a Ana Portela, é ambição da CP reduzir este tempo de antecedência. No entanto, este pode ser um processo demorado, visto que todas as soluções necessitam de passar por várias fases: estudo, desenho de equipamentos, encomenda, entrega e instalação.
Locais que apostam na Acessibilidade
Museu da Covilhã
Embora muitos locais ainda considerem a acessibilidade um factor secundário, existem projetos que colocam a acessibilidade e a inclusão no centro das tomadas de decisão, criando um espaço para todos. Um bom exemplo é o Museu da Covilhã que se afirma como sendo “um espaço de Todos e para Todos”.
“A acessibilidade foi uma preocupação colocada no centro das decisões tomadas ao longo do projeto e da concretização do Museu”, explica Sandra Ferreira, Coordenadora do Museu da Covilhã. O museu assumiu o desafio de ultrapassar dificuldades decorrentes das características arquitetónicas do próprio edifício, do acesso ao espaço, da readaptação total do seu interior, da sinalética, da formação da equipa técnica permanente, dos materiais de apoio à visita e da premissa de que todos os conteúdos expositivos devem ser apresentados e apreendidos através de suportes multimédia, multissensoriais, acessíveis e interativos.
O Museu está também equipado com rampa de acesso exterior, elevador, piso podotátil, zonas de descanso, sinalização de escadas fixas, WC acessível, sinalização e legendas do percurso, espaço para cão-guia, materiais táteis e em braille, design multimeios e mobiliário expositivo acessíveis.
O Museu da Covilhã foi galardoado com o prémio Museu do Ano 2022, pela APOM, sobretudo porque se destacou pelo exemplo que representa ao nível da acessibilidade e inclusão de públicos com diferentes limitações a vários níveis e pela qualidade do projeto, bem como pela priorização de questões relacionadas com a acessibilidade.
ILUNION Hotéis: Uma cadeia de hotéis acessíveis
“Em termos de hotéis o melhor exemplo que posso dar é o grupo Espanhol Ilunion onde tudo é pensado ao pormenor”, afirma Sofia. “Esta é uma cadeia de hotéis que aposta na acessibilidade e, ao mesmo tempo, na integração profissional de pessoas com deficiência”, acrescenta.
Outros locais acessíveis para visitar
A Catarina destaca o WOW - World of Wine, em Vila Nova de Gaia, como um dos locais acessíveis para visitar em Portugal. "Tem uma vista sobre o Porto lindíssima, tem vários restaurantes tem casa de banho adaptada, quase todos os locais são acessíveis (excepto um ou outro local nos museus). Por isso, destacaria esse espaço para as pessoas irem", explica Catarina.
Para os amantes do vinho, Sofia deixa algumas opções com boa acessibilidade. "Para quem gosta de enoturismo, três adegas no Alentejo onde estive e onde estão garantidas as acessibilidades e um momento bem passado: Adega Mayor, Herdade do Freixo ou Quinta do Quetzal".
Publicado originalmente a 11 de novembro de 2022
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